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“Por que o Brasil não ganha um Oscar?”

Colunista comenta sobre vários momentos em que o país bateu na trave e ficou sem levar a estatueta

Quando se trata de receber um prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, o Brasil “quase chegou lá” algumas vezes. Dentro das reais chances brasileiras de disputar uma estatueta, a última delas ocorreu este ano, durante a 92ª cerimônia do Oscar.

“Democracia em Vertigem”, o filme da mineira Petra Costa, concorreu na categoria de Melhor Documentário (comentei sobre na coluna da semana passada). Na história do Oscar, o Brasil está envolvido em uma série de “contratempos”, que fazem com que as premiações já recebidas não sejam 100% nacionais, ainda que, em alguma medida, estejam voltadas ao nosso contexto ou contenham brasileiros envolvidos na produção.

Exemplo disso ocorreu em 1960, quando o filme “Orfeu do Carnaval” levou a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro. Ainda que tenha sido filmado em solo brasileiro, com protagonista brasileiro (o ator Breno Mello), com roteiro adaptado a partir da peça teatral “Orfeu da Conceição”, de Vinícius de Moraes, e trilha sonora de Tom Jobim e Luís Bonfá, o filme estava representando a França.

Apesar das brasilidades em “Orfeu do Carnaval”, estudiosos consideram somente “O pagador de promessas”, dirigido por Anselmo Duarte (1920-2009), como o filme-marco do Brasil no Oscar. Concorremos com ele em 1963, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Um ano antes, “O pagador de promessas”, considerado como um dos melhores filmes nacionais de todos os tempos, conquistou a Palma de Ouro do Festival de Cannes, o prêmio de maior prestígio neste importante festival, sendo o único filme brasileiro a conseguir tal reconhecimento até hoje.

Divulgação

De lá para cá, voltamos ao Oscar em 1996, com “O Quatrilho”, filme de Fábio Barreto, com produção 100% nacional, indicado para Melhor Filme Estrangeiro. Dois anos depois, era a vez de “O Que É Isso, Companheiro?”, concorrendo na mesma categoria.

Fechamos a década de 1990 com “Central do Brasil” em 1999, ano que contou com uma indicação inédita de Melhor Atriz para Fernanda Montenegro, a primeira atriz latino-americana a figurar na categoria. Um ano difícil para o Brasil, que perdeu para “A vida é bela”.

Fomos indicados em 2001 para melhor curta-metragem em live-action (que conta com atores de verdade, e não animação) com “Uma história de futebol”. Em 2004, o nosso maior destaque foi para “Cidade de Deus”, filme que não concorreu na categoria de melhor filme estrangeiro, mas que foi indicado em outras quatro categorias: Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia e Melhor Edição. Não fomos vencedores, mas a obra de Fernando Meirelles recebeu enorme prestígio naquele ano, sendo um dos favoritos de vários artistas, incluindo Madonna.

Na década de 2010, duas coproduções brasileiras documentais, que trazem a narrativa de vida de artistas brasileiros, concorreram como Melhor Documentário: “Lixo Extraordinário” (sobre o artista plástico Vik Muniz), e “O Sal da Terra”  (sobre o fotógrafo Sebastião Salgado).

Em 2016, concorremos na categoria de melhor animação com “Menino e o mundo”, mas fomos desbancados pela animação da Disney “Divertida mente”.
Claramente, temos potencial para ganhar um Oscar. O cinema brasileiro é plural, criativo, e sobrevive, apesar das inúmeras sabotagens e paralisações que os artistas estão sofrendo para produzir audiovisual no país, atualmente são mais de 400 projetos de filmes e séries parados.

A questão é compreender, desse modo, o porquê de nunca chegarmos lá. E compreender também se é certo valorizar tanto um festival estadunidense em detrimento de outros, nos quais somos mais reconhecidos.

Dentro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, existe cerca de 8 mil votantes. Estas pessoas, responsáveis por escolherem os filmes vencedores do Oscar, são profissionais da área do cinema. Em 2016, os membros da Academia eram 93% brancos e 76% homens.

Após várias críticas, buscou-se incluir mais mulheres e membros de minorias étnicas, mas, ainda hoje, a Academia continua predominantemente masculina (68%) e branca (84%). Este quadro pode nos ajudar a entender os motivos pelos quais o Brasil ainda não ganhou um Oscar (Para quem quer se aprofundar, escrevi em 2015 um artigo em coautoria sobre o assunto, analisando o perfil dos vencedores do Oscar de melhor filme estrangeiro).

Em geral, para ganhar como melhor filme estrangeiro, filmes com temáticas universais, com consenso de crítica e bilheteria, que evitem regionalismos, religiosidade e fatores culturais muito específicos são os que mais têm chance de agradar à Academia.

Na análise que me propus, a presença de crianças e idosos, que tendem a emocionar o espectador e carregar, de certo modo, um caráter internacionalizado, estão sempre entre os favoritos. Em 2020, para a surpresa de muitos, tivemos um Oscar histórico com “Parasita”, de Bong Joon-ho, vencedor na categoria de melhor filme, tornando-se o primeiro longa não falado em inglês a ganhar a estatueta. Isso reforça uma sinalização e mudança em Hollywood, uma vez que sua principal categoria contemplou um filme estrangeiro em língua coreana.

Em 2019, “Bacurau” e “A vida Invisível” receberam prêmios importantes no Festival de Cannes. Na história do festival, além do já mencionado “O Pagador de Promessas”, vencedor da Palma de Ouro em 1962, Glauber Rocha foi premiado como melhor diretor com “O dragão da maldade contra o santo guerreiro”, em 1969, e em outros anos, Fernanda Torres e Sandra Corvelone venceram o prêmio de interpretação feminina.

Em 2020, estamos com número recorde de filmes selecionados para disputar o Urso de Ouro em Berlim (são 19 filmes brasileiros, entre produções e coproduções). A boa safra, ironicamente, funciona como uma reação em cadeia dado o atual desmonte do cinema. A lição que fica é a de nos atentarmos para a diversidade de temas e festivais, inclusive latino-americanos, e não julgar que o fato de não ganhar uma estatueta do Oscar signifique falta de qualidade.