As águas dos nossos rios
Na metade das vezes que vejo na TV ou em qualquer outro lugar uma imagem de Blumenau, Rio do Sul, Itajaí ou Brusque, com seus rios e a imagem é dita como linda, tenho vontade de gritar: É FAKE! Linda coisa nenhuma! Como pode ser linda a cena de uma bela moça (ou rapaz) em pleno sofrimento de hemorragia? Pois isso acontece com os nossos cursos d’água. Quando chove, suas águas excessivamente barrentas denunciam nada menos que a triste condição de hemorragia da paisagem.
Aprendi com um sábio mestre, o professor alemão Harald Sioli, que os rios são o sistema renal da paisagem. A química, ou o quimismo das águas dos rios são reflexo das condições geológicas, de solo, clima e vegetação da bacia hidrográfica em que eles estão inseridos. É por isso que há rios de águas mais ácidas, outros com águas mais básicas, por exemplo.
Era observando os sedimentos de um rio que os antigos (e mesmo hoje em dia), descobriam se mais acima tem metais preciosos ou muitos outros elementos de interesse para mineração.
Assim como os exames de urina rotineiros para averiguação de nossa saúde revelam muito do que acontece dentro de nossos corpos, a análise do aspecto visual e da físico-química das águas revela muito do que está acontecendo numa bacia hidrográfica. Águas barrentas podem até ser normais em alguns casos, principalmente quando chove forte e ocorre uma enchente.
As águas extremamente barrentas, como a de nossos rios, mesmo em ausência de enchente, no entanto, correspondem, quase sempre, a uma terrível anomalia, como se fosse um forte e persistente sangramento detectado em nossa urina. Situação absolutamente anormal, portanto.
Nossas águas muito barrentas dificultam, encarecem e muitas vezes inviabilizam temporariamente os tratamentos de água para uso público, como acontece com cada vez mais frequência em algumas cidades do Vale. Mas não é apenas isso. Essa lama também revela que estamos perdendo rapidamente a fertilidade de nossos solos, que a natureza levou milhares de anos para formar, assoreia os cursos d’água, aumentando os danos das enchentes e enxurradas.
Isto obstrui os canais de acesso e evolução aos portos de Itajaí e Navegantes, que necessitam de periódicas e caríssimas dragagens de manutenção, aumentando seus custos operacionais.
Podem prejudicar a pesca marítima e diminuir drasticamente a vida útil de barragens, como a de Botuverá que nem construída ainda foi, mas tem previsão de vida útil para seu volume morto de apenas 30 anos, quando deveria ser uma vida útil de séculos, e por aí vai.
Nenhum médico faz transfusão para repor o sangue sem tentar estancar a hemorragia do paciente. Quando se trata da hemorragia de nossas paisagens, visíveis no aspecto extremamente barrento de nossos rios, os governos precisam, urgentemente, como os médicos, atacar as causas, não as consequências.
Devastação criminosa que acontecia no passado em muitos dos morros com fragilidade geológica do vale do Itajaí, caso da região desta foto nas cabeceiras do rio Jundiá, em Apiúna, na frágil Serra do Itajaí, em 1983.
O rasgar de estradas para exploração madeireira causou uma das maiores erosões que se tem notícia no vale. Deslizamentos de terra medindo mais de 100 m de largura por mais de 150 m de profundidade não eram raros. Um eventual caminhão nessa foto mal passaria de um ponto na paisagem.
Os entulhos acumulados nos fundos dos vales, levados pelas enxurradas, causaram a destruição de cerca de 10 pontes em Apíúna. Com as enchentes de 1983 e 1984 o porto de Itajaí precisou ser dragado. Lucro privatizado, prejuízo socializado.
O avanço de devastações como essa foi estancado pelo Decreto Presidencial 750 de fevereiro de 1992, que proibiu o corte da Mata Atlântica em todo o Brasil e pela criação do Parque Nacional da Serra do Itajaí, em junho de 2004. Foto aérea de Lauro Eduardo Bacca em 08/03/1983.
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