“Enchentes: temos que estar preparados”

As inundações do Rio Grande do Sul, respeitadas as inusitadas proporções, evidenciam como ainda estamos longe de gerenciar corretamente esses fenômenos e que precisamos urgente dar uma virada e fazê-lo no Brasil e em boa parte dos países.

Em várias partes do mundo a maneira de lidar com as enchentes tem mudado radicalmente nos últimos anos. Temos que aprender, de uma vez por todas, que somos parte da natureza e que é inútil querer guerrear contra ela como se fosse uma inimiga cruel. O enfoque centrado unicamente em obras estruturais jamais resolverá, por si só o problema.

Aliás, nem sequer isso temos conseguido fazer corretamente. Construímos o maior sistema de controle de cheias do Brasil no Vale do Itajaí e não soubemos mantê-lo. A barragem de Ituporanga teve aspectos de sua manutenção atrasados.

Já a barragem de José Boiteux, a maior do Brasil com a função de controle de enchentes jamais foi concluída, um dos registros de fundo está fechado e emperrado e por décadas não conseguimos resolver o conflito com os indígenas da Reserva Laklaño-Xokleng. Como resultado, estamos longe de nos beneficiarmos do efetivo potencial de controle de cheias que essas obras poderiam nos dar.

Em Porto Alegre o prefeito deu a desculpa esfarrapada que o sistema tem 50 anos e que não estava preparado para um evento como o da atual enchente na cidade. A pergunta que não quer calar é: o sistema não estava preparado ou foi a falta de manutenção e atualização que foi negligenciado ao longo dos anos?

O mundo tem vários exemplos de que obras semelhantes, bem mais antigas que o sistema de Porto Alegre, mas que continuam funcionando perfeitamente, mantidos, modernizados e atualizados, permanentemente.

Como se isso não bastasse, sem manutenção nem sistemas de segurança contra vandalismos, até roubo dos potentes motores–bombas do sistema antienchentes aconteceu em Porto Alegre. A cena de operários e técnicos desesperados, improvisando, na hora H, com sacos de areia e toscos calços de madeira socados também toscamente com marretas para segurar os portões ou comportas no lugar, respeitado o heroísmo daqueles servidores, chegou a ser patética.

Com tudo mantido de forma permanente e programada, nada disso aconteceria. O normal seria, na hora da enchente, apertar um botão e com isso, simplesmente, acionar um sistema que deveria ser funcional e perfeito.

Em Blumenau não tem sido muito diferente. Aqui também, motores elétricos que deveriam acionar comporta do dique da Fortaleza chegaram igualmente a ser roubados em certa ocasião. As comportas do ribeirão do Tigre já apresentaram problemas quando jamais deveriam ter apresentado.

Sistemas contra cheias devem funcionar como se fossem extintores de incêndio. Podem ficar ali por décadas sem uso, mas, no momento que for necessário, eles estão prontos para serem usados, cumprindo sua função. De tempos em tempos, vencido o prazo de validade, os extintores são trocados e substituídos por outros, sempre prontos para serem usados na emergência de um incêndio.

Diques de contenção de enchentes, barragens, comportas e obras semelhantes não podem ser trocados como se trocam extintores de incêndios. Mas, qual manutenção de aviões prontos para voar com segurança, devem ser mantidos para estar tudo perfeito para funcionar no momento que a população mais precisa deles.

Obras estruturais propriamente ditas, como barragens, diques, retificações (estas cada vez mais questionáveis), derivações e desassoreamentos não deixam de ser importantes. Porém, mais importante ainda são as medidas não estruturais de controle de cheias, calcadas no princípio do diálogo e não do confronto com a natureza.

Quem ainda não viu, esta coluna recomenda que se assista à matéria sobre o conceito de cidades-esponja, apresentada no programa Fantástico da Rede Globo do dia 12 de maio último. A implementação desses conceitos e dos conceitos de gestão de paisagens não são tão difíceis quanto parece. Difícil são essas propostas serem assimiladas pela mente dos tomadores de decisão. Assuntos para encher muitas colunas.

Alguns dentre centenas de deslizamentos de encosta ocorridos por ocasião da tragédia que assolou o vale do rio Tubarão no Sul de Santa Catarina em março de 1974. Tragédias como esta são usadas por céticos como exemplo de que eventos climáticos sempre aconteceram, o que é meia verdade. Na realidade, o que tem acontecido nas últimas duas décadas é o aumento da frequência e intensidade de eventos extremos, como previsto pela Ciência e agora, infelizmente, estão acontecendo de fato em todo o mundo. Foto Lauro Eduardo Bacca, rodovia Tubarão-Gravatal, em 27/12/1974.