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Maternidade atípica: mulheres compartilham experiência com filhos no espectro autista

Principal desafio das mães segue sendo acolhimento da sociedade

Que “mãe não é tudo igual” todo mundo já sabe, mas a rotina de algumas foge completamente do que a maioria está habituada. Não é à toa que as mães de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) são chamadas de mães atípicas. Afinal, assim como as necessidades dos filhos, a maternidade delas também não segue o que é visto como “típico” pela sociedade

Neste Dia das Mães, o jornal O Município Blumenau conversou com três mães atípicas para conhecer melhor essa rotina, os desafios e os aprendizados de quem convive com o TEA. Apesar das diferenças, não faltaram elogios das mamães orgulhosas, relatos de adolescentes na puberdade e os desafios que toda mãe enfrenta diariamente.

Mãe de dois adolescentes no espectro, Simone Gadotti acabou agarrando todas as oportunidades de lutar para que os filhos tivessem os mesmos direitos das outras crianças. Mais de uma década após o diagnóstico dos meninos e com 43 anos, ela atualmente coordena o Projeto Ágape.

A iniciativa busca trazer atendimento terapêutico especializado para pessoas com diagnóstico de autismo em Blumenau e capacitá-los para ter acesso ao mercado de trabalho e independência na vida adulta.

Brunno, de 17, e Nicolas, de 14, receberam o diagnóstico na mesma semana. Na época o primogênito tinha 6 anos e o caçula 2 e meio. Apesar de a notícia ter sido um grande choque para Simone, ter um nome para as dificuldades que ela vinha enfrentando também foi reconfortante.

Brunno, Simone e Nicolas posam para campanha de Dia das Mães. | Foto: Shopping Park Europeu/Reprodução

Por ter um nível leve da condição, Brunno sempre foi uma criança funcional. Se desenvolveu normalmente e até impressionava, com um português mais correto que o esperado para a idade. Ele também interagia pouco com outras crianças, mas a família acreditava que isso se devia ao fato de ele conviver apenas com adultos, já que não tinha irmãos ou primos.

“Em 2010 quase ninguém falava sobre o autismo. Ele foi encaminhado para um neurologista porque a escola suspeitava que ele tivesse TDAH [Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade]. Mas logo na primeira consulta descobrimos que era autismo”, relembra.

Nicolas acabou indo para o médico na mesma semana, pois não apresentava o desenvolvimento esperado. Ele ainda não falava, só foi andar com 3 anos e tinha dificuldade de socializar. Entretanto, todos os médicos diziam que isso se devia ao fato de ele ter nascido com cinco meses e meio. Entretanto, era o autismo.

“De início foi muito difícil. Fiquei atordoada. Só via relatos negativos de vidas arruinadas. Mas sabia que meu foco era que meus filhos fossem felizes, e deu certo! São dois adolescentes sendo tratados da forma mais natural possível”, comemora.

Por ter um nível mais grave do TEA, Nicolas não se comunica verbalmente. Enquanto Brunno já trabalhou, está no terceirão e sai com os amigos, o irmão mais novo tem um déficit cognitivo e social maior. Porém, Simone não deixa isso abalar a relação e celebra cada conquista.

“Eu sei que nunca vou ouvir um ‘mamãe te amo dele’, mas eu não posso me apegar ao que não tenho. Prefiro ficar feliz que tenho um filho de 14 anos que não tem vergonha de me abraçar e beijar em público. Como nunca sonhei em ser mãe, não tinha nenhuma expectativa. Teria sido muito mais difícil se eu tivesse imaginado um filho que falasse três idiomas e ele não falasse nenhum. Mas eu só queria que ele fosse feliz”, comenta.

Paciência, persistência e luta são algumas das palavras que a jornalista Jamile Plautz Bett, de 40 anos, usa para descrever a maternidade atípica. Mãe do Benjamin, 6, ela conta que desde as primeiras interações com o filho percebia que havia algo atípico ali. Depois de muitas buscar no Google, o diagnóstico foi confirmado aos 2 anos.

“Ele não me olhava durante a amamentação, como os outros bebês fazem. Não batia palmas, não apontava, não imitava nenhum gesto. Mas, por outro lado, era super risonho e carinhoso. Quando chegou a hora de falar, também não falou, apesar de sempre balbuciar, desde os primeiros meses. Também não atendia quando chamado pelo nome e estava sempre concentrado em algum objeto”, exemplifica.

Benjamin explorando o mundo com os pais Jamile e Yuri. | Foto: Arquivo pessoal

De início, Jamile ficou assustada, por ter pouco conhecimento do assunto. Ela também passou pelo luto de aceitar que muitas das expectativas como mãe nunca seriam supridas. Ela chegou a acreditou que as terapias poderiam fazer com que Benjamin “nem parecesse autista”, mas logo abraçou a condição.

Com tanto aprendizado acumulado sobre o autismo (assim como planetas, nomes de dinossauros e idiomas) Jamile aprendeu a aceitar que não é possível ter controle sobre tudo e apenas tentar o melhor. Podendo assim desfrutar do presente e celebrar as pequenas conquistas.

“Apesar das dificuldades e conquistas em seu desenvolvimento, tenho muito orgulho de ter um filho que aprendeu a ler sozinho. Que desde os dois anos já conhece o alfabeto e todos os números. Que tem uma memória e um pensamento lógico incríveis. Que tem um vocabulário tão grande em inglês. Toda futura mamãe deveria pensar que não terá um filho para cumprir com suas expectativas, mas para elevar sua capacidade de amar“, aconselha.

Sabrina Lombardi, hoje com 38 anos, teve a primeira filha aos 20. A maternidade foi um chacoalhão para a jovem, que decidiu esperar antes de encarar a responsabilidade de educar e sustentar outra pessoa. Após sete anos tentando, nasceu Bernardo.

“Fiquei super feliz, mas desde o início comparava muito com o desenvolvimento da mais velha. Desde os dez meses eu falava para a pediatra que identificava traços autistas, mas ela dizia que cada criança tinha o seu tempo. Antes mesmo de receber o diagnóstico, aos 2 anos, eu já tinha convicção. Então já tinha sofrido e só quis correr atrás do tempo perdido para desenvolver ele melhor”, conta.

Bernardo com a irmã Brenda e os pais Cleiton e Sabrina. | Foto: Arquivo pessoal

Para ela, a maior dificuldade é encontrar bons terapeutas em Blumenau que já não estejam sobrecarregados. Além de receber empatia das pessoas no entorno. Bernardo precisou passar por três escolinhas até ser bem recebido.

“Nas outras sentia que ele não era bem-vindo, como se atrapalhasse. A melhor decisão que tomei foi colocar ele na rede municipal. Outras mães reclamaram que não queriam os filhos estudando com ‘alguém especial’ e que ele deveria ir para uma escola separada, mas a escola soube acolher todos os lados e resolver a situação”, narra.

Foi há poucos meses que o menino começou a chamá-la de mãe. Porém, Sabrina conta que nunca desenvolveu grandes expectativas para os filhos. A principal preocupação dela é garantir que ele vá conseguir se virar sozinho no futuro.

Entretanto, com apenas 4 anos, Bernardo é apaixonado por aprender outros idiomas. Além do português e inglês, nos quais é fluente, ele também se interessa por espanhol, mandarim, francês e alemão.

“Cada criança é de um jeito. Não adianta querer planejar a vida toda. Sou muito planejadora, tanto que trabalho com roteiros de viagem. Hoje entendo que preciso viver um dia de cada vez e fazer o melhor que eu posso para que Bernardo tenha a melhor vida possível dentro das limitações dele. Nem tudo está no meu controle”, comenta.

Para as entrevistadas, uma das questões que mais as diferencia de outras mães é a rotina. Com a grande quantidade de terapias necessárias para o desenvolvimento das crianças, falta tempo para dar conta de outras demandas.

Recém-divorciada e com muitos anos lidando com familiares que não entendiam a condição dos filhos, Simone relata como o autismo pode ser cruel. Especialmente sem de rede de apoio. Enquanto muitas mães levam seus filhos ao futebol ou ballet, a rotina de terapia dos meninos toma todo o tempo.

“É uma carga gigantesca e que ninguém cobra do pai. Criei o Ágape porque sabia que se não fosse uma mãe de autista, ninguém faria. Para melhorar a qualidade de vida deles tive que me tornar ativista, voltei a estudar e me envolvi na política. Quando você se torna mãe, desenvolve medos absurdos e coragens mais absurdas ainda. A Simone de antes da maternidade nem existe mais”, pondera.

A jornalista Jamile comenta que trabalhar de casa, enquanto Benjamin está na escola, é o que possibilita que ela dê conta das demandas. Durante a primeira infância, o cuidado era integral. Porém, a dedicação do pai dele e o apoio da família seguem vitais.

Sabrina reforça a importância de poder contar com a família, já que são os pais dela que auxiliam nas caronas para que Bernardo consiga fazer todas as terapias. Com dois empregos, ela depende desse apoio para dar conta das consultas.

“Eu ainda tenho a sorte de ter meus pais, até porque não tenho como pedir pra qualquer pessoa cuidar. Ele precisa de uma atenção especial, funciona de forma diferente e muitas pessoas não entendem. As crianças querem incluir e brincar, mas os adultos são os mais difíceis”, desabafa.

Jamile ressalta que é importante que os ambientes estejam preparados para receber pessoas autistas. Entretanto, a sociedade ainda está começando a despertar sobre o assunto e a evolução acontece aos poucos.

“Sem falar no acesso gratuito às terapias, que hoje é bem limitado e algumas crianças que dependem de programas do governo ficam na espera e perdem um tempo precioso de seu desenvolvimento”, ressalta.

Simone também menciona a relevância de ocupar os espaços. Apesar de muitas crianças autistas sentirem vontade de se isolarem, a convivência é muito importante para o desenvolvimento delas. Sempre, é claro, respeitando os limites de cada um.

“As pessoas precisam perder essa visão errada de que o autista não tem sentimentos, não socializa, é agressivo… Inclusão não é colocar o autista em qualquer lugar, mas sim buscar incluí-lo no que faz sentido para ele”, conclui.

Para Simone, é importante enxergar a criança além da deficiência no momento do diagnóstico. Buscar as terapias necessárias, mas entender que ela ainda é uma pessoa com qualidades e defeitos.

“Já vi mães apresentarem os filhos com o diagnóstico, e não com o nome. Isso desumaniza a criança. Mas não julgo, porque sei que errei muito no começo. Hoje aprendi que preciso me perdoar e parar de lutar tanto para ser a mãe perfeita. Às vezes tirar um momento para ouvir meus filhos e olhar nos olhos deles é mais importante que qualquer terapia”, aconselha.

Jamile reverbera a posição de Simone como uma mãe que sempre precisa se impor para as injustiças e preconceitos. Mesmo que às vezes perca a paciência, se sinta cansada ou desanimada, ela sabe que precisa manter a força para seguir.

“A mãe de uma criança atípica jamais desiste e se acomoda. Ela sempre luta para que ela se desenvolva da melhor maneira. E o amor e o carinho que ela recebe de seu filho recompensa e faz tudo valer a pena”, comenta.

Para garantir inclusão de pessoas no espectro autista, sessões especiais com menos estímulo e em um ambiente confortável são promovidas na região. Um exemplo é o dos shoppings do grupo Almeida Junior, que comanda o Neumarkt e o Norte em Blumenau.

Uma vez ao mês os cinemas recebem a sessão especial e exclusiva, que conta com metade das luzes acesas e volume reduzido. Os presentes também podem entrar e sair a qualquer momento, para garantir o conforto dos presentes.

Até mesmo o Circo Fantástico, que fica no Norte Shopping até o fim do mês, terá um espetáculo reservado para pessoas no espectro e familiares no dia 12 de maio, às 18h. Os sons serão reduzidos e pessoas com TEA entrarão de graça.

Colaboradores dos shoppings também passaram por treinamento e vagas exclusivas foram disponibilizadas nos empreendimentos. Basta utilizar a carteirinha de prioridade ou a Carteirinha de Identificação do Autista (CIA).

No dia 21 de maio, um sábado, a psicóloga Simone Padilha irá promover uma oficina para acolher mães atípicas. A proposta é oferecer uma escuta ativa e exercícios práticos para proporcionar o bem estar delas. O evento é oferecido para mães com filhos de todas as deficiências.

A oficina será gratuita entre as 10h e as 12h, no Garten Centro Comercial, na Itoupava Central. As vagas são limitadas para dez mães e as inscrições devem ser feitas pelo e-mail psicologa.simonepadilha@gmail.com até o dia 13.


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