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“Ele só agradecia por ter nascido de novo”

Ademir planejava visitar os filhos e celebrar a vida com os bombeiros que o resgataram do desmoronamento

“Impossível de acreditar”. É assim que a família de Ademir José Ferreira descreve o acontecimento inesperado dessa madrugada. Após passar nove horas soterrado em um desmoronamento no fim de março, o sobrevivente de 41 anos teve uma parada cardíaca nas primeiras horas desta sexta-feira, 3.

Ademir será enterrado em Indaial, onde residia com a esposa, o irmão e a cunhada. O velório acontecerá no Cemitério Municipal da cidade e deve começar no início da tarde. O sepultamento será apenas no sábado, dia 4, às 16h. A família quer garantir que as duas irmãs dele, que moram no Paraná, cheguem a tempo para se despedir de Ademir.

Juliane Ferreira, sobrinha de Ademir, é uma das únicas familiares que mora na região, O restante da família continua na cidade de origem, em Roncador. Moradora de Brusque, ela não esperava ser acordada nesta madrugada com a notícia. Na manhã desta sexta, ela conversou com O Município Blumenau para contar sobre os últimos dias de vida do tio.

O Município Blumenau: Como foi a reação da família com a notícia?

Juliane Ferreira: Estamos todos em choque. Ele estava bem até a hora em que faleceu. A gente tava tão feliz. Eu passava informação para os familiares do Paraná, a minha mãe e tia em Roncador, as únicas irmãs dele. Ontem ele ficou o dia inteiro dizendo o nome da minha mãe. Eles não entendem como isso aconteceu, porque ele estava bem, estava andando. Conseguimos uma cadeira de rodas pra ele. Ele tava indo pra igreja dar testemunho.

Em um sábado ele estava na UTI, no sábado seguinte já foi pro quarto e no outro sábado já estava em casa. Um sábado depois já estava comendo o churrasco que ele queria, e agora ele morreu.

Quando meu telefone tocou, às 2h20, e vi o contato da minha tia, eu sabia que só poderia ser uma notícia ruim. Já atendi o telefone chorando, mas até agora não consegui acreditar. A linha entre ficar feliz pela recuperação dele, mas também preocupada, era muito tênue.

Meu tio estava preocupado, mas eu acalmava ele dizendo “fica tranquilo, porque tudo é muito pequeno perto do que aconteceu. Tudo é muito simples perto de ficar nove horas soterrado. Nós vamos vencer”.

Ele sempre confiou em Deus e encarou com coragem. Sabia que tudo tava escrito. Mas em momento algum ele disse “se eu tiver que morrer eu vou morrer”, ele só agradecia por ter nascido de novo.

Como o Ademir estava na noite passada? Como estava sendo a recuperação dele?

Como ele ficava em casa, ele não tinha mais rotina. Noite passada, a esposa dele levantou para ir ao banheiro enquanto ele mexia no celular. Ele pediu um gole de água, mas nada fora do normal.

Minha tia já passou por várias experiências traumáticas e perdeu muitas pessoas próximas, então quando ela viu ele respirar fundo e gemer de dor ela já chamou meu tio e os bombeiros chegaram em menos de dez minutos. Mas não deu tempo de nada.

Mas ele tava bem. Ele era o primeiro a dar bom dia no grupo, porque não tinha hora pra acordar. Ele tentava manter a família unida. Os irmãos ainda estão sem acreditar. Meu tio Airton diz que ontem ele estava nervoso. Olhava pro ferimento na coxa e balançava a cabeça.

Naquele dia [do acidente] ele dizia que estava muito firme. Ele conta que em momento algum estava preocupado, porque Deus falou com ele. Teve um momento em que ele achou que ninguém o encontraria, mas ele estava forte. Hoje não, ele foi pego de surpresa. Ele não teve tempo de resistir.

Como ele passou esses últimos dias?

Aconteceu muita coisa nesses 35 dias. Ele publicava no Facebook praticamente todos os dias fotos com os bombeiros. Visitar ele no hospital foi a coisa mais linda que poderiam ter feito para ele. O tenente Pamplona foi ver ele logo que pôde e levou todo mundo. Aquela visita foi o que fez meu tio melhorar ainda mais.

O delegado nem chegou a ouvir ele, porque hoje ele iria passar por outro procedimento médico. A data sempre era adiada. Meu tio ia pro hospital sem saber por qual procedimento ia passar. Ele nunca sabia o que iria acontecer.

Meu tio já sobreviveu a um acidente entre carreta e ônibus no Mato Grosso em 2004, cerca de 13 pessoas morreram. Ele já se acidentou no trânsito em Blumenau. Nada comparado a ficar nove horas soterrado, mas não foi a primeira vez que ele correu risco de vida. Ele morreu assustado. Toda a coragem que ele arrumou de onde não tinha, não deu tempo de encontrar hoje de madrugada.

Ele já estava fazendo planos para depois que estivesse recuperado?

Os dois filhos dele moram em Roncador, não sei se eles já sabem. Ele tinha prometido que a primeira coisa que faria quando andasse era visitar os filhos. Minha avó veio pra cá cuidar dele e logo iria voltar pro Paraná e ele já queria ir junto. Ela chegou no sábado e dizia que só iria embora quando ele estivesse bem.

Ele não viu os filhos depois do acidente. Ele estava muito ansioso para ir para lá, mas como ainda corria o risco de amputação e ainda haviam muitos procedimentos, convenceram ele a ficar aqui.

Como sou repórter, eu disse “tio, vamos escrever um livro. Vamos sentar um dia e você vai me contar tudo que me contou quando estava na UTI”. É impossível acreditar que ele morreu.

Esclarecimento

Às 14h45min desta sexta-feira um trecho da entrevista foi retirado do ar a pedido da entrevistada. Ela alegou não ter certeza sobre as informações que havia prestado sobre a relação da empresa responsável com a família.