CAPA: A Igreja Luterana de Rio do Sul – a partir de um de seus principais pontos focais – “Igreja de Cristo”, dá mostras da crescente descaracterização de sua configuração espacial original  do início do século XX.

Balsa na passagem do Rio Itajaí do Sul, responsável pelo nome do local ser Südarm. Local da Origem de Rio do Sul atual.

Ao observarmos a cidade de Rio do Sul, importante interposto comercial da Colônia Blumenau na década de 1910, conhecida primeiramente como Südarm – Braço do Sul, nome oriundo do agora renomado rio Itajaí do Sul, percebemos que ao longo de sua história, desde o surgimento do embrião urbano que deu origem à cidade, mudou suas características espaciais.

Outrora, contava com a presença de um plano pré-estabelecido delineado na forma, com elementos e características peculiares conhecidos na região da Colônia Blumenau.

Isto é reflexo de sua formação e espacialização após o assentamento de famílias de descendentes de imigrantes alemães oriundos do Stadtplatz de Blumenau, uma vez que a localidade fazia parte do grande território da Colônia Blumenau.

O mapa da Colônia Blumenau publicado em 1905, feito por José Deeke, ainda não tem registro da nucleação de Südarm, nem tampouco Bella Aliança. Portanto, é uma cidade muito jovem, sob a ótica histórica e também dentro da região da antiga Colônia Blumenau.

Observando-se o mapa de Deeke, é possível notar que já existiam outras povoações no interior da Colônia Blumenau, mas não Rio do Sul, com seus outros nomes históricos.

Mapa Colônia Blumenau. Acervo – Arquivo Público Histórico de Rio do Sul – alterado

Durante os primeiros anos de colonização, no final do século XIX e início do século XX, no Vale do Itajaí, as famílias de imigrantes foram instaladas em suas propriedades, ocupando os lotes coloniais ao longo dos leitos fluviais da grande bacia. Os rios foram as primeiras vias de penetração e as canoas – primeiros meios de transporte – geralmente eram confeccionadas com troncos de árvores.

Quase sempre esses embriões urbanos se desenvolviam às margens de um rio, de maneira linear. Esse rio, além de ser uma via de extrema importância para os deslocamentos por meio de transportes fluviais, também era usado como fonte de irrigação para as plantações, animais e abastecimento doméstico, juntamente com poços artesianos.

Rio Itajaí do Sul – na época conhecido e chamado no idioma alemão de Südarm, antes disso era conhecido como a Passagem do Humaitá, local da balsa em que se localizava o comércio de Odebrecht e atualmente, nas proximidades do “Ponto Chic”. Na canoa está o pioneiro Vicente Leite.

Em quase todo o território da Colônia Blumenau, a igreja era construída na parte mais elevada do território da nova povoação. Esta era uma forte característica das inúmeras nucleações urbanas fundadas por imigrantes alemães e italianos no Vale do Itajaí, e não seria diferente na nucleação que deu origem à cidade de Rio do Sul.

As duas igrejas, católica e luterana, ocuparam locais mais elevados dentro do sítio.

A estrutura urbana.

Para melhor entendimento, apresentamos a história de formação da comunidade luterana na cidade de Rio do Sul, e também a origem dela, por meio de seu embrião urbano.

Apresentaremos a arquitetura religiosa, local, regional, e comentaremos um pouco sobre as transformações em seu entorno e sobre sua localização na cidade.

Na sequência, apresentaremos as características originais que, por vários motivos, não foram respeitadas, fazendo com que a paisagem atual fosse quase que totalmente uma descaracterização da original, em um período de tempo inferior a 100 anos, no início do século XX.

Bella Aliança – encampou a povoação junto ao rio Itajaí do Sul – antigo Südarm, território do atual município de Rio do Sul – década de 1930.

Um pouco de História – formação urbana no entorno da Igreja

Essa região não teve uma ocupação natural como os demais núcleos urbanos no entorno, mas foi incentivada pelo fundador da Colônia Blumenau, Hermann Blumenau, a partir de seus projetos privados e da abertura de novos caminhos para o interior de sua colônia privada, espacializada com o funcionamento de uma firma com foco na produção e seu escoamento internamente, para outras regiões do Estado e para fora deste, abrangendo outras regiões do Brasil.

Engenheiro prussiano Carl Wilhelm Emil Odebrecht

Economicamente, a região em que se situa a cidade de Rio do Sul, após a abertura dos primeiros caminhos a partir do Stadtplatz de Blumenau, tornou-se parte importante e entroncamento de rotas comerciais para o Planalto Serrano e para o Oeste do Estado de Santa Catarina. Isso aconteceu no ano de 1863, quando o engenheiro prussiano, Carl Wilhelm Emil Odebrecht ou Emil Odebrecht, juntamente com mais oito homens, fez sua primeira expedição com o objetivo de estudar a bacia do Itajaí-Açu e encontrar melhor traçado para construir uma estrada que ligasse a Colônia Blumenau a essas outras regiões. Nessa jornada, quem esteve junto de Odebrecht foi Basílio Correa de Negreiros, que fazia parte do grupo do engenheiro.

Em 1867, após voltar da Guerra do Paraguai, Odebrecht iniciou a abertura da picada de ligação entre a Colônia Blumenau e o Planalto Serrano. A ocupação da Colônia aumentava com a vinda sucessiva de levas de imigrantes alemães, levando ao aumento de produtos disponíveis para comercialização com os tropeiros do trajeto Curitibanos-Blumenau.

Após a abertura do caminho para o Planalto Serrano, traçado por Emil Odebrecht e que se estendia até Trombudo Central e Taió, atravessando o ponto de pouso conhecido como Südarm (Braço do Sul), o local foi escolhido por Hermann Blumenau para estabelecer a nucleação primitiva que deu origem à cidade de Rio do Sul atual.

Grupo de Emil Odebrecht e o início de sua 1ª expedição – Dia 14 de janeiro de 1863 – para fazer o levantamento da bacia do rio Itajaí-Açu com o objetivo de encontrar o caminho para a Serra, em direção a Curitibanos-SC. Retorna a Blumenau no dia 21 de fevereiro. O grupo era formado por 8 pessoas, entre elas, Hans Breithaupt e o futuro sogro, Heinrich Bichels. Não chegaram ao planalto, porque, por engano, subiram o rio Itajaí do Norte, ou rio Hercílio.

Inicialmente, em 1878, sob orientações de Hermann Blumenau, houve uma tentativa de colonização por colonos bergamascos e lombardos, em Matador, parte do território atual de Rio do Sul. A tentativa não teve êxito, devido aos ataques dos povos locais – tribos de botocudos xóklengs, com mortes simultâneas dos dois lados. José Siqueira, residente de Matador, derrubou a mata nas proximidades de Passo do Humaitá, no rio Itajaí do Sul (Südarm) e construiu uma casa provisória, de material tirado do próprio terreno, além de uma balsa no local onde atualmente está localizada uma rua de Rio do Sul, a Tuiuti. A balsa estava no local do rio Itajaí do Sul, e lá permaneceu durante o processo de povoação de Südarm, uma localidade do Distrito de Bella Aliança – mais afastada do rio e distrito de Blumenau.

Fotografia de Claudenir Mohr.

O imigrante alemão Franz Joseph Frankenberger, conhecido pelo nome “abrasileirado” Francisco, é considerado o primeiro morador de Bella Aliança e do Médio Vale do Itajaí. Frankenberger. Nasceu na capital de Unterfranken, norte da Baviera, na localidade de HiberhausenWürzburg, em 4 de outubro de 1856, cidade em que também foi prefeito. A região é muito católica. Frankenberger tinha comunicação e amizade com o padre José Maria Jacob, primeiro pároco de Blumenau, idealizador da Casa São José e do Colégio Santo Antônio, onde, é quase provável, trabalhou como professor, pois, em seu diário, aponta o dia de sua última aula em Blumenau antes de se mudar para o Alto Vale.

Depoimento do Diário de Frankenberger: No dia 14 de março de 1892 – “Estive com o Sr.Dr. no assunto da terra”. No dia 25 de março – “Assinei o contrato de compra com Schütz hoje e paguei a primeira prestação”. Dia 23 de maio: “Hoje lecionei a minha última aula (em Blumenau). No dia 7 de setembro – “Trabalhei pela primeira vez na minha colônia”. Dois dias depois escreve – “Fiz roça, plantei cebola”. Tradução do diário de Willy Hesthein. Assunto encontrado no livro de Rolf e Renate Odebrecht – nas Referências.

Frankenberger adquiriu terras diretamente com Hermann Blumenau, na localidade de Matador, a qual tempos depois tornou-se sede do distrito de Bella Aliança. Chegou na sua colônia em 7 de setembro de 1892. Construiu sua casa com material retirado de suas terras. Permaneceu no cargo por pouco tempo. Após um ataque indígena, com mortes, largou tudo e saiu da região com a roupa do corpo, deixando tudo para trás. A cidade que deixara na Alemanha era a capital de um Estado, e deve ter ficado muito assustado. No entanto, este incidente não impediu que no local que abandonou se desenvolvesse uma povoação, com a presença da igreja e da escola fundada pelos pioneiros. Para deixar o registro, quem construiu a primeira capela católica em Südarm foi Basílio Correia de Negreiros, em 1907, quando contava com  83 anos de idade.

Südarm – Braço do Sul – rio Itajaí do Sul, local onde atualmente é a sede de Rio do Sul. Na época em que foi publicado o mapa de José Deeke, 1905, não estava mapeada. Rio do Sul é uma cidade muito jovem para estar com quase nada de sua história presente na paisagem…
Terceiro balseiro do Südarm – rio Braço do Sul/Rio Itajaí do Sul, Basílio Correa de Negreiros. Basílio Correia de Negreiros nasceu em 1824 e faleceu em 4 de abril de 1909 com 85 anos de idade.

Ainda em 1892, a direção da Colônia Blumenau contratou Basílio Correa de Negreiros, auxiliado por seus filhos, João Basílio e Carlos Correa de Negreiros. Foram incumbidos de abrir um estabelecimento de passagem sobre Südarm, rio Itajaí do Sul, na estrada recém-aberta para Curitibanos. Os contratados receberam, por arrendamento, um lote de 25.000 m2, primeiro passo para a fundação do distrito Bella Aliança, cuja sede não era junto dos rios que formavam o Itajaí-Açu: Rio do Oeste e Rio Itajaí do Sul. O local da balsa, sob o ponto de vista econômico, era muito importante, por ser um entreposto comercial – conforme mencionado. Não demorou muito tempo para que mais famílias se fixassem na região, até mesmo membros da família do engenheiro Emil Odebrecht, como seus filhos Rudolf e Oswald Odebrecht. Basílio Correia de Negreiros tinha sua família morando em Apiúna, na época nominada Aquidaban. Lembrando que Südarm pertencia ao distrito blumenauense de Bella Alliança.

Bella Aliança – Bairro de Rio do Sul.

Com a criação do município de Rio do Sul em 15 de abril de 1931, o centro administrativo do distrito em Bella Aliança mudou-se para Rio do Sul e Bella Aliança, tornou-se um bairro da cidade.

As primeiras casas temporárias dos imigrantes que chegavam à nova povoação eram feitas com poucas ferramentas e materiais retirados do entorno. Eram construídas com capricho e repetiam a tipologia e a identidade das casas que conheciam em suas cidades natais. A volumetria era a mesma. O telhado coberto com pequenas tábuas beneficiadas manualmente, de madeira, fechamento feito com varas de bambus entrelaçados, formando um rendilhado diferente; e as cercas, também feitas com bambus amarrados no sentido horizontal, já com a presença de jardim e pomar.
No seu interior a presença dos poucos utensílios trazidos na viagem – na grande viagem para o Brasil.
Provável escola da região e as crianças.

Na Passagem de Humaitá, no rio Itajaí do Sul, desenvolveu-se uma nucleação urbana, com famílias descendentes de imigrantes alemães assentadas na sede da Colônia Blumenau.

Estátua de Basílio Correia de Negreiros na frente da Prefeitura Municipal de Rio do Sul, como “fundador da cidade”.

Basílio Correia de Negreiros, foi tido por muito tempo, erroneamente, como fundador de Rio do Sul, cidade na qual, na verdade, foi por 30 anos mateiro de Emil Odebrecht. Quando Negreiros se aposentou, e graças à experiência adquirida, recebeu um convite de Hermann Blumenau para o cargo de balseiro em Passo de Humaitá, Südarm, e prontamente aceitou. Conforme citado, sua família residia em Aquidaban, atual Apiúna.

“Quanto a ser Rio do Sul uma cidade fundada é, ao nosso ver, uma informação inconsistente. Relatamos acima sucintamente  a vida de Basílio e verificamos que ele nunca demonstrou intenção  de fundar uma colonização, um núcleo ou uma vila. Não encontramos fatos, mesmo de menor importância, que pudesse justificar ser ele considerado o fundador. Desde o dia em que se instalou, com 69 e 70 anos de idade, numa casinha de pau-à-pique, na margem do rio Itajaí do Sul, sem a família (esta continuou vivendo por muitos anos no Médio Vale – na barra do Ribeirão Basílio, onde possuía uma casa de madeira relativamente boa), exerceu o cargo de balseiro por contrato ou indicação da Prefeitura de Blumenau, assim como também, antes dele, outros haviam sido contratados com a mesma finalidade e que também se instalaram em abrigo improvisado no porto da balsa.” ODEBRECHT (2013).

Povoação de Südarm que surgiu junto ao Passo de Humaitá.
O estabelecimento de comércio geral, a Casa Odebrecht, de Otto Theodor Rudolph Odebrecht ou Rudolf Odebrecht, como era conhecido; o quinto filho, de 14 anos, do engenheiro Emil Odebrecht. Local em que está situada a Casa Odebrecht, pertencente à comunidade luterana. Rudolf era casado com Theodora Kleine – tiveram 5 filhos.
Sociedade de Rio do Sul com práticas culturais da comunidade alemã, aquela que fundou Rio do Sul e também a comunidade luterana local, com a presença do construtor da 3° Igreja.

A partir de 1912, Südarm passou formalmente a ser nominada com o mesmo nome do distrito de Blumenau, Bella Aliança, nome de origem italiana e que se reportava à figura da junção das águas do rio do Oeste com o rio Itajaí do Sul. Formavam o grande Itajaí-Açu, definitivamente importante para a Colônia Blumenau. Também nessa época, consolidava-se a colônia italiana liderada por Ermembergo Pellizzetti. Vamos estudar esta personalidade histórica regional e seus feitos históricos pontuais, para delinear as definições históricas na região.

A povoação que se desenvolveu junto à balsa do rio Itajaí do Sul, agora nominada Bella Aliança, em sua maioria era formada por famílias luteranas, descendentes dos imigrantes alemães da sede da Colônia.

O Território de Blumenau até 1930. Todos que nasceram até esta data, no território amarelo, eram blumenauense. Isso não mudou em 1930, mas em tempos diferentes, conforme a região e a política.

A história da Comunidade Luterana na cidade de Rio do Sul

Há indícios de que o pastor Leonhard Grau foi sepultado sob o altar da igreja que ajudou a construir.

Ao visitarmos o Arquivo Público Histórico de Rio de Sul, em agosto de 2017, encontramos parte dessa história “contada” em fotografias feitas por um dos pastores mais atuantes da história da comunidade de Bella Aliança – o pastor luterano Leonhard Grau. O líder religioso da comunidade, da então, Bella Aliança tinha a preocupação de registrar, a partir de fotografias, os acontecimentos de sua comunidade, com o mesmo objetivo que temos no presente, e com o intuito de materializar a história transcorrida em seu tempo, para um futuro próximo. Deixou, assim, esse patrimônio histórico em imagens que comunicam para a geração seguinte. Com base nessas fotos históricas e nas nossas, hoje podemos fazer algumas análises sobre a morfologia urbana (forma e estruturação da cidade), a ocupação do solo, e as mudanças relacionadas ao longo do século XX e início do século XXI.
Pode-se perceber o quanto foi permitido, dentro de um período de tempo inferior a 100 anos, e o que contribuiu para a mudança do perfil e identidade da cidade de Rio do Sul, sem se cultivar a tradição, e diferentemente da proposta urbana de suas primeiras décadas de existência, que seguia determinados critérios (de maneira empírica, mas secular).

Encontramos os nomes e datas desses primeiros pioneiros do início do século XX, no cemitério localizado aos fundos da igreja.

A Comunidade Luterana de Rio do Sul teve início no ano de 1921, quando era nominada Bella Aliança, a partir da formação de seu pastorado. Passados 9 anos, em 1930, possuía 160 famílias, somando aproximadamente 880 pessoas. As famílias, além de viverem no Stadtplatz de Bella Aliança (atual Rio do Sul), também residiam nas nucleações de Matador, Lontras, Cobras, Lauterbach, Trombudo Central, Pombas, Trombudo Grande, Taió, entre outras comunidades menores, localizadas na região próxima, parte do grande território da Colônia Blumenau.

Os primeiros pastores da comunidade que acompanharam sua formação e a construção das primeiras igrejas, entre elas, a igreja cuja tipologia arquitetônica será aqui avaliada, foram:

• Pastor Emil Hahn – 1920 – 1924;
• Pastor Anton Poeschl – 1924 – 1925;
• Pastor Hermann Stoer – 1929 – 1930;
• Pastor Leonhard Grau – 1926 – 1936 (autor das valiosas fotografias da comunidade apresentada);
• Pastor Hermann Stoer – 1929 – 1930.

A comunidade luterana das inúmeras povoações da Colônia Blumenau foi mais forte, e teve seus primeiros templos construídos antes dos templos católicos em muitas das localidades, a exemplo do próprio Stadtplatz da Colônia Blumenau. Isso aconteceu porque a maioria das famílias alemãs pioneiras e fundadoras eram dessa religião, das quais surgiam as primeiras lideranças locais.

Paisagem da cidade de Blumenau a partir dos altos da localização da Igreja Luterana do Stadtplatz – tempo contemporâneo ao pastor Grau, autor da fotografia.

No início do século XX, a comunidade possuía uma casa paroquial de madeira, onde também eram ministradas as aulas de ensino confirmatório, localizada na parte mais alta do lugar, com vista para os rios e a cidade.

As povoações, que surgiram quase simultaneamente, foram: Bella Aliança, com a presença da residência do Frankenberger; depois Lontras, Matador e Cobras. Em determinado período histórico, foi criado o distrito de Blumenau – Bella Aliança, que tinha como território a soma da região em que estava a residência de Frankenberger e a da balsa – Südarm. Convenientemente, com a criação do município de Rio do Sul, o centro administrativo do distrito localizado em Bella Aliança passou a ser no local em que estava a balsa, ou seja, Rio do Sul. A antiga sede do distrito tornou-se, então, um bairro do município recém-emancipado de Blumenau.

A localização da centralidade de Bella Aliança junto ao rio Itajaí do Sul e entre as igrejas luterana e católica. Esta centralidade não existe mais na atualidade. Foi “deslocada”.

O caminho e principal acesso à igreja luterana de Rio do Sul, construído quando o local era nominada Bella Aliança, não completou 100 anos e se encontra estrangulado e sem importância dentro da atual acessibilidade.

A arquitetura histórica e o significado do templo religioso dentro da cidade atual perderam o significado de outrora. A partir do local da igreja, não é mais possível contemplar a centralidade da cidade; não é mais ponto focal, nem referência visual na paisagem, conforme era, na década de 1930, questão importante para a locomoção das pessoas nos espaços da cidade.

A arquitetura religiosa e história das igrejas da Comunidade Luterana de Rio do Sul

No início do século XX, a comunidade luterana de Rio do Sul possuía uma casa paroquial de madeira, onde também eram ministradas as aulas de ensino confirmatório. Nesse espaço, também aconteciam os cultos da comunidade; por isso, a chamaremos de 1ª Igreja da Comunidade.

A edificação mostra as características do pioneiro: morar e praticar suas atividades a partir da arquitetura, mesmo que com restrições e limitações. Observamos o detalhe do guarda-corpo da varanda frontal, a elevação da construção do solo com base em pilaretes para evitar umidade e bichos, as cortinas na janela desprovida de vidro, a cobertura de folha de palmito em uma estrutura de telhado bem característica, com acentuada inclinação dos panos; e a volumetria dotada de grandes referências responsáveis pela identidade das cidades na Alemanha e também no Vale do Itajaí, tão pouco valorizadas como memória, no momento presente.

Depois, foi construída a 2ª Igreja, também em madeira – felizmente fotografada pelo pastor Leonhard Grau. Esta tinha a tipologia de uma igreja com torres e sinos. Foi construída por volta de 1908, pelos primeiros moradores da povoação. No início, era coberta com folhas de palmito, tendo sido ampliada três vezes.
Em 1920, foi construída a casa pastoral. No dia 5 de novembro de 1920, foi consagrada como a primeira igreja da comunidade de Rio do Sul, tendo, por motivos políticos e econômicos, uma torre não muito comum nas igrejas da região.

Emocionamo-nos quando vimos este registro. A imagem mostra a identidade de como viver e fazer suas práticas em terras longe de sua terra natal, desprovidas de materiais adequados. Esse contexto não os impedia de construir, com precariedade, mas com a identidade de suas cidades, tipologias com a forma que conheciam e que comunicavam, mesmo que com outro material, como a madeira – abundante na região, nessa época.

Uma das principais características da 2ª igreja da comunidade luterana de Rio do Sul foi possuir a torre-campanário. Também apresentava, em alto relevo, o escudo de Lutero na porta principal, juntamente com a rosa característica.
Na entrada, estava a estátua de Cristo, em madeira, uma cópia de Thorwaldesen, assinada pelo escultor Josef Teichmann, do Stadplatz de Blumenau, terceiro regente do coro masculino Liederkranze e pai de Erwin Curt Teichmann – artista, designer e escultor de Pomerode. O altar dessa igreja era formado por três paredões de madeira escura, separados por pilastras estreitas com línguas de fogo, além do candelabro e do crucifixo.

Enfeitada para o evento de Confirmação do ano de 1927.

Não demorou muito tempo para surgir a ideia do projeto da 3ª igreja da comunidade luterana de Rio do Sul. Em 1927, foi colocada a pedra fundamental e sua construção demorou seis anos. Foi inaugurada no ano de 1933, quando o pastor Leonhard Grau era o pároco da comunidade. A seguir, mais informações sobre esta história.

Arquitetura 3° Igreja da Comunidade Luterana de Rio do Sul

As igrejas construídas nas comunidades do Vale do Itajaí, nas primeiras décadas do século XX, quase em sua totalidade seguiam o estilo Romântico (século XIX), com características do Neogótico.
A arquitetura romântica restaura o gótico com influência dos estilos exóticos, tais como chineses, árabes, hindus combinados, culminando em um ecletismo no qual a preocupação de efeitos decorativos tem mais importância do que as finalidades práticas do edifício e a lógica de sua estrutura.
Imbuídos desse sentimento, os primeiros arquitetos e construtores projetaram as primeiras igrejas no grande território da Colônia Blumenau, atual Vale do Itajaí.

Igreja construída no Alto Vale do Itajaí, interior da Colônia Blumenau – As características, além da estrutura em enxaimel, são a verticalidade e a presença da torre – predominante em sua fachada principal. Ilustramos o texto anterior com essa fotografia por ela ser de autoria do pastor Grau e uma das poucas igrejas construídas com a técnica do enxaimel vistas por nós, mesmo que saibamos que todas as igrejas construídas com madeira, nesse período, fossem dotadas de uma estrutura Fachwerk. E também seu fechamento em madeira, como existem muitas outras construídas pelas famílias de descendentes de alemães no Oeste do Estado de Santa Catarina, ignorando o material com a linguagem do estilo romântico – adotado por seus antepassados no Brasil e na Alemanha. Desconhecemos o local em que essa igreja foi construída. Fotografia do Pastor Grau.

Não foi diferente quando analisamos a linguagem arquitetônica da 3ª igreja da comunidade Luterana de Rio do Sul, cujo projeto foi assinado pelo arquiteto Meinecke, de Blumenau, e a obra foi executada por Franz Strube, da própria comunidade. Outros membros da comunidade participaram do “mutirão”, de maneira direta ou indiretamente, independentemente das possíveis diferenças entre si.

Resquícios do local do Campo de concentração, no atual Campus da UFSC.

O construtor da igreja, Franz Strube, foi preso de guerra no período do Nacionalismo e faleceu em seu cativeiro – Campo de Concentração da Trindade – em Florianópolis, capital de Santa Catarina. Ainda há resquícios de alguns dos prédios desse campo no bairro Trindade, onde está instalada a equipe de segurança do campus da UFSC. Franz era casado com Martha Strube.

A construção da 3ª igreja

A construção da 3ª igreja da comunidade luterana de Rio do Sul foi decidida em Assembleia Geral, que aconteceu no dia 23 de agosto de 1927. Nessa mesma assembleia foi formada a comissão de construção: João Hoffmann, Helmuth Letzow, Emil Altenburg, Oswald Odebrecht (filho de Emil Odebrecht), Otto Zoschke, Oswald Hadlich, Franz Dietrich e o pastor-fotógrafo Leonhard Grau.
A tradicional Festa da Cumeeira foi comemorada no dia de Ascensão em 1931, e sua inauguração aconteceu no dia 5 de novembro de 1933, quando foi batizada como “Igreja de Cristo”.

A localização

Curiosamente, a igreja não tem mais em sua fachada os 4 relógios existentes em seu projeto original. Quando será que foram retirados e colocadas no seu lugar janelas com venezianas fixas?

Sua torre era visível em toda parte e lugar dentro do Stadtplaz de Bella Aliança – atual Rio do Sul.
Observando as fotografias do Pastor Grau percebemos que a comunidade da época tomou esse cuidado ao escolher o local de sua igreja.

Essa espacialização urbana foi totalmente desvirtuada com o adensamento e ocupação desordenada do solo. Aconteceu sem a atenção pautada em critérios respeitados na espacialização do primeiro núcleo urbano de Bella Aliança – atual cidade de Rio do Sul.

Hoje, a torre da igreja se encontra “escondida” dos transeuntes das principais vias que formam a estrutura e os espaços públicos da Rio do Sul atual. Mesmo sendo uma distância pequena, optam por ir à igreja de carro. Durante esta pesquisa, fizemos todo o trajeto a pé – é um caminho bucólico e muito bonito.

A arquitetura histórica e o significado do templo religioso dentro da cidade atual perderam o significado de outrora. Do local da igreja, não é mais possível contemplar a centralidade da cidade; não é mais ponto focal e nem referência visual na paisagem, importante para a locomoção nos espaços citadinos.

A vista do pátio para a cidade tem bloqueios visuais.
Sem vista para a cidade.
Residência do Pastor.

Atualmente, o endereço da igreja é a Rua Rui Barbosa, centro da cidade de Rio do Sul. Observando a cidade do alto do local onde ela está, observamos que outras referências urbanas importantes dentro da cidade também foram “estrangulados” pelo adensamento desordenado, como, por exemplo, a ponte ferroviária dos arcos, em outras épocas visível a longa distância, inclusive da igreja.

Quando se consegue ver a cidade, a vista mostra o crescimento desordenado.
Essa paisagem, na atualidade não apresenta esse conjunto e percepções visuais. A igreja está no mesmo local, porém não é mais visível da cidade e tampouco a ponte ferroviária dos arcos, construída com arte e personalidade para marcar visualmente a paisagem da cidade e tornando-se um dos pontos focais de referência. Atualmente está “sufocada” no meio de construções desconexas que surgiram posteriormente, sem uma reflexão na escala da cidade e seu impacto na paisagem preexistente.

As imagens comunicam.

Positivamente, encontramos, com muito respeito, os nomes e datas referentes aos primeiros membros da comunidade luterana de Bella Aliança – atual Rio do Sul. Membros das famílias que ajudaram a construir e participaram dessa comunidade, no bem cuidado cemitério localizado ao lado lateral esquerdo da 3ª igreja da comunidade.

Detalhe arquitetônico – estilo romântico – com predominância das características góticas.

Interior da Igreja

Tapete feito com peças exclusivas de ladrilho hidráulico, percorre uma nave central situada ente duas fileiras de colunatas e termina no altar feito em madeira canela, na frente de uma parede com três janelas com vitrais acabadas com arcos botantes ou lanceolados, também presentes na porta de acesso, caracterizando o Neogótico.

Órgão construído pelo alemão Siegfried Schürle. Esse Orgelbaumeister veio para o Brasil a convite da firma G.Reeps. tendo migrado para a cidade de São Bento do Sul. Quando quis retornar para a Alemanha, foi impedido pela eclosão da 2ª Guerra Mundial. Em São Bento do Sul, montou uma oficina nos fundos da igreja luterana, onde construiu um órgão mediante contratação e, após instalá-lo, montou sua oficina, permanecendo no local. O Orgelbaumeister teve apoio da marcenaria das Indústrias Augusto Klimmek.

Se procurar um bom local e ângulo, ainda se consegue um foto desse ponto focal de Rio do Sul. É um pouco difícil, mais ainda se consegue.

As referências materializadas na paisagem da cidade, variáveis de uma para outra, são responsáveis pela identidade, não de uma pessoa, mas de uma sociedade, sendo de extrema importância ao ser humano. As paisagens – urbanas ou rurais – são impregnadas de informações e da essência das práticas de uma sociedade no espaço, enquanto essa sociedade nele permaneceu. Tais informações fazem parte da história e do inconsciente da comunidade, que se sente confortada, em segurança e “em casa” quando as sente. É questão de saúde pública, educação e conforto mantermos esses referenciais no espaço, o que não está ocorrendo nas cidades brasileiras, no momento. Esses desajustes afetam a psique do homem e contribuem para muitos dos desajustes urbanos e humanos, creditados somente aos problemas socioeconômicos existentes no País. O espaço, bem ou mal resolvido, tem influência na sociedade que nele vive.
A realidade de outras cidades fora do País, de outros países como, Chile, Uruguai, Argentina, e a terra dos antepassados de Bella Aliança – Alemanha e Itália – é outra.

Um registro para a História.

Referências

  • BLOGOSLAWSKI, Ilson P. R. A escola alemã no Alto Vale do Itajaí: sociedade escolar – Colônia Matador, 1892­1930. Rio do Sul: Nova Era, 2002.
  • CARDOSO, Alfredo Emanoel. Rio do Sul 1931 – 1984. Rio do Sul: Prefeitura Municipal de Rio do Sul, 1984. 83 p.
  • CARDOSO, A. M. Compêndio histórico e geográfico de Rio do Sul. 1ª Ed. 1984.
  • COLAÇO, Thaís Luzia; KLANOVICZ, Jó. Urbanização. In:
  • KLUG, João; DIRKSEN, Valberto. Rio do Sul: uma história. Rio do Sul:Editora da UFSC, 1999. Cap. 3. p. 121-149.
  • DAGNONI, Cátia. Colonização de Rio do Sul: alemães e italianos. In: Rio do Sul: nossa história. Rio do Sul: Jawi; Fundação Cultural de Rio do Sul; Arquivo Histórico. 2000. Tomo
    II, n.6.
  • DAGNONI, Catia; WARTHA, Rodrigo. Rio do Sul: da Colonização à Emancipação 1892-1931. Rio do Sul: Nossa história em revista, Rio do Sul, v. 13, n. 1, p.09-21, 1 mar. 2011.
  • FINARDI, J.E. Vários artigos históricos sobre o Vale do Itajaí. Blumenau em Cadernos, 1976 a 1987.
  • ODEBRECHT, Rolf. Capítulos da História do Rio do Sul/ Rolf Odebrecht e Renate S. Odebrecht – Blumenau: Nova Letra, 2013. 248p. :il.
  • POLEZA, Maristela M. Mudanças na estrutura urbana de Rio do Sul em decorrência das enchentes de 1983. 2003. 300 f. Dissertação (Mestrado, Programa de Pós­Graduação em Desenvolvimento Regional). Fundação Universidade Regional de Blumenau. Blumenau, 2003.

Leituras complementares:

• Arquitetura religiosa – Sob a ótica da cultura regional – Vale do Itajaí.
• Cemitério – local de visitação e História – Também em Blumenau.
• Catedral São João Batista – Rio do Sul SC.
 Arquitetura – A presença do brutalismo em Rio do Sul SC – Esporte Clube Concórdia.
• Arquitetura – 5 Edificações do Patrimônio Histórico Arquitetônico – Rio do Sul SC.
• Estação Ferroviária da EFSC – Cidade de Rio do Sul.

Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
@angewittmann (Instagram)
@AngelWittmann (Twitter)

 

Agenda:

  • Dia 14 de abril, palestra sobre enxaimel – Rio do Sul SC

  • Dia 10 de maio estaremos lançando o Livro “Fragmentos Históricos Colônia Blumenau – Arquitetura * Cidade * Sociedade * Cultura Volume 1″ no espaço Cultural da Assembleia Legislativa de Santa Catarina – ALESC, Florianópolis.