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“Quando assistimos uma obra cinematográfica, é importante saber nosso papel ativo nesta vinculação”

Colunista comenta sobre a função do espectador não como um mero receptor das informações recebidas

Como se tornar um espectador emancipado

Temos visto as pessoas utilizando o tempo ocioso que a quarentena proporciona com atividades de todo tipo. Algumas aproveitam para se exercitar, se alongar, fazer yoga, meditação, outras buscam dar conta de uma lista enorme de livros que sempre quiseram ler. Há quem invente receitas novas e há, também, quem deseje assistir e conhecer mais sobre filmes e cinematografias nacionais.

O ato de assistir a um filme nos coloca, então, na posição de espectador. Espectador (a) tende a ser atribuído àquele (a) que se relaciona com os dispositivos e meios artísticos e midiáticos. Para além do cinema e da TV, espectar também existe na apreciação das artes cênicas, música, esporte e espaços arquitetônicos.

Ao considerarmos a realidade, opinião e particularidades de cada sujeito espectador, a relação deste com aquele espetáculo ou performance altera-se. Refletindo acerca da experiência espectatorial, o filósofo francês Jacques Rancière nos traz o conceito de “espectador emancipado”. Um espectador precisaria, antes de tudo, compreender a importância do seu lugar na relação obra-artista-recepção.

Quando assistimos a uma obra cinematográfica, por exemplo, é importante ter em mente nosso papel ativo nesta vinculação. É preciso ir contra a hierarquia de saberes entre quem produz e quem recebe, que prioriza a condição de ignorante e incapacitada da audiência. Em outras palavras, devemos assumir uma postura ativa, crítica e não-nivelada diante do dispositivo audiovisual.

Mas, afinal, o que nos torna um espectador emancipado? Para Rancière, “O espectador também age, tal como o aluno ou o intelectual. Ele observa, seleciona, compara, interpreta. Relaciona o que vê com muitas outras coisas que viu em outras cenas, em outros tipos de lugares”.

Após superarmos a visão reducionista de perpetuação da mestria, compreendemos nosso lugar fundamental enquanto sujeitos espectadores. Por meio da nossa experiência cinematográfica, ação de onde advém nosso saber, por meio de tudo aquilo que já presenciamos, nossa leitura da obra se intensifica e, com isso, somos capazes de fornecer riquíssimas impressões diante da experiência vivenciada.

A pessoa afetada pela obra vai, justamente, buscar informações sobre a produção, diagnosticar e trazer suas próprias análises, observar os discursos possíveis, participar de cineclubes, estabelecer pontes, ler críticas, se posicionar diante da experiência, conversar com outras pessoas, refletir sobre suas percepções e sensações. A auto-formação do espectador emancipado reside, portanto, no prazer do aprendizado, na partilha do sensível e na relação horizontal com as obras fílmicas.