“É muito bom ser lembrado pela profissão”; conheça história do sapateiro da Ângelo Dias, com mais de quatro décadas de atuação

José Pereira possui a sapataria na rua Ângelo Dias há 22 anos

José Pereira, conhecido na cidade por ser “o sapateiro da rua Ângelo Dias”, tem 69 anos de idade e 44 de profissão. Nascido em Canelinha, no Vale do Rio Tijucas, ele começou a aprender como consertar sapatos em 1973, quando se mudou para Blumenau.

Na rua Ângelo Dias, localizada no Centro da cidade, José tem a sapataria há 22 anos. O interesse pela profissão vem de família, já que o irmão também é sapateiro. Inclusive, foi na sapataria dele, na rua Floriano Peixoto, que José começou a aprender os segredos do ramo.

“Eu trabalhava na Hering no segundo turno e durante a manhã não tinha nada para fazer. Eu ficava lá para passar o tempo. Um dia eles me perguntaram se eu queria aprender e eu respondi que sim, porque sou curioso”, comenta o sapateiro.

De acordo com José, naquela época se confeccionavam muito calçados, então ele aprendeu primeiro a fazer o calçado, para depois começar a entender como realizar o acabamento.

Sapataria  Ângelo Dias. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

História em Blumenau

José já morou em outros estados do Brasil, como Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto, ele conta que permaneceu em Blumenau pela facilidade de conseguir trabalho.

“Permaneci aqui pois tinha muita facilidade de arrumar trabalho. Na época a gente chegava aqui num dia e no outro já estava trabalhando”, lembra o sapateiro.

Após morar em outros lugares, José voltou para Blumenau e começou a trabalhar com calçados ortopédicos. Ele permaneceu na área por muitos anos. Ao ser questionado sobre o motivo que o fez deixar o trabalho, José brinca: “cada vez que queria ganhar um aumento precisava pedir a conta”.

Posteriormente, ele trabalhou em algumas indústrias da cidade, mas nunca deixou a profissão de sapateiro de lado, visto que sempre a exercia no contra-turno, seja na sapataria do irmão, ou ajudando na empresa de calçados ortopédicos. Até que, em 1982, José comprou uma sapataria.

Sapataria Ângelo Dias. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

O sapateiro

Quando questionado sobre o que mais gosta na profissão, o sapateiro afirma ser a liberdade de poder fazer o seu próprio horário.

“Gosto da profissão, não tenho patrão então faço meu próprio horário. Muitas vezes trabalhamos mais que se fossemos empregados, mas, por exemplo, nas sextas-feiras meus clientes sabem que eu fecho a sapataria às 13h30 e vou para a praia. Gosto de ter essa liberdade”, explica o profissional.

José conta que abre a sapataria às 7h30, às 11h15 sai para almoçar e logo já volta ao trabalho. O sapateiro afirma gostar de trabalhar no local porque conversa com muitas pessoas e é reconhecido pela população.

“Eu gosto do bate-papo, das pessoas que passam por aqui e me conhecem. É muito bom ser lembrado pela profissão. Geralmente quando saio, seja aqui ou na praia, sempre tem alguém que me reconhece e fala ‘olha, o sapateiro’, de repente eu nem lembro quem é, mas eles lembram”, comenta José.

Sapataria Ângelo Dias. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Mudanças na profissão

De acordo com José, quando ele abriu a sapataria em janeiro de 1982, o calçado masculino era muito diferente do que atualmente. Na época, a clientela do sapateiro era 50% masculina e 50% feminina. Já nos dias de hoje, de acordo com ele, aproximadamente 90% da clientela são mulheres.

O sapateiro explica que isso se dá porque o material dos sapatos feminino é mais frágil e, geralmente, a cola vence mais rápido: “Quanto mais se usa o calçado, mais ele dura. As mulheres geralmente possuem mais sapatos que os homens, então quando decidem usar um par que não vestiam há muito tempo, a probabilidade de a cola desgrudar é maior”.

José, com seu jeito descontraído, brinca com a situação: “Então eu aconselho que o pessoal use pouco os sapatos, para eu ter mais serviço”.

Sapataria Ângelo Dias. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Ele também diz que atualmente está mais complicado para trabalhar porque é preciso acompanhar a evolução do mercado, afinal, existem diferentes tipos de cola específicas para cada material e não somente a chamada “cola tradicional de sapateiro”.

“Tem alguns profissionais que usam o mesmo tipo de cola para todos os sapatos, mas não vai ficar bom porque cada material tem uma necessidade específica. Já trabalhei com muitas coisas, mas o que eu decido fazer, eu procuro aprender e fazer direito”, explica ele.

José comenta também que a melhor época para ele, em termos de quantidade de trabalho e de clientes é o inverno. Quando questionado se a profissão ainda é lucrativa, ele afirma que sim e diz: “Se não fosse eu já teria parado”.

O que faz um sapateiro?

Durante tantos anos de profissão e atendimento ao público, José conta que já presenciou diversas situações engraçadas e afirma que a população atualmente não está muito atenta às coisas e costumam perguntar demais. “Chega gente aqui perguntando se coloco taquinho e se costuro sapato. No final do dia você acaba se irritando”, comenta ele.

O sapateiro conta que um dia estava trabalhando e em cima da mesa tinham vários taquinhos para serem colados nos calçados. Em determinado momento, duas mulheres chegaram na sapataria.

“Elas chegaram aqui e me perguntaram se eu colocava borrachinha no salto, era exatamente o que eu estava fazendo, então respondi: ‘olha, moça, na verdade, esse serviço eu terceirizei com a farmácia aqui do lado, eles estão colocando taquinhos para mim e eu estou vendendo remédios para eles”, compartilha o sapateiro, aos risos.

“Passou uma hora mais ou menos, tive que ir à farmácia e uma mulher que trabalhava ali muitos anos disse ‘Zé, que história é essa de mandar as clientes aqui para colocar taquinhos?’, não acreditei que elas realmente levaram isso a sério, eu estava colando os taquinhos na frente delas”, lembra José.

Sapataria Ângelo Dias. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Valorização do trabalho

De acordo com o sapateiro, o valor dos materiais utilizados para realizar o trabalho aumentou muito, por conta da maioria serem derivados de petróleo.

José diz se revoltar com a desvalorização das pessoas em relação ao trabalho que realiza: “Tem gente que não dá valor, mas o nosso trabalho é um trabalho artesanal, que requer paciência, tempo e reflexão. Alguns querem que a gente trabalhe de graça, mas somos obrigados a ganhar para sobreviver”.

Ele afirma saber muitos segredos de como consertar sapatos, por isso, preza pela sinceridade com os clientes. “Tudo que eu me proponho a realizar tento fazer da melhor maneira possível, mas tem coisas que não vale a pena arrumar, vou ter que cobrar quase o valor que a pessoa pagou no produto para compensar a mão de obra”, explica.

Sapataria Ângelo Dias. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Dificuldades

Em 2008, durante as cheias, José perdeu a casa onde morava. Segundo ele, a residência estava situada em um local livre de enchente, mas tinha um barranco longe da casa que desmoronou e destruiu várias residências da região.

Na mesma época, ele teve que jogar no lixo todos os sapatos que tinha para consertar, pois havia entrado lama na sapataria. No entanto, 2008 não foi a primeira vez que as chuvas prejudicaram o trabalho do sapateiro. Durante a enchente de 1983, a antiga sapataria de José também foi atingida e a quantidade de água foi o suficiente para acabar com os calçados. Porém, ele afirma que em épocas assim ninguém procura pelos calçados, então o prejuízo não foi muito grande.

Contudo, ainda em 2008, outro problema aconteceu. De acordo com José, a água atingiu sua lixadeira, equipamento muito utilizado para o trabalho. Sendo assim, ele decidiu fechar o estabelecimento até a lixadeira voltar do conserto. Quando retornou ao local alguns dias depois, a sapataria estava arrombada e os calçados que estavam ali para serem consertados não estavam mais.

José conta que depois do primeiro acontecimento a sapataria ainda foi furtada outras seis vezes pela mesma pessoa. “Eu tinha o hábito de guardar moedas e quando enchia o cofrinho eu as trocava. Em determinado dia eu esqueci de levar o vidro para a casa e deixei aqui na sapataria. Aquele dia ele encontrou o vidro, desde então pensou que teria dinheiro todos os dias e começou a me roubar sempre”.

Segundo ele, a maioria dos clientes entendeu a situação e apenas duas moças pediram para que ele indenizasse o valor dos calçados levados.


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