Josué de Souza

Cientista social e professor, é autor do livro Religião, Política e Poder, pela EdiFurb.

“No Brasil de 2020, defender as ciências humanas é defender a democracia, o conhecimento e a modernidade”.

Colunista comenta sobre as recentes declarações do ministro da Educação em manifestação pró-Ditadura

No último domingo, em visita a uma manifestação de pessoas que pediam a ditadura – sim, eles se manifestam democraticamente para pedir uma ditadura – o ministro da Educação afirmou que “não quer mais” sociólogo, antropólogo e filósofo com “o seu dinheiro”, ou com recursos vindos de impostos.

Como já apontamos aqui quando tomou posse, Abraham Weintraub é uma versão piorada do seu antecessor. É a expressão do que há de mais arcaico no governo Bolsonaro. Sua oposição às ciências sociais não é um fato isolado.

Primeiro é preciso compreender que as ciências sociais são herdeiras do capitalismo e da democracia. Ela surge no século XIX, no rastro histórico e intelectual provocado pelo Iluminismo, pela Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Assim, o fazer das ciências sociais é procurar compreender como a sociedade moderna se produz e reproduz. Ser contra as estas ciências é ser contra a própria modernidade.

A disciplina surge no currículo escolar brasileiro pela primeira vez em 1903. Era prevista na reforma de Benjamim Constant, porém começa de fato a ser lecionada somente em 1925 no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro. Fortemente influenciada pelo positivismo, a Sociologia teria a missão de construir e contribuir com os ideais republicanos, em contraposição à ordem anterior que se fundamentava no poder monárquico e ideias advindas da teologia.

De lá pra cá, a disciplina sofre um vai e vem nos currículos. Em 1930, com o Governo Democrático de Getúlio Vargas, ocorre um movimento de ampliação na oferta. Desejava-se a formação humanista para os estudantes. Quando o Governo Vargas torna-se autoritário, a obrigatoriedade da disciplina é reduzida.

Com o golpe de 1964 os militares proíbem o ensino de sociologia e filosofia nas escolas. Professores secundários e universitários foram presos, cassados e aposentados compulsoriamente. Filosofia e Sociologia são substituídos pelas disciplinas de Educação Moral e Cívica – EMC e Organização Social e Política do Brasil – OSPB.

Especialistas na área apontam que a substituição da disciplina deu-se devido a um projeto maior que visava construir um ideário fascista. Em 1988 com a Nova República e com a implementação da Constituição Cidadã, renasce um longo debate em torno da obrigatoriedade do ensino de sociologia e filosofia.

Realidade que vai efetivar-se no ensino médio em todo o país, somente em 2006. Dez anos depois, em 2016, quatro meses depois do afastamento de Dilma Rousseff da presidência, não por acaso, a disciplina tem sua obrigatoriedade flexibilizada através de uma medida provisória de Michel Temer.

Desde então, a área vem amargando cortes, perseguições e ameaças de censuras.
A declaração de Weintraub contra as ciências humanas em uma manifestação que pede a ditadura não é contraditória. Muito menos impressiona com dois SS. O ministro da Educação é uma espécie de pitbull ideológico do governo Bolsonaro. Sua posição combina com frases como “eu odeio povos indígenas” e “odeio povos ciganos”.

Nesses tempos difíceis é preciso lembrar dos ensinamentos do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Ele diz que a sociologia é uma ciência que incomoda, pois tende a interpretar os fenômenos sociais de maneira crítica. A turma do Bolsonaro não quer sociologia nas escolas e nas universidades porque, ela, na mão dos de baixos, como diria Florestan Fernandes, torna-se uma arma de guerra que denuncia os mecanismos de dominação em uma sociedade injusta, marcada pela desigualdade e pelo racimo.

No Brasil de 2020, defender as ciências humanas é defender a democracia, o conhecimento e a modernidade.

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