Cidades-esponja
Curitiba é pioneira no Brasil na aplicação do conceito de cidades-esponja antes de ele existir, herança do visionário ex-prefeito Jaime Lerner. Baixadas como a do rio Barigui foram urbanizadas do jeito que estavam, sem aterros. Como resultado, quando ocorre uma chuvarada mais intensa e longa, aquilo tudo alaga, aliviando a enchente na cidade. Cessada a chuva e baixadas as águas, com uma simples e rápida limpeza, devolve-se o ambiente ao uso público.
Jaraguá do Sul, aqui em Santa Catarina, segue o exemplo, transformando baixadas em parques de uso público, sem destruí-las com aterros. Brusque até que tentou aproveitar as margens do rio Itajaí-mirim, mas de forma discutível, entregando-as mais para o automóvel (trânsito) do que para o público. Verde que é bom, praticamente nada. Estética, menos ainda.
A cidade de Boston, nos Estados Unidos, resolveu comprar grandes áreas de várzeas acima da cidade para armazenamento de águas das enchentes com resultados melhores e custos bem menores que o da construção de barragens. Nova Iorque, não muito distante dali, investiu maciçamente na preservação dos mananciais até além dos 200 quilômetros acima da cidade e hoje seus habitantes e turistas bebem água mineral direto da torneira. Para cada dólar investido a cidade economizou 7 dólares se tivesse que ficar tratando a água retirada direto do rio para abastecer a cidade.
No que diz respeito ao controle de cheias e enchentes essa mesma metrópole tem reimplantado grandes pântanos junto ao rio Hudson para auxiliar no acúmulo das águas e na proteção da cidade contra enchentes, ao mesmo tempo em que se cria ambiente para a vida selvagem e chance para a biodiversidade. Natureza voltando a ocupar pelo menos um mínimo de espaço na selva de pedra, atendendo a um outro princípio moderno de mais verde e menos concreto, como acontece em Londres, Berlin, Seul e tantas outras cidades. Verde mais ecológico e não somente paisagístico.
Woodlands, no Texas, como Curitiba no Brasil, criou espaços livres públicos e privados e com isso maximizou a drenagem das águas pluviais, absorvendo água nas cheias e prevenindo as enchentes mais abaixo. Enquanto isso, Houston, naquele mesmo estado, ao que consta, continua amargando enchentes, por causa da urbanização excessiva que impermeabilizou o solo das nascentes. Igual São Paulo, no Brasil.
O conceito de cidades-esponja foi criado pelo chinês Kongjian Yu, que já projetou obras em mais de 70 cidades dentro e fora da China, pelo mundo. Pessoalmente prefiro chamar de municípios-esponja ou paisagens-esponja, já que seus princípios podem e devem ser aplicados além da área urbana propriamente dita.
Cidades-esponja são soluções abrangentes que estão anos-luz à frente de ultrapassados conceitos, segundo os quais as enchentes se resolvem com obras, apenas obras. Se fosse por isso, São Paulo não teria enchente nenhuma, de tanta obra que já foi feita naquela cidade. Nem Rio do Sul nem Taió teriam enchentes em Santa Catarina, já que são as cidades mais protegidas por barragens no Vale do Itajaí.
Blumenau pode se orgulhar de ter sido pioneira em legislação que determina que as construções sejam adaptadas à topografia sempre que possível, como os gregos já faziam há milênios. Adaptar-se à topografia também ajuda na prevenção de enchentes e suas sequelas, como os deslizamentos de encostas. Só que os antigos Gregos, sem possantes máquinas, tinham dificuldades de adaptar o terreno, tudo era trabalho braçal.
A Blumenau dos anos 1980 já dispunha da facilidade das possantes máquinas, mas, mesmo assim, optou pela adaptação à topografia mesmo antes da Dra. Anne Spirn, da USP de São Paulo tratasse desse conceito no livro “O Jardim de Granito: a natureza no desenho da cidade”, de 1995.
O pioneirismo da cidade agora está sendo maculado pelas absurdas obras da urbanização da praça da (ex-) Prainha e da margem esquerda do Centro, seguindo projeto que já nasceu anacrônico, mais de 10 anos atrás e na contramão dos conselhos técnicos da missão japonesa da Jica. Que pena, Blumenau! Desculpem insistir no mesmo assunto, mas não tem como evitar.
Voltando à questão das cidades-esponja, que bom que se tem difundido cada vez mais esses conceitos. Nada contra empreiteiras que vivem de prestar serviços em obras para o poder público. Obras são e sempre serão necessárias, mas, não se pode ficar apenas nisso. Afinal, se nem só de pão vive o homem, também, nem só de obras se controlam as enchentes. Muita gente já aprendeu isso depois de apanhar bastante. Que os políticos legisladores e tomadores de decisão aprendam também. Amém.
Onde havia uma ponte improvisou-se uma esteira para travessia de carvão em Tubarão-SC, após a enchente de março de 1974, enchente esta que não seria evitada, mas, foi potencializada pelo intenso desmatamento que havia ocorrido no respectivo vale. Em primeiro plano o solo desnudo que restou depois da devastadora correnteza. Foto Lauro Eduardo Bacca, em 09/7/1974.
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