Hellmuth Danker: a história do homem que transformou Vila Itoupava e segue à frente do Hospital Misericórdia aos 95 anos
Além de ser o único intendente eleito e ter assumido duas gestões, Hellmuth também passou duas décadas na Haco
“Me sinto uma vitrola, sempre contando as mesmas coisas”. O blumenauense Hellmuth Danker certamente tem muita história para contar. O que não surpreende, já que em breve completa 95 anos muito bem aproveitados e vividos na Vila Itoupava.
Vida esta que foi distribuída entre muitos afazeres, um mais marcante do que o outro. Após quase 40 anos trabalhando na lavoura e serraria do pai, que carrega uma história incrível por si só, ele foi intendente da Vila Itoupava duas vezes, trabalhou por duas décadas na líder mundial em etiquetas e atua até hoje como presidente do Hospital Misericórdia.
Apesar dos quase cem anos de vivências, a memória de Hellmuth surpreende. Ele cita nomes de colegas que conviveram com ele, de ruas de toda a Vila Itoupava e descreve experiências sem hesitar.
“Eu sei que não sou mais tão rápido no gatilho, meu pensamento não é mais como era antes. Não tenho mais o pique que tinha. Os ouvidos e os olhos não são mais tão bons, só o dente mandei fazer bom para comer bem”, brinca. “Mas esquecer ainda não esqueço, então tô satisfeito comigo mesmo”.
A chegada da família Danker a Blumenau
Hellmuth conhece a história do avô pelo que ouviu do pai. Wilhelm Danker teria vindo do Norte da Alemanha em 1867 para fugir da guerra. Ele sabia que logo seria chamado para servir, e a família já havia perdido um dos cinco filhos homens.
“Ele não estava com muita vontade e resolveu vir para cá. Como os pais já tinham contato com a família Dannemann, que produzia charutos na Bahia, ele decidiu que iria construir uma fábrica de caixaria, que era algo que eles precisavam”, relembra.
A experiência profissional de Wilhelm na Alemanha era construindo violinos e sendo uma espécie de fiscal florestal. Como a família tinha bastante dinheiro, ele conseguiu comprar uma máquina a vapor na Europa e passou a procurar uma queda d’água com força suficiente.
Foi após passar por muitas “picadas” – como são conhecidas se refere às aberturas de trilhas no mato que tomava a Vila Itoupava na época – que ele encontrou as terras onde se estabeleceu como posseiro. Animais foram trazidos dos bairros Velha e Garcia para puxar as estruturas e construir a serraria.
O que ele não esperava é que a força d’água não seria suficiente para mover uma serra circular grande o bastante para cortar os cedros. O local, portanto, foi abandonado e Wilhelm partiu para Itoupava Rega, onde construiu uma serraria e uma caixaria novas.
Dentre outras viagens para a Alemanha, “o que mostra que eles tinham muito dinheiro”, relata Hellmuth, ele exportava caixarias para três empresas brasileiras de charuto. Foi apenas em 1925 que o pai de Hellmuth, o filho mais novo, herdou o patrimônio.
Semianalfabeto e com pouca noção de matemática, o herdeiro não conseguiu manter a exportação, que exigia muito para a educação da época. A empresa foi vendida e logo transformada em uma marcenaria. Foi assim que a família passou a trabalhar na lavoura.
O retorno para a Vila Itoupava
A família Danker acabou voltando para a roda d’água construída pelo patriarca Wilhelm após o homem que assumiu o local chamar o pai de Hellmuth para trabalhar como serrador. Depois de dois anos como funcionário, ele comprou toda a estrutura por 17 contos de réis em 1930.
Wilhelm trouxe os irmãos e a mãe da Alemanha, já que o pai já havia falecido, e a família se espalhou pelo Vale do Itajaí. Hoje os tios e primos de Hellmuth estão em Indaial, Timbó e Joinville.
Entretanto, Hellmuth passou alguns anos da vida muito longe de Blumenau e da família. Como nenhum Danker falava português, ele foi enviado ainda criança para o município de Rio Grande (RS) para formalizar os estudos.
“Meu pai insistia que Getúlio Vargas estava apertando o cinto e precisávamos aprender. Com 12 anos fui despachado e só foram me buscar quando me formei. A viagem durava pelo menos dois dias e passava muito mal. No Natal chorava sem parar de saudades”, lembra com o olhar distante.
O mais difícil na adaptação, entretanto, foi voltar a trabalhar na lavoura. Puxando cavalos e madeira, onde ficou até quase completar 40 anos. Pode parecer muito para a época, mas foi só a partir daí que Hellmuth começou efetivamente a grande carreira pela qual ficou conhecido.
“Gostei muito da cidade. Foi uma época que abriu um novo horizonte pra mim. Aqui nesse mato nem imaginava uma cidade daquele tamanho. Lá eu era conhecido como ‘alemãozinho’, porque era o único loiro de olhos azuis”, conta.
Atualmente ele ainda mora na estrutura que o avô e o pai construíram, junto de um dos dois filhos. A família se orgulha de manter as duas residências e o jardim muito bem cuidados sem a ajuda de funcionários.
Uma roda d’água histórica
Imponente com seus cinco metros de diâmetro, a roda d’água tem uma importância histórica para o Vale do Itajaí. De acordo com um sargento da Polícia Militar Ambiental que esteve em visita à Vila Itoupava, esta é a última serraria em atividade movida por água na região.
“Ele disse ‘cuida bem disso, Danker’. Meu pai morreu aos 81 sem condições de deixar tudo em ordem. Mas eu fiz tudo novo. Gastei muito dinheiro. Mas em cinco anos essa roda também para de funcionar, e para construir uma nova são mais de R$ 30 mil”, conta.
O filho mais velho de Hellmuth foi quem herdou a estrutura, mas já prometeu que não vai investir em manter a roda funcionando. O plano dele é instalar uma turbina para gerar energia para a família com a queda d’água.
No vídeo abaixo é possível observar o caminho que a água faz, desviada da nascente, para manter a roda d’água funcionando. Na parte interna da roda, a engrenagem maior é a usada para operar a serra circular. Já a menor, à esquerda, movimenta toda a marcenaria.
Uma intendência diferente
Foi em 1966 que Hellmuth Danker assumiu o cargo de intendente da Vila Itoupava pela primeira vez. Até 1970, fim do governo de Carlos Curt Zadrozny, ele representou um grande avanço na infraestrutura da região – tanto que a intendência atual carrega o nome do então prefeito.
“Certamente foi o período que melhor estruturou a Vila Itoupava. Uma revolução do distrito. O primeiro calçamento, paredões de pedra e nossa sede foram construídos por ele. Um governo incomparável”, comenta o atual intendente, Leandro da Silva, mais conhecido como Índio. “Mas tem uma razão para ele ter feito tanta coisa: tinha muito orçamento na época”.
Mas se engana quem pensa que o orçamento veio da prefeitura. Os investimentos foram conquistados com a sagacidade do intendente. Com dificuldade de conseguir que o secretário de finanças da época liberasse o dinheiro, ele o buscou direto na fonte.
“Ele sempre dizia pra gente se virar, mas eu queria fazer diferente. Parecia que nada nunca mudava. Foi então que peguei meu candango [uma espécie de jipe] e fui até Florianópolis falar com o governador“, relembra.
Hellmuth e Ivo Silveira não eram estranhos. Pouco antes o governador havia visitado Blumenau e presenciado um dos grandes momentos do intendente. Quando ele demoliu a intendência sem avisar o prefeito para apressar a construção de um novo imóvel.
Sem se quer avisar o executivo estadual, Hellmuth chegou ao Palácio Cruz e Sousa em 1968 para descobrir que o governador estava de cama na Casa d’Agronômica por conta de uma gripe. Foi então que ele procurou João Silveira, primeiro diretor da escola Pedro Christiano Feddersen e primo do governador.
Fazendo negócios com a primeira-dama
“Ele era prefeito em Palhoça na época e lá fui eu com meu candango. Com sorte encontrei ele, mas caiu uma trovoada terrível e ele levou um susto em me ver lá. Falei que precisava de ajuda e ele aceitou ir até Florianópolis comigo. Meu carro era só barro, já que a BR-470 nem estava pronta, mas dei a cara”, relata.
Quem recebeu a dupla foi Zilda, esposa de Ivo. Ouvindo que o visitante vinha da Vila Itoupava, ela comentou que esteve na Haco à procura de itens decorativos para as cortinas, mas que o que ofereceram não era suficiente.
“Eu aproveitei a oportunidade e pedi ‘dona Zilda, um saco assim grande chega?’. O palácio é grande, mas eu era amigo do seu Heinz. Não demorou muito para me deixarem falar com o governador e ele dizer que iria tentar atender meu pedido”, conta.
Por ser um distrito, a Vila Itoupava possuía um ponto coletor de impostos. O plano de Hellmuth era fazer com que a arrecadação ficasse na intendência, ao invés de ir para a prefeitura e, posteriormente, para o governo estadual, já que o repasse era menor que a coleta.
Até o fim do governo de Ivo Silveira, todos os impostos arrecadados no Distrito eram descentralizados para uso direto da Intendência. O poder quase subiu à cabeça de Hellmuth, que se endividou com muitas obras. Mas ele conseguiu conquistar ainda mais fundos da prefeitura e transformar a região.
“Aquela primeira gestão de intendente fui meio maluco. Tudo que foi feito na época sem maquinário, imagina só. Aqueles muros de pedra carregado no braço. Contenções no ribeirão central também… Uma loucura”, comenta.
Um homem de negócios
Hellmuth acabou sendo afastado da intendência após o MDB assumir a prefeitura e, com isso, passou 20 anos fora do executivo. Durante estas duas décadas, ele trabalhou na Haco Etiquetas como chefe de contas. Ele assume que não entendia nada de compra e venda quando assumiu o cargo, mas que o aprendizado foi grande.
“Não sabia nem diferenciar os tipos de fios quando entrei. Mas peguei tudo muito rápido. Foi um tempo muito bem aproveitado, e também muito bem remunerado”, brinca. “Certamente era mais fácil do que trabalhar na lavoura com meu pai”.
A lista de contribuições dele para a Vila Itoupava não para por aí. Aos 16 ele foi eleito tesoureiro do Clube de Futebol Cruzeiro Sul. Mais tarde foi vice-presidente da Sociedade Recreativa e Desportiva Serrinha por 13 anos, além de quatro como presidente do Conselho Deliberativo. Em 1965 foi eleito presidente da Paróquia Evangélica da Vila Itoupava, época em que a igreja atual e o salão paroquial foram construídos.
O único intendente eleito
Além de ter sido intendente da Vila Itoupava duas vezes, Hellmuth também carrega um grande feito: em seu segundo mandato, foi o único eleito da história blumenauense. Por pouco ele nem concorreu, mas foi convencido pelos amigos.
“Eu nem pensava nisso, mas encontrei com Victor Sasse no cartório e ele, já eleito [vice-prefeito] e muito meu amigo, disse que eu precisava tentar. Eu insisti que tava bem na Haco, não tinha pra que me incomodar, mas ele me convenceu”, conta.
Após o retorno da direita no poder executivo blumenauense, Hellmuth retornou ao cargo em 1989 com as eleições propostas por Vilson Kleinübing. À época filiado ao antigo Partido Democrático Social (PDS, atual PP), ele recebeu mais de 44% dos votos entre os cinco candidatos.
Hellmuth também foi o único a receber mais de 1 mil votos, criando uma distância segura do principal concorrente, Rolf Bublitz. O resultado surpreendeu o chefe dele, Heinz Conrad, que era contra a ida do funcionário e amigo, que precisou se aposentar para assumir o cargo.
“Ele sempre dizia que a eleição já tava perdida. Quando soube fui até ele e disse ‘contratei uma banda e encomendei 500 litros de chope. Essa conta tu vai pagar’. Ele não pagou, mas nos divertimos muito na posse. Fizemos uma marcha do Serrinha até a intendência, foi muito bonito”, relembra.
Uma vida à frente do Hospital Misericórdia
Como o próprio Hellmuth coloca, a experiência dele no Hospital Misericórdia é outra vida inteira. Foram 56 anos que ele coloca como de muito aprendizado. Apesar de seguir presidente da instituição, ele comenta que aceitou que precisa passar o bastão para o restante da diretoria por conta da idade.
Em 1966, logo após assumir a intendência, ele foi eleito vice-presidente da instituição. Nos primeiros 35 anos o cargo veio acompanhado da administração do hospital. “Era um hospital falido, não tinha praticamente nada. Fomos aumentando a estrutura e a equipe. Durante 15 anos o repasse não aumentou, enquanto os serviços prestados pelo SUS e os custos só cresciam”, comenta o presidente.
Em 1975 ele assumiu a presidência e reformou a restaurou a ala enxaimel do hospital, assim como demoliu e reconstruiu os demais prédios. O prédio original, construído em 1923, será transformado em um museu da saúde de Blumenau.
Após um período que Hellmuth considera um “atraso” no desenvolvimento do hospital, incluindo a contratação de um administrador que precisou ser demitido, a diretoria decidiu contratar uma firma para manter a administração.
“Não é mais um hospital pequeno. Hoje tem 82 leitos, um porte que a maioria das cidades médias do estado não possui. Além da transição para que procedimentos eletivos de média complexidade feitos nos outros três hospitais sejam concentrados aqui”, comenta Índio.
A referência no serviço de internação psiquiátrica, por exemplo, já passou do Hospital Santo Antônio para o Misericórdia no início do ano passado. Todas essas mudanças são ainda mais marcantes pelo fato de o hospital celebrar o centenário no ano que vem.
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