Neurocirurgião venezuelano que mora em Blumenau busca oportunidade de trabalho há quase um ano
Diover Gonzalez, de 60 anos, está desde maio no Brasil, mas sem emprego
Dia após dia, centenas de venezuelanos migram do país natural para o Brasil e outros países vizinhos. O objetivo é fugir da crise que assola a Venezuela há anos. Alguns deles acabam vindo para Santa Catarina, estado que chama atenção pelas oportunidades de emprego que são oferecidas, principalmente braçais.
Esse foi o destino de Diover González, de 60 anos. Neurocirurgião com atuação há 20 anos, ele chegou ao estado depois do convite de seu filho, Enmanuel González, de 36 anos. Em 2017 ele saiu da cidade de Maturín, que fica no estado de Monagas. Viajou por cerca de 19 horas até chegar em Pacaraima, em Roraima.
Em seguida, foi para Boa Vista e há mais de um ano desembarcou em Blumenau, em busca de uma melhora na vida. Aos poucos foi trazendo a família: esposa, quatro filhos, dois irmãos com os filhos e esposas, e o pai. Ao todo são 15 familiares diretos que estão em Blumenau, mas existem os colegas e outros parentes, que permanecem no Norte do país.
Em Blumenau, Enmanuel, os irmãos e as esposas conseguiram trabalho, até porque são jovens e conseguem os chamados “empregos braçais”. Porém, o pai, que já tem mais idade, segue em busca de conseguir trabalhar na área em que é especialista e tem experiência: a neurocirurgia.
Formado na especialidade em 1994, Diover trabalhou com a especialização por cerca de 20 anos, em um hospital público. “Problemas políticos”, como ele mesmo aponta, fizeram com que ele deixasse o hospital e atuasse apenas em um posto de saúde.
Ele não poupou críticas ao governo de Nicolás Maduro. “Maduro vive o capitalismo mais forte que existe, mas deixa o povo no socialismo mais podre”. Além de trabalhar como médico, o homem também tem experiência como professor em pós-graduação, na especialidade de neurocirurgia.
“Eu tenho capacidade, tenho conhecimento, experiência, mas aqui não posso trabalhar enquanto não fizer o Revalida. E eu acho bom ter esse Revalida, o problema é que as provas não acontecem”, destaca Diover, falando ainda em portunhol, pois está aprendendo o português.
Aliás, idioma que ele vem estudando sozinho.
“Vejo novelas, pratico com o youtube, falo com as pessoas na rua. Esse é o jeito certo de aprender. Gosto que me corrijam quando eu falo errado, e assim vai”, destaca o homem.
Estudar é o que ele mais vem fazendo nesse quase um ano no Brasil. Como aguarda os exames do Revalida, ele está buscando se aprimorar ainda mais na teoria, para não ter dificuldade nas provas.
“A medicina de lá é igual. Lá e aqui há muita base na medicina norte-americana. Mas posso dizer que estou estudando medicina de novo porque, na prática, sei que não terei problema nenhum. São mais de 20 anos de experiência, mas nas provas tenho que ir bem”, afirmou.
Diover conta que todos os dias ele consulta o site do Inep para saber se iniciam as inscrições pra fazer a prova e se marcam datas para que ele possa fazê-la. Ele já foi até a Furb, em Blumenau, conhece a Univali em Itajaí, a UFSC em Florianópolis, ou seja, sabe onde existem cursos de medicina, e já procurou orientações nestes locais, mas sempre volta com a resposta de que “não sabem quando terá a próxima prova”.
O Revalida é um exame que valida o diploma de médicos formados em outros países para que eles possam exercer a profissão no Brasil. O último ano de aplicação foi 2017.
No ano passado, o governo federal anunciou que faria a prova em 2020, mas as datas e informações para inscrições ainda não foram divulgadas. Estima-se que 15 mil médicos formados em outros países aguardam para revalidar seus diplomas.
Diover relata, mesmo com as dificuldades que existem na Venezuela, que diversas vezes já pensou em retornar, pelo amor que tem pela medicina.
“Eu vim pra cá porque meu filho me pediu muito. Mas eu penso às vezes em voltar. Lá eu tenho trabalho, lá posso ser neurocirurgião. E eu tenho muito pra dar ainda”, conta Diover, com lágrimas nos olhos, ao falar sobre a profissão.
Ele também tem orgulho em dizer que tem outra filha que é neurocirurgiã, mas mora em Manaus, onde ainda não pode exercer a profissão. Além dela, existe outra que está estudando anestesiologia na Venezuela.
“Tenho 12 filhos. Alguns estão no Brasil, outros seguem lá na Venezuela. Mas vários tem formações e outros ainda vou formar”, conta.
Em Blumenau ele mora no bairro Salto do Norte, onde possui vários vizinhos também venezuelanos, e próximo ao filho Enmanuel. Na quitinete alugada, também vivem a esposa, que é formada em enfermaria, e uma filha de 16 anos. Ambas trabalham na Hemmer. A mulher o dia inteiro, a filha, como menor aprendiz.
“Hoje a gente se sustenta com o trabalho dela. Isso também me deixa triste. Porque quero trabalhar, mas quem vai querer? To cheio de problemas, artrite, artrose… e minha profissão é neurocirurgião, eu quero continuar fazendo isso”, conclui.