“Clubes de Caça e Tiro”
Toda vez que eu ouvia o último ex-presidente falar de CACs – colecionadores, atiradores e caçadores, eu sentia um arrepio, devido a certa leviandade com que a referência a caçadores saia da boca dele.
Com o atual presidente, a questão ambiental melhorou bastante, mas, ao falar de CACs, ficou tudo na mesma, uma nova decepção. Se vivemos num país em que a prática a caça é bem restritiva, como pode um presidente se referir a caçadores como a coisa mais normal do mundo? E o que esperar das demais autoridades? Do povo?
Em pleno século 21, quando ainda tem gente que sente prazer em matar covardemente indefesos animais da fauna silvestre, será que custaria aos presidentes levantarem o dedo indicador para cima em sinal de alerta e acrescentar, após a palavra caçadores, “mas, dentro do que permite a lei?”
O tiroteio implacável contra a fauna silvestre brasileira já tem 523 anos. Antes eram só flechadas, ato menos covarde do que as caçadas atuais, quem envolvem todo um aparato de segurança, botas protetoras, uso de modernos rifles com mira telescópica, uso de cachorros treinados e acesso às áreas de caça em potentes camionetes com ar-condicionado.
Com bem menos tempo de massacre que em grande parte do Brasil, aqui na região dos vales, a matança de fauna ocorre há apenas uns 170 anos, no máximo. Mesmo nesse relativo pouco tempo a espingarda deu o tiro de misericórdia no que sobreviveu de fauna ao avassalador desmatamento, poluição, drenagens de brejos, aterros, construções de cidades e estradas e outros impactos.
Como resultado, atualmente, não temos mais nem quatro por cento da fauna nativa original que aqui foi encontrada pelo Dr. Blumenau ou por von Schneeburg em Brusque ou pelos pioneiros de Joinville ou Jaraguá do Sul.
A caça sempre foi praticada em nosso país. Como não cessou depois que deixou de ser uma quase necessidade do início da colonização, podemos dizer que passou a se constituir em mais um infeliz e condenável massacre do que ato de sobrevivência ou “esporte”. “Esporte” entre aspas, bem entendido, como tentam qualificar alguns.
A forte tradição de caça de nossa região resultou, já nos primórdios da colonização, na formação dos tradicionais clubes de caça e tiro – os Schützenverein, como por muitas décadas eram chamados pelos imigrantes alemães e seus teuto-descendentes e demais etnias que por aqui aportaram.
Claro que, originalmente e por cerca de um século, os membros dos Clubes de Caça e Tiro realmente atuaram fortemente na prática da caça. Sabemos que atualmente, atirar em bichos silvestres está dissociado das atividades de atuação desses Clubes, pelo menos oficialmente. Extra oficialmente é bem possível que existam infelizes e lamentáveis exceções (e queremos crer que sejam de fato raras exceções) que devem ser firmemente coibidas no seio de todas essas entidades associativas e recreativas.
De uns tempos para cá tenho percebido certo preconceito e narrativas anti-clubes de Caça e Tiro por parte de algumas pessoas que não são daqui da região. Para essas pessoas, esses clubes continuam fortemente associados à criminosa prática da dizimação de nossa fauna silvestre, havendo até quem pregue, devido a essa percepção equivocada, a proibição ou extinção dessas tradicionais agremiações.
A injusta associação desses clubes com a dizimação contemporânea da fauna nativa começa agora a ecoar até nos bastidores do Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente, órgão máximo ambiental do país e corre o risco de ser levado à discussão oficial tanto no Conama como nos demais órgãos ambientais brasileiros.
Eu mesmo ouvi recentemente esse tipo de opinião em rodas de conversa informais nos intervalos da última reunião do Conama, em Brasília e fiquei preocupado com a imagem distorcida que certas pessoas têm dos nossos Clubes de Caça e Tiro.
Para quem não conhece a realidade atual desses tradicionais clubes é como se eles ainda servissem de reduto e local de estímulo para dizimadores de nossa fauna. Valeria a pena, portanto, os Clubes de Caça e Tiro se empenharem em reverter essa falsa imagem antes que ela se amplie e prejudique a boa reputação dos mesmos junto à sociedade.
Que essas nossas peculiares entidades, tão ligadas às tradições de nossa terra, se antecipem antes que o zum-zum cresça e comecem a difundir a verdade, ou seja, que de caça, só restam os nomes nesses clubes, pelo menos, espero, na quase totalidade deles.
Se houver exceções, ou seja, clubes onde ainda se fala em caça como se fosse a coisa mais normal e desregrada do mundo, cabe às respectivas diretorias as providências para que tal não mais aconteça.
Para o bem e garantia de futuro das tradições seria muito oportuno, portanto, que nossos valorosos e tradicionais Clubes de Caça e Tiro comecem a vender o quanto antes não apenas a imagem de que a prática da caça ficou só no nome, mas, também, que adotem programas de atuação nos esforços contemporâneos de preservação, com posturas e ações concretas voltadas à sustentabilidade e à conservação da natureza, especialmente proteção à fauna nativa, numa espécie de adaptação à realidade dos novos tempos e antítese ao que era praticado lá no início de suas atividades, há mais de um século e meio.
Muito pode ser feito com relativos poucos recursos e o resultado será mais um grande exemplo regional para o país. Com as exceções previstas em lei, na pesquisa científica e no regramento, em pleno século 21, caça, sim, mas, só no nome. E vivam os clubes de caça e tiro de nossa região!