Josué de Souza

Cientista social e professor, é autor do livro Religião, Política e Poder, pela EdiFurb.

“Sejamos sinceros: não há nova política, nunca houve”

Para colunista, práticas do início do governo Bolsonaro repetem as que o Brasil já conhece

Nunca houve nova política

O início de 2019 ficará marcado por uma paradoxo: o auge e o crepúsculo da chamada “nova política”. A alcunha foi criada por Marina Silva em 2014, incorporada por candidatos nas eleições seguintes que se apresentavam como novidade no cenário eleitoral.

Se retrocedermos no tempo, a nova política é o rescaldo das manifestações de junho de 2013. Uma série de levantes populares nas principais cidades brasileiras. Inicialmente, contra os aumentos nas passagens de ônibus, mas que, com o tempo, ganharam adesões de outros movimentos e transformaram-se em manifestação contra a Copa do Mundo de 2014.

As manifestações, no início, eram convocadas pelo Movimento Passe Livre. Um movimento social que apresenta-se como “autônomo, apartidário, horizontal, independente, e que luta por transporte público gratuito e fora da iniciativa privada”.

Assim que iniciou, como todas as manifestações por direitos sociais, foi duramente reprimida pela polícia e pela imprensa. Mas, com a adesão de outras pautas, sobretudo, turbinada por uma declaração do Ronaldinho Fenômeno, de que não se fazia Copa do Mundo com hospitais, a narrativa sobre as manifestações se inverteu.

A imprensa, a polícia e a opinião pública em geral passaram a apoiar o levante. Apesar da diversidade de pautas, as manifestações tinham um fio condutor. O dinheiro dos tributos não deveria ser aplicado em outra coisa a não ser em serviço para a população.

Como todo acontecimento político, 2013 passou a ser disputado pelas mais diversas forças políticas. Com o cansaço das administrações petistas, o rescaldo das manifestações passou a ser disputado pelas forças de centro e de direita. A nova política, é portanto, multipartidária de origem. Apresentava-se também diversa nos programas e projetos. Soava forte apenas ser contra tudo que existia.

No trilho desta disputa, o auge foi outubro de 2018. Como nunca, as eleições mobilizaram discussões apaixonadas. Uma campanha morna no início tomou corpo, legitimou como representante da nova política o carismático candidato Jair Messias Bolsonaro. Cerca de 55% dos votos, mais de 57 milhões.

Um político que há 27 anos ocupava uma vaga na Câmara dos Deputados sem aprovar praticamente nada. No discurso de campanha, o Mito prometia compor um governo técnico, duro com a corrupção e que colocaria os interesses do povo brasileiro acima de tudo.

Passados pouco mais de 50 dias, o capitão derreteu. De técnico, seu governo não tem nada. O governo Bolsonaro é ideológico, talvez o mais ideológico dos governos brasileiros. Os elementos para isso vão desde as declarações de seus ministros até a negação dos fatos quanto à formação técnica deles. Tem até ministra que, de formada em Direito, passou a ser mestre em Bíblia.

O ministro do Meio Ambiente, que se apresentava como um quadro formado na Universidade Yale, nunca foi matriculado lá. Quanto ao combate à corrupção, o presidente, como também sua família, já encontram-se enrolados. Isso sem contar que seu partido, o PSL, é proprietário de um laranjal de candidaturas. Tudo isso com o cúmplice silêncio do superministro Sérgio Moro.

O curto período de governo Bolsonaro talvez já nos aponte uma verdade. Bolsonaro e seu governo serão o fim da chamada nova política. Até porque, sejamos sinceros: não há nova política, nunca houve.

Seus representantes, ou ao menos os vencedores da disputa de 2018, são os mesmos. Não em nomes, mas suas práticas. Foram apenas os que conseguiram surfar na onda de 2013 e entregam agora em 2019 o inverso do clamor daquele levante. Um estado cada vez menor, e que atende, cada vez mais, a uma minoria da população. Os que moram no andar de cima da sociedade.

Josué de Souza escreve sempre às terças-feiras

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