Conheça única artesã de Blumenau que mantém viva a kunststricken, técnica de tricô alemã milenar

Úrsula Von Knoblauch aprendeu a tricotar com a avó e trabalha para não deixar a tradição da família ser esquecida

A tricoteira Úrsula Von Knoblauch é uma senhora de 64 anos que mantém viva em Blumenau uma tradição antiga: o kunststricken, conhecido também como tricô alemão. Natural de São Leopoldo (RS), ela veio para Santa Catarina com a família ainda na infância.

Dona Úrsula aprendeu a arte do tricô alemão quando retornou à cidade de origem um tempo depois. Quem a ensinou foi a avó, imigrante alemã que colecionava livros sobre o kunststricken e utilizava da atividade para passar o tempo.

“Eu não imaginava que isso poderia servir como um trabalho posteriormente, mas tudo que pude aprender com a minha avó eu aprendi. O resto desenvolvi lendo livros e praticando”, conta a senhora.

Dona Úrsula demonstrando o kunststricken. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

O que é o kunststricken?

A técnica consiste em um tricô realizado a partir de cinco agulhas. O kunststricken foi introduzido na Alemanha no período do Renascimento – movimento cultural e artístico que se espalhou entre os pensadores alemães nos séculos XV e XVI – possivelmente por artesãos italianos vindos de Praga.

O segredo desta arte está na distribuição rítmica dos vários pontos e na leitura adequada dos gráficos didáticos. “É necessário focar na leitura para aprender esse tricô, essa é uma das maiores diferenças entre o kunststricken e as demais técnicas”.

A tricoteira afirma que um dos segredos para conseguir aprender a arte é conseguir controlar a ansiedade e não ter pressa de terminar, apenas focar na realização da tarefa.

“Lidamos com jovens inseguros, com pensamentos persistentes de que não vão conseguir. Atualmente as pessoas têm muita pressa de ter o produto pronto, é preciso ter controle dessa ansiedade e do desejo por tudo instantâneo”, afirma dona Úrsula.

Peças de kunststricken feitas pela dona Úrsula. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau.

Assista à demonstração

 

Feiras de artesanato

Apesar de tricotar há muitos anos, foi em 2005 que dona Úrsula começou a expor o trabalho em feiras pelas cidades de Santa Catarina.

A senhora produz roupas de tricô, meias, caneleiras, tornozeleiras, mandalas, sombrinhas, almofadas e diversos artigos de decoração, tendo como foco principal o público feminino. Segundo ela, a maior parte das peças eram vendidas para turistas.

Peças de kunststricken feitas pela dona Úrsula. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau.

“Em uma feira que aconteceu em Joinville, a bisneta do Fritz Muller reconheceu o meu tricô, ela estava a mais de cinco metros de distância e veio até a mesa olhar as peças. Era sempre assim, por mais que a mesa estivesse escondida os clientes reconheciam e vinham até mim, isso era muito especial, era o que me motivava a continuar”, expõe a senhora.

Por conta da pandemia de Covid-19 e alguns problemas pessoais, dona Úrsula parou de levar o kunststricken para as feiras, porém, permanece vendendo as peças quando as clientes a procuram.

Lembranças de feiras que dona Úrsula participou e guarda nas paredes de casa. Foto: Arquivo Pessoal.

Repassando conhecimento

Uma das prioridades e principais paixões da tricoteira é repassar os conhecimentos que adquiriu. Seguindo a tradição de família, dona Úrsula ensinou a arte para sua filha e se mostra disponível para dar aulas a qualquer pessoa que desejar aprender.

“Desde pequena a minha mãe me dizia ‘conhecimento é a única coisa que não te roubam, isso você pode carregar para o resto da vida’, por isso sempre gosto de repassar aquilo que sei”, explica a artesã.

Peças de kunststricken feitas pela dona Úrsula. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau.

Nas feiras, as aulas aconteciam em público, explica a senhora: “quando a pessoa chegava na minha mesa não sabia o que era o meu tricô, eu fazia a demonstração de uma peça e ensinava os passos básicos na hora”.

Ela ressalta a importância de saber que o tricô alemão não é difícil, mas exige dedicação: “Sou muito acessível para dar aulas, porém quando percebo que a aluna insiste nos hábitos incorretos eu desisto dela. Tive alunas que em duas aulas aprenderam tudo, e alunas que na segunda aula desistiram”.

Atualmente, as aulas acontecem com no máximo duas pessoas, em horários e dias flexíveis. O único empecilho que dona Úrsula enfrenta para o ensino do tricô de cinco agulhas é a falta de material novo e traduzido sobre essa arte.

Luta pela tradição

Grande parte do material que dona Úrsula possui sobre o kunststricken foram trazidos na bagagem de sua avó, quando veio da Alemanha para o Brasil. Os livros são antigos, alguns datados de 1950, e a maioria escrito em alemão gótico.

Livro escrito em alemão gótico trazido pela avó de dona Úrsula. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau.

Um dos maiores interesses da artesã é possibilitar a tradução desses materiais para o português, com o intuito de facilitar o ensino do tricô alemão para mais pessoas e tornar possível que essa arte seja reconhecida como tradição e parte da cultura do Vale do Itajaí.

A tricoteira sonha em buscar as origens e descobrir de fato onde surgiu o kunststricken, para ser possível produzir um material bibliográfico completo. Porém, ela acredita que sozinha não irá conseguir: “Isso precisa ser feito em equipe, sozinha eu não consigo, afinal, para o meu sustento eu preciso focar na produção”.

Contudo, apedar das dificuldades, dona Úrsula afirma que não irá desistir. Um dos maiores objetivos dela é que o tricô alemão seja ensinado nas escolas: “Enquanto for chamado de tricô alemão, não vou desistir”.

Dona Úrsula com os livros trazidos da Alemanha sobre o kunststricken. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau.

Benefícios do kunststricken

Dona Úrsula afirma que o tricô tem muitos benefícios e possibilita a quem pratica uma maior autoconfiança, capacidade de concentração, além de ativar a criatividade e trabalhar a memória.

“Eu me apaixonei por esse trabalho, e um dos maiores benefícios para mim, foi não precisar usar remédios para dormir, afinal, mantenho a minha mente ocupada. A nossa mente é muito intensa, nossos pensamentos precisam ser organizados e não caóticos, o tricô ajuda nisso”, relata a senhora.


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