Indígenas preservam, mas há controvérsias.
Escrevo estas linhas no Dia Internacional de Combate à Islamofobia, 15 de março. Infelizmente, há pessoas preconceituosas que generalizam, como se todo islâmico fosse fundamentalista religioso, quando se sabe que a esmagadora maioria dos membros dessa religião está longe de sê-lo. Da mesma forma que médico não é sinônimo automático de ética, professor não é sinônimo automático de compromisso com a verdade e nem clérigo é sinônimo automático de vida pura ou santidade, indígena também não é sinônimo automático de preservação da natureza.
Nas grandes reservas indígenas com densidade populacional baixa, principalmente na Amazônia, segundo indicam muitos estudos, a preservação da natureza acontece de forma muito mais eficiente do que na maioria das áreas sob outras formas de manejo, principalmente as áreas da sociedade não indígena. Mas daí para o mito de que indígena é sinônimo automático de preservação, a inverdade chega a ser tão grande quanto o mito de que islâmico seja sinônimo de fundamentalista ou terrorista.
Conheço a Terra Indígena Laklaño-Xokleng desde criança. Depois, enquanto cursava o ensino superior na Universidade de Blumenau (Furb), fiz estágio de arqueologia de salvamento, orientado pelo precocemente falecido Dr. Alroino Baltazar Eble, da UFSC. Dormíamos na casa-sede, entre os rios Itajaí Norte e Plate, quando a área era conhecida como Reserva Indígena de Ibirama, já que o município de José Boiteux ainda não existia.
Muitos anos depois, já formado e mais amadurecido na visão de mundo, descendo de Rio do Sul, dei carona a um indígena, de Ibirama a Blumenau. Tivemos tempo para uma longa conversa. Depois de muitas perguntas que dirigi ao indígena, cujo nome infelizmente esqueci, cheguei à conclusão de que havia mais fauna cinegética preservada junto ao Centro de Blumenau do que na mencionada reserva.
Há uns 15 anos, correu a notícia de que um cacique dessa mesma Terra Indígena, em Santa Catarina, havia caçado uma anta fora da reserva. Não seria problema nenhum, se não se tratasse de uma das últimas antas existentes na região. Em 23 de junho de 2023, a imprensa nacional divulgou a denúncia de que alguns caciques do Xingu estariam coniventes com desmatamentos, fato que, espera-se, seja exceção.
Há cerca de 10 anos, um ex-aluno que estagiava em Mato Grosso viu passar, no rio Teles Pires, uma canoa de alumínio e motor de popa abarrotada de macacos mortos, conduzida por indígenas. Numa recente reunião em Brasília, lideranças indígenas lotaram o auditório do Ibama, quase todos usando cocares de penas amarelas, obtidas, conforme cálculos, de cerca de 200 ararajubas, uma ave ameaçada de extinção, da família dos papagaios e araras.
Há poucos anos, passando defronte à Reserva Biológica Estadual do Sassafrás, em Doutor Pedrinho, junto com três colegas da Acaprena, vimos, desolados, a antiga e boa casa do zelador da reserva, Sr. José, destruída e queimada pelos indígenas da Terra Indígena Laklaño-Xokleng, bem como outra edificação defronte à casa. Paramos e, dois de nós, adentramos a reserva a pé por cerca de um quilômetro, apesar dos protestos de um indígena morador fronteiriço que não queria permitir nossa entrada. Argumentamos que não se tratava de Terra Indígena e entramos.
Logo nas primeiras centenas de metros da trilha, vimos vários troncos de xaxins-monos recém-cortados, da espécie Dicksonia sellowiana, oficialmente considerada ameaçada de extinção, alguns com quase 40 centímetros de diâmetro. Logo adiante, no fundo de um pequeno vale à nossa esquerda, ouvimos golpes de instrumento manual que poderia ser uma foice ou facão, sinal de que os cortes também aconteciam no dia e no momento em que estávamos lá.
De volta ao carro e à estrada, 1,5 quilômetro adiante, ainda no alto da serra, seguindo em direção a Doutor Pedrinho, na região conhecida como Aldeia Bugio, área ocupada pelos indígenas, havia um mostruário para comercialização de rostos humanos e outras figuras esculpidas na mesma espécie de xaxim ameaçado de extinção que vimos cortado dentro da reserva biológica.
Numa reserva biológica, não se pode cortar nada, muito menos comercializar produtos dela extraídos. No caso de espécies ameaçadas, até mesmo no interior de propriedades privadas, o corte é proibido, salvo exceções, sob rigoroso controle das autoridades ambientais. Tripla contravenção, neste caso por nós testemunhada, ao que tudo indica, perpetrada por indígenas.
A mídia, de vez em quando, divulga casos de crimes cometidos em um consultório, mas isso não torna toda a classe médica suspeita. Por outro lado, ninguém, com o mínimo de bom senso, vai acreditar que todos os médicos sejam honestos e éticos. Ou que basta ser padre, pastor ou outro tipo de clérigo para ser considerado “santo” aqui na Terra. Na outra ponta, a divulgação de crimes cometidos por clérigos não permite que ninguém os generalize como ladrões, corruptos ou abusadores sexuais. Isso seria um mito. Da mesma forma, embora sem generalizar, é um mito acreditar que indígena seja sinônimo automático de preservação total da natureza.
Inúmeras tribos e aldeias já contatadas ao longo do tempo adquiriram hábitos e comportamentos dos ditos “civilizados”, como, por exemplo: uso de ferramentas como facões e utensílios agrícolas; caça facilitada por armas de fogo e por cães treinados para caça – novidades que antes não existiam para os povos originários; energia elétrica e uso de eletrodomésticos; abertura de estradas; uso de veículos, barcos a motor velozes e até aviões. Muitas tribos recebem turistas e visitantes, que provam da alimentação indígena, incluindo carne de caça, o que implica automaticamente em um significativo aumento da pressão de caça e assim por diante.
Impõe-se, então, uma imperiosa necessidade de regramentos diferentes daqueles que norteavam a outrora relativamente eficiente relação original dos povos originários com a natureza, ao mesmo tempo em que a sociedade não indígena precisa aprender muito com eles.
Isso é fundamental para que a atual e as futuras gerações, de todos os povos e etnias, possam continuar desfrutando de um meio ambiente minimamente saudável e equilibrado, com eficaz proteção da peça mais importante e central de todas as complexas relações do homem com a natureza: a proteção da biodiversidade.
Nos primeiros anos de existência, a Acaprena, primeira entidade ambientalista de Santa Catarina, estimulada pelos grandes botânicos Roberto Miguel Klein e Padre Raulino Reitz, promoveu a criação da árvore-símbolo e da flor-símbolo estadual. A árvore mais característica de Santa Catarina é a araucária, mas não pegava bem escolher uma espécie que, na época, era conhecida como “pinheiro-do-Paraná”, nome do estado vizinho. Foi, então, escolhida a imbuia (Ocotea porosa), como a desta imagem obtida na Serra do Bonsucesso, município de Doutor Pedrinho, para onde seguimos na difícil busca por imagens da espécie, que já estava se tornando rara, ciceroneados pelo saudoso Sr. Agostinho Beckhauser, grande conhecedor da região. Foto: Lauro E. Bacca, em 11 de agosto de 1974.
Veja agora mesmo!
Casarão de neto do “Rei do Café” integra arquitetura única à natureza de Blumenau: