“Enchentes do Vale: soluções de curto prazo, problemas a longo prazo”
Manejo e controle integrado de cheias não é coisa para principiantes. No que diz respeito aos aspectos da engenharia, ou seja, das obras estruturais, a tecnologia já está razoavelmente conhecida e um dos seus pomposos nomes é a macrodrenagem.
Acontece que, atualmente, a solução meramente focada na engenharia não tem mais cabimento. Se ainda não aprendemos a aplicar corretamente sequer as soluções “frias e calculistas” propostas pela engenharia, imagine-se o desafio de adequar as obras ao princípio das soluções baseadas na natureza.
O que vimos em Dona Emma e em Presidente Getúlio, há poucos dias, a exemplo do que acontece em praticamente toda Santa Catarina e Brasil, revela que ainda precisamos avançar anos-luz para fazer a coisa certa.
No caso de Dona Emma, no Alto Vale do Itajaí, depois da enchente-enxurrada do ano passado, a solução foi a tradicional: uma máquina retroescavadeira retira areia e lodo do leito do pequeno rio e os deposita, com capricho, diga-se de passagem, nas margens. Troncos e galharias de árvores caídos também são retirados do leito do rio e depositados mais atrás, mais longe do rio.
Ótima solução para dar resposta pronta e rápida à comunidade, péssima solução se considerarmos a questão a longo prazo.
Repete-se em Dona Emma o erro da solução fácil. Aprofunda-se o leito primário do pequeno rio de mesmo nome, na pretensão de se dar maior vazão às águas, mas, este mesmo material, depositado nas baixadas das margens, vai obstruindo, lenta e inexoravelmente, os leitos secundários desse mesmo rio.
Cada serviço de dragagem ao longo dos anos e das décadas implica, então, em mais leito secundário obstruído. Solução de curto prazo, problemas a longo prazo. Nossos netos e futuras gerações que se danem. A natureza, para a qual essas baixadas alagáveis são extremamente importantes, que se dane também.
Logo abaixo das obras de desobstrução do rio Dona Emma, existem vários blocos de rocha cortadas em formato de cubo, portanto objetos feitos pelo homem, caídos no leito do rio, debaixo de uma ponte. São prováveis restos de alguma antiga cabeceira de ponte, anterior à ponte atual. Eles estão ali, no leito do rio, justo onde o canal fluvial é normalmente estreitado devido à ponte e suas cabeceiras e onde, para compensar, deveria haver maior aprofundamento, ou, pelo menos, desobstrução daquelas pedras.
Por que será que os troncos das árvores caídas no leito rio são prontamente retirados, mas, as pedras sob a ponte sequer foram tocadas? Assunto para muita discussão filosófica, mas, que bem revela como tratamos os elementos da natureza como inimigos que imediatamente devem ser extirpados.
Blocos de rocha ou de concreto feitos pelo ser humano podem causar até mais obstrução de vazão que um delgado tronco de árvore. Então, por que eles não são retirados?
Isso lembra um político de Blumenau que dizia que as árvores deveriam ser retiradas das margens para dar mais vazão ao rio Garcia. Acontece que a própria ponte sobre a qual esse político estava tinha quatro pilares no meio do rio, obstruindo muitíssimo mais a vazão do que qualquer árvore, mas, os pilares são “nós” e as árvores são “eles”, os (as) inimigos (as). Pilares podem, uma árvore, mesmo esbelta ou raquítica, não pode.
Solucionar o problema das cheias, enchentes, inundações e enxurradas, ainda mais levando em conta a necessidade de buscarmos soluções baseadas na natureza, repetimos, não é tarefa para principiantes. Aliás, convenhamos, jamais vamos solucionar totalmente esse problema. O que podemos fazer, isso sim, é aprender a CONVIVER com as enchentes.
Obras de minimização de cheias também devem levar em conta todo o contexto do Vale. Não adianta resolver o gravíssimo problema de Rio do Sul, no Alto Vale, se isso implicar aumento de enchentes em Blumenau e nos demais municípios mais abaixo, assim como a diminuição das cheias em Brusque, a montante, implicou mais problemas para Itajaí, a jusante.
Os lucrativos negócios e interesses imobiliários ainda mostram sua força. A pressão para se ocupar todos os espaços em todas as nossas cidades é muito forte. Há uma cruel insistência das administrações públicas e das câmaras legislativas no sentido de flexibilização das normas ambientais.
Mal passam alguns meses de uma tragédia climática e todos esquecem (esquecem mesmo?) as vítimas e os danos materiais, geralmente gigantescos, e voltam as pressões para afrouxamento das regras e dos parâmetros técnicos.
Até quando?
Sem este autor saber deste fato e sem o prefeito daquele município saber do que havíamos escrito, pois, ainda nem estava publicado, (Vide este link, O Município Blumenau de 04/02/2024), ele declarou à imprensa: “Isso nunca havia acontecido antes em nosso município”!
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