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Josué de Souza: “Estamos a cada dia mais próximos do século XVI”

Colunista comenta sobre riscos de crenças terem mais valor que ciência

O cenário da Covid-19 escancara um fenômeno que há muito enfrentamos. O descrédito da ciência e o ressurgimento de crenças anticientíficas ou até, pré modernas. Nos últimos anos, pululam terraplanismos, movimentos anti-vacinas, escola sem partido, negacionismo do aquecimento global, entre outros. Para estes movimentos, crenças pessoais possuem mais valor do que evidencias científicas na compreensão da realidade.

O surgimento deste fenômeno pode ser interpretado como parte das características da pós-modernidade. Sobretudo no que se refere às transformações das grandes narrativas como a ciência e a religião. Segundo o geógrafo britânico David Harvey (1998) neste período ocorre a morte dos grandes discursos totalizantes, que tendem a tornar-se heterogêneos, aceitando a contribuição de diferentes preleções filosóficas e religiosas.

Em outras palavras, assistimos à relativização da ciência como verdade última. Passa a ser aceito que a ciência só é mais uma narrativa. Surgem ou ressurgem explicações da realidade mais variadas possíveis. Uma série de fragmentos culturais que o indivíduo utilizará como matéria prima na compreensão do seu modo de vida. É a crise do iluminismo e da razão.

Cenário que se intensifica com surgimento e a popularização das redes sociais. Nas redes, cada indivíduo torna-se especialista no assunto surgido nos últimos quinze minutos. É a sacralização do senso comum! Especialistas de “última hora em busca das novidades antigas dos últimos tempos da última semana” (Titãs, 2001).

Este período provoca também alterações na esfera política. A imagem ganha preponderância sobre a realidade. Vale muito menos os fatos, muito mais a narrativa sobre eles. Ganham proeminência lideranças políticas legitimadas por interpretações à realidade. Questionam a democracia, os direitos humanos e a solidariedade. Surgem legitimados por meias verdades, ou verdadeiras mentiras. É a supremacia da estética sobre a ética.

O problema é que em uma realidade de incertezas produzidas pela pandemia, o maior problema é a falta de confiança e previsibilidade. Precisamos da ciência para nos guiar, e dos governos para tomarem medidas de regulação social. Porém, o que assistimos é um diário digladiar entre a razão e o senso comum, o moderno e o arcaico, as luzes e os dogmas, a verdade científica e a mentira, a solidariedade e a intolerância. No início de 2020, estamos a cada dia mais próximos do século XVI.