Por que os historiadores estão falando tanto da nova série Netflix “Barbaren”?
A nova produção alemã Barbaren, que estreou no último dia 23, na Netflix, está sendo bastante comentada entre os historiadores. A narrativa aborda a famosa batalha da floresta de Teutoburgo, situada no que hoje é a Alemanha, em um episódio que envolveu as tribos germânicas e o exército romano no ano 9 da Era Comum. De maneira geral, a série, com apenas 6 episódios, é suficientemente cativante para que se queira maratonar. Com […]
A nova produção alemã Barbaren, que estreou no último dia 23, na Netflix, está sendo bastante comentada entre os historiadores. A narrativa aborda a famosa batalha da floresta de Teutoburgo, situada no que hoje é a Alemanha, em um episódio que envolveu as tribos germânicas e o exército romano no ano 9 da Era Comum.
De maneira geral, a série, com apenas 6 episódios, é suficientemente cativante para que se queira maratonar. Com muito espaço para a ação e bons ganchos entre os episódios, narrativamente a série é perpassada por cenas de romance, traições, surpresas, sentimento de união, juntamente com boas atuações e ótimos figurinos e cenários (muito condizentes à época), dentro de um fio condutor que nos leva para um último episódio espetacular.
O que chamou, então, tanto a atenção dos historiadores, afinal? Algumas críticas à série mencionam como ela recria fielmente a batalha entre romanos e germânicos. Isso seria impossível, nenhuma série ou filme consegue recriar o passado “fielmente” – nem os historiadores conseguiriam tal proeza. O que se propõe são representações, cada uma a sua maneira.
Não foi por esse motivo, portanto, que os historiadores a seguem comentando. Um dos motivos se deve ao uso da cultura material ser bem trabalhada, presente principalmente nas cenas da tribo germânica dos Queruscos. Além dos simbolismos importantes para os povos germânicos, como a figura do Ragnarok (a partir do lobo), ainda que alguns apontarão que se trata de uma característica literária posterior.
A cereja do bolo, porém, está no fato de a série ser falada em alemão e latim. Para quem está acostumado a ver representações do período sendo, normalmente, faladas em inglês (devido ao monopólio da língua), é extremamente significativo a representação dos povos germânicos na sua língua materna (ainda que seja o alemão contemporâneo), e dos romanos em latim, um latim muito bem falado, por sinal, pensado a partir da pronúncia restaurada, que é a ensinada nas escolas e universidades alemãs.
Há mais coisas que podem ser observadas na série, no entanto. Estudiosos mencionam que a homogeneização dos povos germânicos, de forma um tanto romantizada, é, na verdade, um projeto crescente que anda de mãos dadas com ideias nacionalistas modernas. Na série, podemos observar essas questões na figura de Arminius como herói nacional.
Na arte em geral, podemos trazer inúmeros outros exemplos desses processos de mitificação. Desde a reapropriação nazista das óperas wagnerianas, até o épico alemão Canção dos Nibelungos. Do qual Os Nibelungos – A Morte de Siegfried, filme de 1924, é um desdobramento audiovisual do poema.
Diferente de outras obras audiovisuais sobre o tema, e apesar dessa tentativa de construção de unidade, Barbaren também abre espaço para pensarmos o plural. Nem todos os germânicos acreditavam nos deuses. Quando acreditavam e faziam suas ofertas, não atuavam da mesma forma, visto que se tratava de centenas de tribos. De igual forma, não devemos colocar os romanos em um bloco único engessado quanto aos seus objetivos. Como vemos na série, as confluências entre culturas e idiomas existiam e havia, inclusive, traições dos dois lados.
É claro que, ainda que existam pontos positivos, Barbaren apresenta uma série de problemas do ponto de vista dos germanistas e escandinavistas. Apesar disso, o que importa, de fato, é superar a antiga discussão de que: “a série mostra X”, “quando na verdade ocorreu Y”.
Importa atentar-se menos para factualidades, e mais para as propostas audiovisuais em torno de aspectos como contexto, consumo, representação, narrativa, recepção, dentre outras possibilidades. Sempre menciono aqui que as obras audiovisuais não estão à mercê dos historiadores. As obras audiovisuais lançam teses e debates, e aprender mais sobre como se dá a relação entre Cinema e História é um exercício bastante frutífero para todos. Por conta disso, recomendo fortemente a série.