Das Kino - Um olhar crítico sobre o cinema

Jéssica Frazão é doutoranda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e escreve sobre cinema, artes e produção audiovisual.

Ex-alunos da Furb lançam documentário sobre imigração para o Vale do Itajaí

Conteúdo foi disponibilizado no Youtube

Foi lançado na última quinta-feira, 16, pelo Youtube, o documentário Sete Vozes – migrantes no Vale. O documentário, inteiramente gravado em Blumenau, mescla cenas externas da cidade e entrevistas captadas nos estúdios da FURB TV.

O documentário foi dirigido por dois ex-alunos da FURB: o historiador Michel Honório da Silva e o jornalista Luiz Antonello. Sendo uma produção universitária interdisciplinar, contou com a supervisão dos professores André Martinello, do curso de História e Magali Moser, do curso de Jornalismo.

A ideia do documentário surgiu ainda em 2014, quando Michel Honório da Silva era estudante de História e bolsista do Programa de Incentivo à Pesquisa (PIPe – artigo 170), do Governo do Estado de Santa Catarina. Segundo Michel, as entrevistas aconteceram entre 2014 e 2017. Posteriormente, quem transformou o material bruto em documentário, pela montagem e edição que demandam conhecimento das ferramentas, sensibilidade do olhar e um trabalho minucioso, foi Luiz Antonello.

O filme começa com a seguinte mensagem: “Este curta é dedicado a todas as pessoas que escolheram o Brasil e Santa Catarina para viver. Principalmente aquelas que se consideram marginais, esquecidas e estranhas no Vale do Itajaí/SC”. Quem já migrou, seja dentro ou fora do país de origem, sabe como é significativo que uma declaração tão direta assim inicie um produto audiovisual.

Estes instantes iniciais representam um acolhimento prévio àqueles que não possuem a tão “glorificada” descendência europeia, além de orientar o espectador a refletir sobre um dos maiores fenômenos do nosso tempo, dando voz aos sujeitos-personagem não participantes das narrativas hegemônicas.

A introdução do documentário possui uma linguagem jornalística. Nos apresenta Blumenau como uma cidade de migrantes, mas que tende a ser reconhecida apenas pela sua colonização europeia. Sabendo que esta condição não comporta a pluralidade da cidade, a narração em voz off do repórter quer nos mostrar quem são os imigrantes do século XXI, considerando suas experiencias em terras blumenauenses.

O formato documental mais tradicional ganha força a partir das entrevistas, tanto pela forma discursiva quanto pela ideia de “indexação ao real”. A partir das falas dos entrevistados, suas subjetividades são postas em tela. Os diretores se preocuparam em dar protagonismo aos imigrantes.

Não diria que o documentário conseguiu ir a fundo nas complexidades dos entrevistados, uma vez que o documentário pode escapar do intuito original do documentarista, dependendo muito mais do quanto estas pessoas se sentirão ou não à vontade em frente à câmera. Nitidamente, alguns se sentiam mais confortáveis que outros.

Mas, com certeza, o documentário se preocupou em apresentar contrapontos, a exemplo da fala de Isaias Souza Lima e Carlos Alberto Mandu da Silva, um mais e o outro menos crítico em relação às perguntas feitas sobre a cultura blumenauense.

Separada por temáticas, a obra fílmica expõe as motivações, a questão da saudade do local de origem, os pontos positivos e negativos de morar em Blumenau e a recepção obtida ao chegarem na região. As respostas das sete pessoas entrevistadas diferem. Suas interpretações são peculiares. A construção narrativa tem o mérito de propiciar algo diverso do que geralmente se espera dos imigrantes, a maioria da região Nordeste do Brasil, uma do Norte e um da República Democrática do Congo.

A pluralidade representada na tela nos coloca em perspectiva, inclusive, com uma questão referente às generalizações que ouvimos e fazemos por aí. Se é ruim ouvir, enquanto blumenauense, certas generalizações sobre a região Sul, por que estas mesmas pessoas tornam as banalizações aceitáveis quando se trata de nordestinos e nortistas? Não seja preconceituoso por conta do seu desconhecimento de Brasil.

Se, assim como disse o historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr., o nordeste é uma invenção, ou seja, uma metanarrativa que engloba várias experiências, singularidades e subjetividades distintas em uma única trama, o mesmo pode ser dito da ideia de sul, também uma grande invenção.

Temos, portanto, uma obra fílmica blumenauense, universitária, fruto do trabalho coletivo e interdisciplinar dos cursos de História e Jornalismo, uma interdisciplinaridade que fez diferença no resultado. Claro que a obra tem limitações, muitas vezes por situações que acontecem na feitura de um filme documentário e que fogem das possibilidades dos próprios organizadores, por diversos motivos.

Alguns problemas técnicos percebidos com o som, limitações de locação ou de uma maior contextualização da vida destes personagens em nada desmerecem a potencialidade do documentário, que está justamente na força dos depoimentos colhidos.

Sabendo que o vale do Itajaí é composto por muitas narrativas, muito além das migrações alemães e italianas, considero que Sete Vozes – migrantes no Vale deveria ser assistido por todo blumenauense, além de qualquer um interessado nos debates migratórios. Para assistir, acesse o link.

 

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