Marcas de Blumenau e região aproveitam tecidos que iriam para o lixo e criam peças exclusivas
Confecções apostam na sustentabilidade e consumo consciente
O Vale do Itajaí é conhecido pela força do polo têxtil. São diversas fábricas, marcas e confecções distribuídas pela região que vendem as produções catarinenses em todo o Brasil. Mas você já parou para pensar no que acontece com os tecidos que não são utilizados na fabricação das peças dessas grandes indústrias?
Cada vez que um tecido é cortado para o processo de confecção, ao menos 10% dele é descartado. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), isso representa pelo menos 170 mil toneladas de resíduos têxteis gerados no país a cada ano.
Enquanto alguns tecidos, como o jeans, se decompõem rapidamente, outros levam até quatro séculos para desaparecerem no meio ambiente. Levando em consideração que ao menos 60% destes “restos” vão parar em aterros sanitários, fica claro por que este assunto é importante nos dias atuais.
Felizmente, os outros 40% passam por um processo que, além de sustentável, envolve muita criatividade, empreendedorismo local e exclusividade. Este é o caso de marcas que compram tecidos de saldo ou retalhos para produzir suas peças.
Incorporada neste mundo desde a infância, a arquiteta gasparense Ana Letícia Knuth conhecia diversas dessas lojas de sobras de tecidos com os pais. Produtores têxteis, eles já chegaram a ter uma confecção com 60 funcionários, mas atualmente produzem peças exclusivas com tecido reaproveitado.
Junto da mãe, Ana Letícia cuida da área de criação. Ela também é responsável pela divulgação e venda das peças. O terceiro integrante da Be Cult é o patriarca da família. As produções são feitas com a colaboração de duas costureiras e um estampador, que também trabalham com suas respectivas famílias.
“Focamos em fornecedores pequenos e de mão de obra local. Não queremos ser uma fast fashion. Queremos fazer peças que, além dessa pegada sustentável, tenham uma grande durabilidade e que possam ser utilizadas por muito tempo, nem que seja repassando para outras pessoas”, conta Ana Letícia.
Atualmente, a família Knuth busca incorporar a sustentabilidade em cada detalhe. Além de reutilizar a malha, eles produzem as próprias etiquetas com papelão reutilizado e baniram as sacolas de plástico. Os pedaços de tecido que sobram são reaproveitados para fazer saquinhos. Ana Letícia declara que foi o feedback dos clientes que ajudaram a marca a crescer nesse sentido.
Desde agosto de 2015 a Be Cult pode ser encontrada nas feirinhas blumenauenses e também em diversas lojas da região que podem ser consultadas no Instagram da marca. Uma delas é a Enxame, uma loja colaborativa que fica no Centro de Blumenau.
Formada em estilismo industrial, Maria Eduarda Boaventura decidiu começar a loja em parceria com o namorado para facilitar o acesso aos pequenos empreendedores locais. Na Enxame, é possível encontrar diversas marcas regionais focadas no consumo consciente.
“A forma que consumimos diz mais sobre a gente do que o que consumimos. Por exemplo, pode ser que uma camiseta com uma estampa feliz foi feita por uma pessoa que não estava feliz. Por isso a importância de saber quem fez nossas roupas, como foi feita, onde foi feita”, defende.
Negócio entre mãe e filha
A história de Zeli Michalak vêm acompanhada do reaproveitamento. Vinda de uma família em que apenas os meninos tinham acesso aos estudos, ela aprendeu a costurar muito nova. Entretanto, nunca aceitou bem a ideia de ser apenas dona de casa.
Logo que o marido ficou desempregado, a mãe de quatro filhos começou a costurar roupas de bebê para vender de casa em casa. Após passar um tempo vendendo com a irmã, ela lançou a Saí do Casulo.
Seguindo os passos da mãe, a única menina da família, Débora, acabou cursando Moda. Foi acompanhando a mãe nas vendas que ela percebeu que as lojas não valorizavam o trabalho de dona Zeli, como é conhecida.
“Por mais que seja mais barato na hora da compra, ele acaba sendo muito mais caro de produzir. São retalhos mínimos que às vezes viram uma única peça. Além do trabalho manual de produzir cada peça por vez”, explica Débora.
Foi então que as duas resolveram unir a experiência de dona Zeli com o conhecimento de Débora, que enxergava nessa produção uma oportunidade de focar em um público que valorizasse peças exclusivas, feitas manualmente e mais sustentáveis.
“Nossas consumidoras vêm com o pensamento muito diferente do geral. Elas já têm essa preocupação com o meio ambiente. Já se questionam de onde vêm as peças e os tecidos”, conta a estilista.
Completando dois anos dessa união, dona Zeli afirma que é graças a filha que consegue valorizar o seu trabalho. “Ela me fez acordar para a vida”, declara. Apesar de reconhecer que o custo e o trabalho com os retalhos é maior, ela não troca a atividade por nada.
“Eu amo demais trabalhar com os retalhos. É algo fora do normal. Quando chegam as sacolas na costura eu olho uma por uma e escolho com muito amor. Se me deixar, passo o dia todo em uma loja de saldos”, revela.
Empreendedorismo materno
Carioca morando em Blumenau há sete anos, Renata Nunes entrou no mundo do reaproveitamento de retalhos por necessidade. Após ser obrigada a largar o emprego na área de Marketing para cuidar do filho mais novo, ela aproveitou a formação em moda para costurar peças para os dois meninos.
“Aqui temos muita loja de saldo e eu via a quantidade de tecido que era desperdiçado. Como meu sonho sempre foi trabalhar com moda, fiz uma especialização em modelagem e passei a diversificar”, conta Renata.
Ao ver o interesse dos amigos nos pijamas e roupas infantis diferentes que ela produzia, Renata fundou a Ôpiá e passou a vender as peças nas feirinhas da região. Outra especialização da marca são os kits personalizados para a família.
Durante a produção, que acontece dentro da casa dela, Renata não desperdiça nem um pedaço de tecido. O que não é utilizado para fabricar as peças vira saquinho para entregar os pijamas. Já os remendos menores viram enchimento. Nada é desperdiçado.
A empreendedora relata que as pessoas têm dificuldade em relacionar a reutilização às peças que ela produz. Segundo ela, o conceito de reciclagem ainda está muito conectado ao lixo no imaginário do público.
“O consumo consciente vai além do produto, você precisa pensar em toda a cadeia produtiva. Que tecido foi usado? Como é a condição de trabalho dessas pessoas? Essa marca está contribuindo com o entorno? E isso normalmente é mais claro nos micro produtores locais como a gente”, defende.