“Não há país independente na América do Sul que em sua história não tenha um golpe para contar”
Colunista comenta sobre a renúncia do ex-presidente da Bolívia, Evo Morales
No último domingo ocorreu na Bolívia mais um golpe de Estado. Só mais um no continente que tem em sua crônica política a regularidade de golpes como forma de sucessão no poder. Não há pais independente na América do Sul que em sua história não tenha um golpe para contar.
Evo Morales chegou a presidência depois de liderar uma série de manifestações populares na região de Cochabamba pela estatização do gás e contra a privatização da água. Foi eleito presidente pela primeira vez em 2005, na segunda vez que concorreu. Foi o primeiro indígena a se tornar presidente. Na Bolívia, 53% dos habitantes se identificam como indígenas e um mosaico cultural de mais de 37 etnias.
Sua chegada ao poder não só surpreendeu por conseguir superar os partidos tradicionais, como também pela revolução política e econômica do país. No ano seguinte chamou uma assembleia constituinte que pela primeira vez reconheceu que os recursos naturais são propriedade dos bolivianos e cabe ao Estado administrar. Regulamentou o uso da terra limitando em no máximo 5 mil hectares.
Aprovou também a criação de um estado plurinacional e intercultural onde a população indígenas e camponesa passaram a ter participação em todos os níveis do poder estatal. Foi reconhecida a diversidade cultural religiosa da Bolívia.
Na economia o governo de Evo arrancava elogios até de tradicionais opositores. Desde sua chegada ao poder em 2006, a economia boliviana tem crescido em média 5% ao ano. Em 2002, cerca de 63% do bolivianos viviam abaixo da linha da pobreza, hoje este número baixou para 35%.
Reeleito duas vezes Evo conseguiu um liberação da suprema corte do país para um terceiro mandato. Tentava agora quarto consecutivo. Sucumbiu à tentação dos líderes populares: utilizar o carisma para perpetuar-se no poder.
Denúncias de fraude nas eleições levaram a oposição a desacreditar o resultado da eleição e precipitar a Bolívia a mais um golpe militar. Sim, um golpe. A mesma constituição que impedia Evo de concorrer a um quarto mandato, aponta que no caso de renúncia do presidente o vice deve assumir.
O exército forçou a renúncia do presidente e entregou o poder a representantes da oposição. Desde então, o pais mergulhou em uma verdadeira anomia. Os golpistas são um consorcio de representantes do agronegócio e lideranças religiosas radicais, católicos e evangélicos.
Patrocinados por forças estrangeiras, arvoram para si a representação divina de devolver o Palácio Quemado para Cristo. A presidenta interina apossou-se do poder com a Bíblia na mão direita, só faltou a espada na esquerda para ficar mais parecida com os colonizadores espanhóis.