A lenda do Pelznickel: conheça a história do papai noel do mato e suas versões pelo mundo
Personagem é uma tradição que veio para o Brasil com os imigrantes europeus
Em locais com imigração alemã, como é o caso de Guabiruba, na época do Natal, quem aparece é o Pelznickel, um bicho coberto de folhas ou trapos e com chifres que assusta não só crianças, mas também adultos.
A história por trás do personagem é longa e envolve vários personagens. Uma pesquisa publicada pelo historiador Álisson Castro e um artigo escrito pela professora Rosemari Glatz trazem elementos dessa lenda que é tão famosa na região.
Segundo Castro, os personagens natalinos estão ligados ao cristianismo e o Pelznickel principalmente a São Nicolau, o santo ecumênico.
O pesquisador explica que na Idade Média, a relação entre o homem e Deus era de temor, já que Deus usava de demônios para punir os pecadores. Contudo, o homem poderia recorrer à ajuda de anjos e santos, como São Nicolau. Mas o que o santo tem a ver com o Pelznickel?
São Nicolau nasceu em Petara, cidade de Lícia, na Ásia Menor, em 15 de março de 270 depois de Cristo e faleceu em Mira, em 6 de dezembro de 343, aos 73 anos de idade. Ele é considerado um santo ecumênico porque se estabeleceu em diferentes contextos e períodos ao longo da história. Castro diz que a maioria dos rituais sobre ele apresentavam a vitória do santo sobre o diabo.
E o que ele tem a ver com o Natal? O pesquisador sugere que essa ligação seja por conta dele ser um presenteador. Os presentes recebidos no Natal seriam uma generosidade do santo. Além disso, explica que o ato de presentear alguém no Natal está ligado aos presentes que o Menino Jesus recebeu dos três reis magos após o nascimento.
Em seu artigo, Glatz conta que Nicolau era conhecido por ajudar as pessoas. Ele dava moedas e pepitas de ouro para as crianças pobres, até que elas poderem se sustentar sozinhas.
No estudo de Castro, ainda se diz que para que não parecesse bondoso demais, o santo tinha um lado severo, que batia com varas e chicotes em quem não se comportava.
No entanto, no artigo de Glatz, a informação é de que esse comportamento é realizado pelo servo de São Nicolau, o Ruprecht, que acompanha São Nicolau. Ele não era assustador como o Pelznickel, mas trazia muitas vezes uma vara ou um molho de galhos secos, só que não machucava ninguém.
Pelznickel: uma versão macabra
Segundo Castro, a reforma protestante tentou amenizar a figura de que São Nicolau seria malvado e puniria os que não comportassem. Porém, os demônios sempre foram utilizados nas encenações religiosas, daí a característica macabra do Pelznickel.
Antes dos protestantes, foi tentado criar um personagem que distribuísse presentes como um elemento inofensivo. Aliado a história de São Nicolau, em muitas regiões surgiu uma figura episcopal acompanhada de um demônio que procura famílias para recompensar o bom comportamento das crianças.
A partir daí, surgiram variantes de São Nicolau pelo mundo, especialmente na Europa, como a figura demoníaca do Krampus, na Áutria, e a do assustador Pelznickel.
Na região do estado de Baden, na Alemanha, ficou conhecida a figura do Pelznickel ou Belzenickel, que seria o mesmo que o servo de São Nicolau. Segundo Glatz, que entrevistou o alemão Lothar Wieser, morador da região alemã, o nome vem do alto-alemão médio “pelzen”, que significa bater.
O Pelznickel pelo mundo
A imagem do Pelznickel varia conforme a região onde ele está inserido, assumindo diversas aparências e personalidades pelo mundo. Conheça algumas delas:
Krampus
Na Áustria, ele é o Krampus. A aparência é mais diabólica e nas histórias o descrevem como metade cabra e metade demônio. A sua função é punir as crianças mal comportadas.
As pessoas colocam roupas que imitam pele de animais e chifres e passam pelas ruas com correntes e sinos para avisar que estão chegando.
Segundo uma reportagem da BBC, a lenda diz que ele usava um chicote para bater nas crianças e ainda as colocava dentro de um cesto, chegando a engoli-las em alguns casos.
O Krampus tem uma presença maior na Áustria e geralmente aparece no dia 5 de dezembro, na véspera do dia de São Nicolau. No entanto, também é celebrado em festas de rua em Baviera, na Alemanha, no norte da Itália e também em cidades dos Estados Unidos. Na Polônia, é conhecido por Grumphinckel.
Père Fouettard
Na França, existe o Père Fouettard. Segundo um jornal da cidade francesa de Lorrain, sua aparência é a de um homem de barba negra que usa botas e um casaco grande. Ele tem um chicote ou um ramo na mão para bater em crianças. A passagem dele coincide com a de São Nicolau, personagem o qual ele acompanha.
Klaubaufgehen
No estado de Tirol, na Áustria e na região Trentino-Alto Ádige, na Itália, o personagem é conhecido por Klaubaufgehen.
Segundo uma publicação da Universidade de Innsbruck, o Klaubauf acompanha São Nicolau. A aparência dele é de um homem com casaco preto ou marrom, usando uma máscara de madeira ou de alumínio. Nas costas, há vários sinos.
Na cidade de Matrei, em Tirol, existe um museu dedicado ao Klabauf.
Zwarte Piet
Na Holanda, o ajudante de São Nicolau é o Zwarte Piet. Segundo o National Geographic, o personagem se popularizou em um livro infantil no século XIX e pode ter sido inspirado em um escravo.
Antes do país abolir a escravidão, era comum alguns nobres darem crianças negras escravizadas de presentes. Elas são mostradas em pinturas com roupas semelhantes às de Zwarte Piet, que é uma pessoa com brincos de ouro e lábios grandes.
As pessoas que se vestem de Zwarte Piet pintam o rosto de preto e por isso o objetivo dos ativistas é eliminar o blackface das celebrações por ser racista e remeter à escravidão.
Clube Boerwangs Klausen
Na Alemanha, há um clube chamado Boerwangs Klausen, criado em março de 2006, que mantém a tradição do Klausen, em Börwang. O grupo conta com cerca de 100 membros, composto por Klausen e por Bäberle, uma outra lenda da região.
O objetivo do grupo é cultivar a tradição e mantê-la viva a longo prazo. O ritual em Börwang conta com o Klausentreiben, um evento fixo nos eventos antes do Natal que é celebrado no dia 5 de dezembro. A praça na cidade recebe diversas pessoas e, ao soar do sino, o Klausen aparece junto com Bärbele, que traz presentes para as crianças.
O Pelznickel pelo Brasil
Ao pesquisar na internet sobre a origem da tradição no Pelznickel no Brasil, os resultados remetem principalmente a Guabiruba, mas alguns indícios da lenda são encontrados no Rio Grande do Sul.
Um grupo folclórico de Nova Petrópolis (RS), chamado de Böhmerlandtanzgruppe, tem o Pelznickel em uma de suas apresentações.
O grupo, fundado em 1987, tem como objetivo preservar a cultura do município. O nome em português significa “Grupo de Danças Terra da Boêmia” em homenagem aos boêmios que colonizaram a cidade em 1858.
“Durante a performance dos dançarinos ocorre a teatralização mostrando três crianças, duas delas comportadas e uma espevitada. Ao longo da apresentação, o Pelznickel aparece e tenta colocar no saco o malandrinho”, conta o coreógrafo da peça, Paulo César Soares.
Ele também é secretário adjunto de Educação, Cultura e Desporto de Nova Petrópolis e conta que atualmente o Pelznickel é tratado como Papai Noel pela maioria da comunidade. “São poucas as pessoas que sabem sua verdadeira forma ou seu verdadeiro ato durante o Natal”.
O município não conta com outra atividade que envolva a figura. “Apenas entre os descendentes germânicos é muito comum chegar no Natal e comentar sobre a chegada do personagem”, diz Soares.
Krampus em Treze Tílias
Em Treze Tílias, em Santa Catarina, colonizado por austríacos, há a presença do Krampus durante as festas do Natal.
A programação natalina da cidade inclui a Nikolaus Fest, que celebra São Nicolau, por sua bondade, e traz também o Krampus, para disciplinar as crianças.
O Pelznickel na região
O Pelznickel foi trazido para a região de Brusque e Guabiruba por meio dos imigrantes provenientes do estado de Baden, na Alemanha, que colonizaram a então Colônia Itajahy-Brusque.
Conforme o historiador Alisson Castro, a tradição manteve traços da sua versão europeia mas foi repaginada para se adaptar à região. Criado no inverno da Europa, o Pelznickel que vestia roupas de pele teve sua roupa substituída por trapos e folhas, adequado às condições climáticas da região.
O Pelznickel às vezes batia nas crianças que não obedeciam com uma vara. Muitas delas se escondiam embaixo da cama para não serem pegas por ele.
Um registro de 1954 mostra quatro Pelznickel, sendo três com varas nas mãos e um carregando um acordeon. Eles usavam trapos e barba-de-velho e ao seu meio estava a Christkindl.
Segundo Fabiano Siegel, 39 anos, guabirubense criado no bairro São Pedro, naquela época o ritual consistia em ir até as casas e tocar músicas e beber, o que explica o acordeon. Ele relata que era comum o Pelznickel passar horas em apenas uma família.
A tradição foi sendo realizada aos longo dos anos de geração em geração, até ser fortemente retomada com a criação da Sociedade do Pelznickel e com a criação da Pelznickelplatz, em Guabiruba, onde inclusive uma moradora de Blumenau participa.
O personagem ficou famoso em Guabiruba e até foi e ainda vai para outros municípios participar de eventos e desfiles. No entanto, Brusque, Blumenau e Pomerode tiveram tentativas de fixar o ritual em suas programações natalinas.
Apesar disso, as iniciativas foram frustradas. O historiador Alisson Castro conta em sua pesquisa que, após assumir o cargo de historiador na Fundação Cultural de Brusque em 2011, criou uma roupa de Pelznickel e se ofereceu para ficar em um espaço próximo à Casa do Papai Noel, que naquele ano estava no parque Leopoldo Moritz.
No entanto, ele diz que à época o responsável negou e disse que o personagem não teria nada a ver com o espírito do Natal.
Com a negativa, ele passou a integrar a Sociedade do Pelznickel, em Guabiruba e participou do desfile com eles.
Depois da criação da Pelznickelplatz e do sucesso que o personagem ganhou, Castro conta que a mesma pessoa que negou em 2011 o convidou para ir de Pelznickel na Casa do Papai Noel em 2014. Ele ficou entre os dias 2 e 5 de dezembro no local.
Em 2016, o evento Magia de Natal, de Blumenau, aderiu ao Pelznickel em sua programação. Em entrevista ao jornal O Município à época, o então diretor de eventos e operações do Parque Vila Germânica, Luiz Koerich, havia dito que a ideia era que o personagem aparecesse de trenzinho dentro do parque da Vila Germânica.
No entanto, Koerich informou naquela ocasião que o Pelznickel em Blumenau não poderia assustar as crianças porque a mensagem seria complicada demais nos dias atuais, por causa das mudanças no comportamento social.
Naquela mesma reportagem, Fabiano Siegel, presidente da Sociedade do Pelznickel, disse que Pomerode já havia convidado o grupo para ter uma Casa do Pelznickel permanente. Além disso, um shopping de Blumenau também havia os convidado para posar para fotos.