Das Kino - Um olhar crítico sobre o cinema

Jéssica Frazão é doutoranda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e escreve sobre cinema, artes e produção audiovisual.

“Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje”: AmarElo e a arte política de Emicida

Um dos grandes temas abordados no documentário AmarElo – É tudo pra Ontem, produzido pela Netflix em parceria com o Laboratório Fantasma, é o show que o rapper Emicida fez em novembro de 2019, no Theatro Municipal de São Paulo. Um local que não foi planejado para receber, no palco e na plateia, pessoas negras. Muitos dos personagens do filme comentam sobre como é estar ali, pela primeira vez.  

A situação que vemos em AmarElo, infelizmente, não é exclusividade do contexto paulista e ocorre em outras cidades brasileiras. Aqui em Blumenau, por exemplo, o nosso Teatro Carlos Gomes é frequentado majoritariamente por pessoas brancas e de classe média-alta.

Ao iniciar o doc, eu pensei que assistiria à gravação do show no teatro. Algo que por si só já seria emocionante. Mas AmarElo é muito mais do que isso. Algumas outras camadas narrativas vão sendo costuradas. Rapidamente nos deparamos, audiovisualmente, com uma aula de história do povo negro. Um resgate da cultura negra brasileira dos últimos cem anos.  

Com linguagem clara e didática, esse documentário deveria ser incluído nos currículos escolares, reforçando a importância do ensino da História e Cultura AfroBrasileira nas escolas já determinada pela lei 10.639/03 

Dividida em atos, a narrativa nos apresenta um Emicida narrador-personagem. Uma espécie de convite para conhecer essas histórias não-hegemônicas: “Permita que eu fale, e não as minhas cicatrizes”.

Netflix/Divulgação

AmarElo vai trazer vários nomes dos quais, lamentavelmente, muitos de nós nunca ouviu falar. Alguns exemplos são Oito Batutas, Wilson das Neves, MNU, Lélia Gonzalez, Leci Brandão, Wilson Simonal, Abdias do Nascimento e Ruth de Souza, a primeira-dama-negra do teatro, do cinema e da televisão brasileira. As cenas animadas, imagens de arquivo e cenas dos bastidores auxiliam o espectador nesse resgaste histórico.

“Quando histórias grandiosas, como as que aparecem no documentário, são invisibilizadas, todos nós perdemos enquanto sociedade brasileira. Não à toa, começamos e encerramos o filme com o ditado iorubá sobre Exu, porque é tudo pra ontem e a gente vai no hoje corrigir os problemas que aconteceram antes de a gente chegar”, comenta Emicida.

O ditado iorubá mencionado por Emicida diz: “Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje”. De tão potente mensagem, carrega em si enorme poder de inquietação de que concertar os desencontros e injustiças do passado é urgente e é pra ontem, o chamamento pra luta antirracista é pra ontem, tudo é pra ontem.

A arte é semente para tomada de consciência, e Emicida sabe disso. O filme, reflexo do próprio disco AmarElo, lançado em 2019 e vencedor do Grammy latino de melhor disco de rock ou música alternativa em língua portuguesa, mistura elementos de uma arte política, questionadora, de função social, afeto e resistência, tudo que esperamos dos artistas grandiosos. Assistir AmarElo é pra ontem.

Assista ao trailer do documentário


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