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Familiares e vítimas do desastre no Morro do Baú ainda aguardam indenização após 14 anos

32 pessoas morreram na ocasião

Por Cristóvão Vieira e Alice Kienen

No dia 23 de novembro de 2008 uma série de deslizamentos acompanhados pela explosão de um duto de gás da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) resultou na morte de 32 pessoas no Morro do Baú, em Ilhota. O caso tomou proporção nacional. Mesmo assim, porém, 14 anos depois o caso, muitas das famílias envolvidas e vítimas do desastre ainda não foram indenizadas.

Existe uma guerra de versões. As famílias afirmam, desde 2008, que a explosão do duto ocasionou os deslizamentos, e por isso precisam ser indenizadas. A TBG diz que foram os deslizamentos que ocasionaram a explosão, devido a fragmentos terem caído nos canos. Também teriam sido vítimas, portanto, dos desastres climáticos. (Confira posicionamento da empresa na íntegra ao final da reportagem).

Em uma entrevista para o jornal Gazeta do Povo na época, o capitão Rodrigo Pierosan, do Corpo de Bombeiros de Rio Grande do Sul, a explosão do gasoduto influenciou nos deslizamentos no Morro do Baú.

A advogada Lenice Kelner, professora na Universidade Regional de Blumenau (Furb), assumiu o caso desde o início. Segundo ela, a empresa vem utilizando de uma série de recursos para postergar decisões e assim deixar de pagar vítimas do desastre. Além disso, algumas pessoas já teriam aceitado receber valores muito abaixo do esperado para receberem algum dinheiro após a tragédia.

Ainda de acordo com Lenice, informações e relatos de testemunhas e vítimas do desastre dão conta de que o problema poderia ter sido evitado, uma vez que, após notar o vazamento, muitos moradores da localidade ligaram para um número de telefone e solicitaram o desligamento.

“Quando instalaram o gasoduto eles entregaram um cartão com contato para emergências de qualquer situação. Eles tinham a possibilidade de interromper a passagem do gás de maneira remota, sem maiores problemas. A população ligou para esse número e não foi atendida. Uma tragédia evitável”.

A advogada, inclusive, na época, utilizou recursos próprios para pagar R$ 50 mil a um perito que comprovou detalhes técnicos da explosão. “Todo o resultado da perícia está anexado ao processo, que não anda. Além disso, a empresa tem recursos de um seguro, mas não libera os valores aos moradores e familiares de vítimas”.

“Jurava que o mundo ia acabar”

As cinco filhas da família Day não conheciam outro endereço que não o Alto Baú. Mesmo após se casarem, continuaram morando próximas, trabalhando juntas como costureiras. A mais velha, Adriana, hoje com 47 anos, era líder da Cooperativa das Costureiras do Alto Baú. Nenhuma delas imaginava que em poucas horas tudo que a família construiu na região seria perdido.

Sem conceber o risco de um deslizamento, os familiares se reuniram e foram até o terreno de uma vizinha passar a noite dentro dos carros, a menos de 200 metros das casas. O medo era de ficarem ilhadas, já que um bueiro passava na frente dos imóveis.

“Durante a noite ouvimos aquela explosão e vimos o brilho no céu. Minha menina tinha medo do escuro e me pediu o que era aquilo. Eu só mandei ela fechar os olhos, jurava que o mundo ia acabar. Nem sei explicar o que sentimos naquela noite. A barulheira dos morros caindo parecia o fim do mundo”, relembra Adriana.

A explosão do duto deixou a família assustada e confusa, mas ainda acreditando que tudo ficaria bem na manhã seguinte. Ao acordarem, os maridos foram até as casas buscar comida e roupas limpas. Mas foi quando voltaram com as mãos abanando que as irmãs descobriram que as casas haviam sido soterradas.

“Não tínhamos mais nada, nem rumo. Subimos até a casa de uma vizinha e só aí soubemos sobre todas as mortes. Tantos bebês, tanta gente ferida… Uma mãe embalava o bebê morto no colo. Sem telefone para pedir socorro, não sabíamos quanto tempo ficaríamos lá”, recorda Adriana com lágrimas nos olhos.

Em contrapartida, a solidariedade é uma das lembranças mais vívidas de Ângela. “Enquanto esperávamos para sermos resgatados vimos a bondade das pessoas. Dando o que não tinham. A pouca comida que conseguiam, dividiam com todo mundo. Estávamos todos passando fome, sobrevivendo com bolachas e salame”, comenta.

Com medo de não conseguir sair de lá, o major do Corpo de Bombeiros na época, o Tenente-coronel Aldo Batista Neto, chegou a se despedir da família. O medo de todos era que novos deslizamentos vitimasse os sobreviventes ou de que a chuva impedisse a aeronave de retornar.

“Nem sabemos quantas viagens foram feitas. Quando chegou o helicóptero fomos mandando os filhos em fila. Queríamos socorrer eles o quanto antes porque não sabíamos se o próximo ainda teria como nos buscar. A gente pensa que esquece, mas quando começa a contar volta tudo”, desaba Adriana.

Três casas foram levadas pela terra, junto do rancho do pai delas. A piscina dele já nem era mais visível. Alexandra, hoje com 44 anos, foi a única que não perdeu o imóvel. Entretanto, com medo do alagamento, estava na casa de uma tia do esposo com os vizinhos quando a explosão ocorreu. Ela lembra de ver as velas tremendo fortemente com os deslizamentos.

“O irmão do meu marido já tinha ido embora, porque tinha entrado água na casa dele. Já o filho dele tinha construído uma casa há menos de dois meses e ficou toda embaixo do barro. Depois da noite dos deslizamentos ficamos com medo de ficar naquela casa de madeira e fomos para outra de material que não tinha janelas. Com dois filhos criança e um de três meses. Ficamos lá até os bombeiros virem nos buscar”, conta Alexandra.

A irmã não reside mais no imóvel que resistiu à tragédia, mas faz questão de visitá-lo todo fim de semana. “Nós vivemos a vida toda lá, então queremos sempre voltar“, justifica. O pai delas perdeu a casa, mas não quis sair da região. Comprou um novo terreno e construiu um novo lar.

Da esquerda para a direita: Andreia, Ângela, Alexandra, Adriana e Marlita, prima das quatro filhas de José Day, ao centro. | Foto: Arquivo pessoal

José Day foi diagnosticado com leucemia aguda no fim de março e faleceu no dia 17 de abril deste ano, no domingo de Páscoa. Até o fim da vida, ele viveu no Morro do Baú.

Construindo um novo lar

Após perder praticamente todos os pertences, as irmãs, vítimas do desastre, viveram em três abrigos da região antes de conseguirem alugar um espaço. Ângela e Adriana passaram cerca de duas semanas em Blumenau antes de irem para Gaspar. No abrigo de Ilhota foi mais de um mês.

“Quando me tiraram do Baú precisaram tirar várias farpas, espinhos e estrepes dos nossos pés porque corríamos descalço para tentar nos salvar. Nem gosto de lembrar. Passa um filme na cabeça”, relembra Adriana.

Já Alexandra foi enviada inicialmente para Ilhota e não tinha informações sobre as irmãs, assim como o restante da família não sabia como ela estava. Ela estava dormindo nos bancos de uma igreja com o filho de três meses e outro de oito anos quando um padre amigo da família apareceu para levá-los para Blumenau.

Durante esse período, as irmãs chegaram a descumprir as determinações da Defesa Civil e voltarem ao local onde moravam. A vontade era tentar salvar alguma coisa. Nem que fossem algumas peças de roupa. Elas se arriscavam a pé para chegar ao local, mas não tiveram sucesso.

Imagens feitas da casa de Adriana meses após a tragédia. | Foto: Alice Kienen/O Município Blumenau

Ângela tinha acabado de comprar um carro e finalizar a casa. O imóvel havia sido pintado no mesmo mês da tragédia. “Minha prioridade era deixar minha casa toda pronta depois de tantos anos, então estava zerada no banco. Tivemos que recomeçar do zero. Mas só consigo agradecer porque saímos vivas”.

Com o retorno das aulas no ano seguinte, as pessoas precisaram deixar os abrigos. Com empréstimos, fundo de garantia dos esposos e ajuda da comunidade, quatro filhas alugaram uma casa na Fortaleza Alta. O imóvel abrigava o pai e quatro famílias.

“Passamos quase três anos dividindo aluguel até recebermos as casas de doação. Só daí conseguimos comprar um terreno e retomar nossa vida”, conta Ângela. Até hoje, as três irmãs seguem unidas.

Mais uma perda inesperada

Para firmar residência, Adriana, Alexandra e Angela, de 42 anos, dividiram um terreno no Belchior, em Gaspar. Andréia, de 46 anos, mora em Ilhota com a família dela. Já a caçula da família, Angelina, não teve a mesma oportunidade de seguir em frente.

Em março do ano seguinte, ela foi vítima dos estragos causados pela tragédia de 2008 indiretamente. Aos 21 anos, Angelina Day Tesch estava em uma moto conduzida pelo esposo, Charles, quando eles sofreram um acidente na Via Expressa, em Blumenau.

Charles perdeu o controle do veículo durante a manhã do dia 13 de março de 2009 e acabou caindo em uma cratera formada por um deslizamento em novembro. Ele saiu ileso, mas Angelina morreu uma hora após o acidente no hospital.

Angelina com a filha, antes do acidente. | Foto: Arquivo pessoal

O casal tinha uma bebê de 1 ano e 8 meses na época. Charles também segue na justiça buscando compensação após eles terem perdido a casa no Alto Baú.

Família segue buscando justiça

As irmãs comentam que foram chamados para uma audiência com a empresa TBG em Gaspar. Entretanto, consideraram a oferta ofensivamente baixa e a advogada não aceitou. Desde então, não tiveram mais retorno.

“Nunca recebemos nada, e já nem acreditamos mais que vamos receber. A empresa só está enrolando a gente. Perdemos tudo e ofereceram uma mixaria”, comentam.

Elas recordam que muitos moradores do Morro do Baú relataram sentir o cheiro do gás cerca de uma semana antes da explosão.

“A gente vê o que aconteceu em Petrópolis e não conseguimos deixar de lembrar. Até hoje, qualquer trovoada mais forte o cabelo já arrepia”, comenta Ângela. “A vida segue e mal dá para acreditar que passamos por isso”, complementa Alexandra.

Nota oficial da TBG

“A TBG – Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A. – opera o gasoduto que se interconecta com a Bolívia e tem 2.593km de extensão, atravessamos 136 municípios. Estamos há 9 anos sem falhas de entrega de gás natural e há quase 8 anos sem acidentes com afastamento. Nossos valores são Respeito a Vida e ao Meio Ambiente, Ética, Excelência Operacional, Cooperação, Inovação e Foco no Resultado.

As chuvas torrenciais que atingiram a região do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, ao longo dos meses de agosto a novembro de 2008, ocasionaram deslizamentos de encostas, inundações, bloqueios de estradas e rodovias, isolamento de municípios e soterramentos que culminaram em catástrofe nos dias 23 e 24 de novembro, vitimando a população local e o nosso duto.

Tal calamidade foi considerada a pior tragédia natural na região desde 1983. De acordo com o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) à época, a precipitação pluviométrica diária acumulada, entre 21 e 24 de novembro, superou, em algumas localidades, os 500 mm. Só em Blumenau, os totais do mês ficaram em torno de 1.000 mm, quando a média mensal seria de aproximadamente 150 mm.

Além da população catarinense, a TBG também foi uma vítima dessa catástrofe. Em 23 de novembro de 2008 (domingo), período mais intenso das chuvas, o trecho da faixa de servidão do Gasoduto Bolívia-Brasil, situado na região de Belchior, no município de Gaspar, ficou submetido aos efeitos de uma grande quantidade de detritos, incluindo árvores de grande porte, pedras, terra e lama, que desceu em alta velocidade pela encosta, removendo a cobertura existente no duto com posterior impacto de rochas no corpo do gasoduto, ocasionando o seu rompimento.

Dados do Instituto Nacional de Meteorologia naquele período comprovaram que os altos índices pluviométricos causaram o grande movimento de massas, ocasionando milhares de escorregamentos de encostas. Nesse sentido, um trecho do Gasoduto Bolívia-Brasil foi afetado por uma imensa quantidade de detritos (processo conhecido como “debris flow”), que removeu a cobertura da faixa de servidão, deixando o duto exposto ao impacto de árvores, lama e blocos de rocha, o que causou a ruptura por onde se expandiu o vazamento abrupto do gás, gerando forte ruído e chamas.

A empresa prontamente interrompeu a vazão no duto e acionou as equipes de emergência e reparos, para construir um desvio e voltar a fornecer gás, não deixando a população sem gás para cozinhar.

Quanto a eventuais indenizações, a TBG celebrou acordos em ações judiciais idênticas às mencionadas. Na época, mesmo também sendo vítima da calamidade pública, a TBG se disponibilizou no auxílio às autoridades para que cada um dos requerentes manifestasse sua vontade pessoalmente perante o juiz, primando pela transparência e pela celeridade do cumprimento das medidas judiciais cabíveis.

Nos acordos judiciais, cada autor manifestou concordância com os termos em audiência realizada na presença do Ministério Público do Estado de Santa Catarina e dos seus respectivos advogados.

Cabe destacar que as referidas conciliações foram firmadas sem que fosse declarada qualquer modalidade de culpa, dolo e/ou responsabilidade da Companhia pelos fatos debatidos judicialmente.

Os acordos foram celebrados nesses termos porque a TBG também foi vítima dos deslizamentos de terra que assolaram o município de Gaspar e adjacências naquela época, fato de conhecimento público no Estado de Santa Catarina.

Referente aos casos remanescentes, os valores requeridos são injustificados, visto que o mérito da questão é o mesmo que resultou em acordos anteriores, ou seja, o rompimento do gasoduto causado exclusivamente pelo deslizamento do Morro do Baú, em razão da intensidade das chuvas na região, que afetaram não somente os moradores, mas também a todos os empreendimentos e infraestrutura locais.

Vale considerar inclusive que, de acordo com os trâmites legais, ainda há a necessidade de realização de perícia técnica do caso e a comprovação de culpa da Companhia, não cabendo, a priori, nenhum tipo de indenização que seja justificável.

Em relação ao ocorrido durante o rompimento do gasoduto, a TBG possui mecanismos automáticos de segurança que impedem a continuidade da passagem de gás de forma imediata em casos semelhantes ao que aconteceu, bem como monitoramento remoto 24 horas por dia, sete dias por semana, por meio da Central de Supervisão e Controle (CSC), localizada na Sede, no Rio de Janeiro.

O que se viu não foi uma explosão, e sim, a queima do gás remanescente no duto, causada pela pressão necessária ao funcionamento da estrutura para o transporte de gás. Portanto, não houve anormalidades no que se refere às atividades relacionadas à segurança do gasoduto. Sendo assim, ressaltamos que o acidente com o Gasoduto Bolívia-Brasil se tratou de um evento imprevisível, decorrente exclusivamente da força da natureza, causada pela chuva intensa e enchentes que notoriamente assolaram a região.

Somos uma empresa pública, trabalhamos com transparência e seriedade, sempre pensando no bem comum, e todas as nossas ações são supervisionadas pelos órgãos de controle.”


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