Ministério Público pede liminar para suspender treinamento de inteligência artificial com dados de usuários de redes sociais em SC
Liminar pede atenção da empresa Meta
A proteção dos dados pessoais e do cidadão é a base da liminar feito pelo Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) em um pedido de tutela cautelar antecedente em ação civil pública ajuizada no dia 24 de junho, sobre treinamento de inteligência artificial.
Treinamento de inteligência artificial
A ação foi ajuizada pela 15ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital, com atribuição na área de proteção de dados pessoais.
A decisão veio após o anúncio de que, a partir de 26 de junho, todos os dados pessoais armazenados nas duas primeiras redes sociais por publicações, fotografias, vídeos, legendas e mensagens de texto e voz passariam a ser utilizados para treinar a nova versão da IA.
“Vale ressaltar que o escopo da presente ação não é impedir que o fenômeno aconteça, até porque parece ser inevitável tanto sua ocorrência como que empresas privadas ocupem essa posição de destaque, mas fazer com que esse processo ocorra dentro de bases seguras e, evidentemente, lícitas”, informa o Promotor de Justiça Marcelo de Tarso Zanellato.
Na sexta-feira, o Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital despachou no sentido de requerer informações à Meta antes de decidir pela concessão da medida liminar.
No entanto, diante da urgência do tema e no entendimento de que o direito ameaçado está sujeito a dano irreparável, uma vez que não há retorno após o uso dos dados, a Promotoria de Justiça ingressou, na quarta-feira, 3, com um pedido de reconsideração pelo atendimento imediato do pedido liminar.
Segundo as informações, isso aconteceu mesmo tendo havido determinação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para que a Meta suspenda o treinamento de inteligência artificial generativa com dados pessoais dos usuários das plataformas.
Para a Promotoria de Justiça, o fato de ter havido uma providência administrativa determinando a suspensão, tal qual se pretende com a presente ação judicial que lhe é anterior, não inviabiliza a adoção da medida judicial.
Isso acontece, uma vez que um mesmo fato pode caracterizar ilícito penal, administrativo e civil, podendo, portanto, desencadear responsabilização concomitante nas três esferas e de modo independente.
Na avaliação da Promotoria de Justiça, da forma como está colocada a proposta da empresa, todos os dados – inclusive sensíveis, talvez até envolvendo crianças e adolescentes, como voz, fotografias, vídeos e textos – passarão a ser utilizados para o aperfeiçoamento da IA da Meta sem o adequado e indispensável consentimento prévio.
Um meio para isso seria a criação de algoritmos que viabilizarão os mais diversos usos a partir de características da personalidade, inclusive de modo a replicar de maneira fidedigna o titular desses dados como uma espécie de “clone virtual”, ou seja, criando um avatar perfeito.
“Busca-se proteger pela presente ação, portanto, o corpo eletrônico do cidadão, representado no ambiente virtual por seus dados pessoais, porquanto a malversação de seu uso pode representar múltiplos e irreversíveis prejuízos, passíveis de aferição na mesma proporção dos limites da capacidade de realização da inteligência artificial generativa, ou seja, imensuráveis e imprevisíveis”, acrescenta o Promotor de Justiça.
Legislação brasileira garante proteção dos dados
Segundo Zanellato, a Meta estaria invadindo indevidamente, sem autorização, a esfera do patrimônio imaterial da pessoa natural na dimensão dos dados pessoais de cada um dos consumidores usuários de suas plataformas, usando dados pessoais de modo não permitido pela legislação.
“Atualmente, há, no Brasil, leis que protegem o consumidor usuário das redes sociais da prática abusiva perpetrada pela demandada, que viola diversos dispositivos de proteção aos dados pessoais, sobretudo no que tange à falta de transparência e à ausência de consentimento”, destaca.
Para o Ministério Público, a empresa deveria deixar de forma clara para os usuários que a rede social irá acessar e utilizar os dados pessoais já coletados por intermédio de cadastros e postagens para uma nova finalidade, que é o treinamento de sua inteligência artificial generativa.
“Falta transparência por parte da empresa Meta, valor este alçado à condição de princípio tanto pela Lei Geral de Proteção de Dados (artigo 6º, VI) como pelo Código de Defesa do Consumidor (artigo 4º, caput)”, explica, acrescentando que o direito à proteção dos dados pessoais foi, inclusive, alçado a cláusula pétrea da Constituição Federal.
Conforme apurado, recentemente houve uma alteração nas políticas de privacidade das redes sociais, sem informações claras sobre a nova finalidade de uso dos dados pessoais.
Para o MP-SC, a possibilidade de “solicitar a objeção” pelo usuário não supre a deficiência materializada no descumprimento de dispositivos legais. Além disso, para demonstrar a objeção, o caminho seria complexo e tortuoso – tanto que diversos sites passaram a publicar um passo a passo para atingir o objetivo – e que não deixa claro se o usuário logrou êxito, já que finaliza com a seguinte mensagem: “Formulário enviado com sucesso. Agradecemos o contato com a Meta. Analisaremos seu envio assim que possível”.
“O usuário acaba aceitando os termos de uso para poder utilizar o aplicativo, sem, contudo, ter consciência do que realmente está permitindo, situação que pode ser facilmente evitada se a forma de coleta desse consentimento for adequada, de modo a permitir a verdadeira compreensão do que está sendo proposto”, avalia Zanellato.
Assim, a 15ª Promotoria de Justiça requer na ação a medida liminar para determinar que a Meta não utilize dados pessoais de brasileiros usuários do Instagram, do Facebook e do WhatsApp para treinar a nova versão do seu modelo de inteligência artificial generativa Llama 3, bem como, caso já tenha iniciado, que paralise imediatamente o treinamento, sob pena de multa diária.
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