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“Dragar nossos rios sem programa de conservação dos solos é enxugar gelo com dinheiro público”

Para não enxugar gelo na prevenção de enchentes

Volto hoje a um assunto que precisa ser repetido à exaustão. No velho livro de Geologia Geral, edição de 1968, que usei na faculdade há 50 anos, consta uma tabelinha que deveria ser do conhecimento de todos. Ela mostra como a erosão dos solos é quase zero em ambientes naturais e como ela aumenta de forma impressionante com as atividades humanas.

Os dados são em quilos por hectare por ano, lembrando que um hectare corresponde a uma área de 100 por 100 metros ou 10 mil metros quadrados, ou, na famosa comparação, área equivalente a um campo de futebol dos grandes, incluindo as laterais desse campo.

Mata nativa – erosão de 4 kg/ha/ano;
Mata explorada – 220 quilos, 55 vezes mais;
Pastagem – 700 quilos, 175 vezes mais;
Cafezal – 1.100 quilos, 275 vezes mais;
Algodoal – 38.000 quilos, 9.500 vezes mais, comparado com o que as chuvas conseguem arrancar do solo numa área de mata nativa.

Sabemos que é impossível voltarmos a viver qual homem das cavernas em florestas nativas intocadas. Precisamos de habitações para morar, lavouras e plantios de inúmeros tipos de cultivo, pastagens, florestas de eucaliptos e pinus para produção de celulose e madeira, estradas, cidades, indústrias, aeroportos, vias navegáveis, enfim, tudo o que a vida moderna proporciona. Tudo isso implica eliminação de florestas e demais ambientes naturais e o gigantesco aumento da erosão dos solos de um modo geral.

Se não quisermos rios assoreados temos que diminuir o máximo possível essa erosão. Por exemplo, no velho livro de Geologia os autores observaram que “o valor alto para o algodoal deve ser motivado pela aração e pelas contínuas capinas que tornam o solo fofo e facilmente removível pelas chuvas.”

Não é necessário ser especialista no assunto para concluir que nossos solos continuam sofrendo violenta erosão. Basta olhar a cor e o desagradável aspecto fortemente barrento de nossos rios depois de qualquer chuva que nem precisa ser forte e nem precisa ser numa enchente. A cor barrenta nos informa que o rio transporta solo fértil em forma de lama (argilas, siltes), areia fina, areia grossa e mesmo pedregulhos e blocos maiores de rochas, dependendo da situação.

Um rio com o desagradável aspecto de lama pastosa como o Itajaí Açu, numa enchente de maior porte, transporta até mais de cinco toneladas de sedimentos, ou seja, material erodido dos solos urbanos e rurais, por segundo! No caso do rio Itajaí-mirim, embora nele a vazão nas enchentes seja menor, o volume de sedimentos carregados por metro cúbico de água é ainda maior, talvez um dos maiores do Brasil!

Em outras palavras, olhando para a correnteza numa enchente, podemos imaginar ali uma fileira interminável de caminhões basculantes carregados de barro e areia, passando sem parar, um atrás do outro, 24 horas por dia, enquanto a enchente durar.

Nos lugares em que a correnteza fica menos forte, o material começa a se depositar, causando assoreamento no leito e nas margens do rio. Chegando mais perto do mar, a deposição fica ainda mais intensa, como na bacia de evolução dos portos de Itajaí e Navegantes, obrigando a constantes, caríssimas e dispendiosas dragagens para manter a navegabilidade no local.

No recente e terrível episódio de enchentes, como sempre e quase só nessas horas, aparecem autoridades anunciando soluções milagrosas para evitar as próximas que virão, com certeza. A última solução anunciada foi a da dragagem dos nossos rios, visando com isso aumentar a seção de vazão dos mesmos e com isso evitar novas enchentes.

Poucos teriam a coragem de contestar uma obra desse tipo, num momento de comoção como o atual e os órgãos ambientais nem ousam dificultar o licenciamento. Mas uma coisa é certa: enquanto não aprendermos a conservar nossos solos, procurando diminuir ao máximo a erosão tanto urbana quanto rural, estaremos fazendo como se faz na bacia de evolução dos portos de Itajaí e Navegantes: dragagem eterna, contínua e caríssima.

Simplesmente dragar nossos rios sem um efetivo programa de conservação dos solos, evitando que na próxima enchente esses mesmos rios voltem a ficar assoreados e tudo voltar a ficar como d’antes, equivale a não fazer a coisa certa. É enxugar gelo com o dinheiro público.

Quanto mais exposto o solo, maior a erosão e mais intenso é o assoreamento dos nossos rios, o que tende a anular a eficácia das dragagens. Essa novela não é de hoje, como mostra essa foto de L. E. Bacca em São João Batista – SC, em 25/12/1974.


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