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“O absurdo consumo da sociedade atual apenas antecipou, tragicamente, o problema maior”

Oito bilhões de capivaras

E se não fossem oito bilhões de seres humanos habitando o Planeta e sim oito bilhões de capivaras? Se em vez de Homo sapiens, pesando em média 62 quilos, fosse essa espécie de nome científico quase impronunciável, as Hydrochoerus hydrochaeris, também pesando em torno de 60 quilos?

Com uma média de 1 metro a 1,3 metro de comprimento, o corpo das capivaras é maior que o nosso. Aos que duvidam, basta medir sua altura sentado. A média dos homens sentados mal chega a 90 centímetros. Nosso tamanho é uma ilusão, nosso corpo é menor que o corpo das capivaras. O resto é fêmur, tíbia e fíbula, ossos que determinam o comprimento de nossas pernas.

Imaginemos agora oito bilhões de capivaras lado a lado formando, em estilo militar, “frentes de pastagem”, a um metro de distância uma da outra. Teríamos não apenas uma única frente, mas, sim, duzentas frentes de capivaras dando a volta ao mundo, pastando!
Dois terços do planeta são cobertos de água. Nos oceanos não cresce capim ou relva, alimento básico das capivaras, então teremos que concentrar nossas frentes de capivara apenas no terço restante de terras emersas. Serão então 600 frentes de capivaras!

Acontece que, de todas as terras emersas, cerca de um terço são áreas geladas e outro terço são desertos, onde também não cresce capim. Então, nossas amigas capivaras terão que se concentrar novamente num espaço três vezes menor, formando 1,8 mil frentes de pastagem. Então cada frente teria em média 4,5 mil quilômetros de largura cada (um terço da circunferência da Terra no Equador), abrangendo todas as terras do planeta em todos os continentes onde possa, ao menos em tese, nascer relva ou capim.

Suponhamos que cada frente de capivara, dispondo de um metro de largura de relva por cabeça para pastar, avance uns 30 metros por dia e deixe atrás de si fezes e urina que fertilizarão a área pastada, na mais ideal das economias circulares que hoje tanto se defende para o ser humano. Cada uma das 1.799 frentes que vem atrás deverá chegar ali no mínimo 60 dias depois da frente anterior, para dar tempo dos dejetos se decomporem e a relva crescer novamente.

Estamos sendo muito otimistas. Na fantástica migração dos gnus, gazelas-de-thomson, zebras e outros herbívoros no Serengueti africano, eles também pastam, deixam urina e fezes, mas só voltam no ano seguinte e não apenas 60 dias depois. Por outro lado, por mais que a visão daqueles 2,5 milhões de animais migrando impressione, isso é quase nada comparado com nossas 8 bilhões de capivaras.

Resumo da ópera. No mundo de oito bilhões de Hydrochoerus hydrochaeris pastando numa hipotética formação militar onde quer que existam terras disponíveis, exceto oceanos, desertos e gelo, teremos 1,8 mil frentes de pastagem, cada uma com 4,5 mil quilômetros de largura, mais que a maior “largura” do Brasil e distando, da primeira frente até a última frente, 3,2 mil quilômetros, quase a distância de Porto Alegre a Belém do Pará em linha reta.

Nesse nosso exercício imaginativo, mas, com embasamento realista, os oito bilhões de capivaras ocupariam, sozinhas, sem deixar espaço para um único cervo ou qualquer outro herbívoro, uma área maior que a Europa e pouco menor que a América do Sul. Só capivaras. Ao invés de biodiversidade, “monodiversidade” animal.

O ser humano primitivo, “das cavernas”, não extraía da natureza apenas seu alimento (duas mil quilocalorias por dia), como as capivaras. Dominando o fogo e fabricando artefatos de caça já causava mais impacto ambiental que as capivaras. Então podemos afirmar que, se os oito bilhões de humanos vivessem ainda hoje no paleolítico ou neolítico, mesmo assim eles já estariam causando muito mais impacto ambiental que oito bilhões de capivaras.

Jamais voltaremos a viver como caçadores-coletores, só retirando do planeta nossa comida e nada mais, como as capivaras. Oito bilhões de pessoas, mesmo que vivessem o mais frugal dos estilos de vida, usando só a roupa essencial, cozinhando, se deslocando de bicicleta, viajando e transportando cargas pelo mundo em navios veleiros sem motor, morando em casas simples com o mínimo de gasto de energia, usando somente materiais duráveis e reutilizáveis, numa sociedade praticamente sem lixo etc, mesmo assim, nosso impacto ambiental no planeta já seria descomunal, muito maior que o impacto das 8 bilhões de capivaras e já estaríamos nos aproximando da insustentabilidade planetária.

Concordo, em tese, com os que afirmam que o consumo é o grande vilão dos atuais problemas planetários, mas, discordo quando leio ou ouço alguém dizer que uma população de oito bilhões não é problema. Pode não ser o problema maior, mas, que já é um problema gigantesco, isso é.

Oito bilhões importam, é número de humanos que, mesmo com o estilo devida simples resumido acima, já causa grandes danos ao nosso planeta, sendo insustentável no longo prazo, sim. Esse número precisa diminuir o quanto antes, depois de passar (tomara!) por uma “estabilização” de 9 a 11 bilhões de pessoas. O absurdo consumo da sociedade atual apenas antecipou, tragicamente, o problema maior.

Bela paisagem rural entre Ituporanga e Alfredo Wagner, no vale do Itajaí, condenada à ocasional submersão depois que a barragem de Ituporanga ficasse pronta, numa espécie de troca de lugar de enchentes: ao invés de inundar cidades abaixo, inunda aqui. No entanto, depois de inauguradas duas das três barragens de contenção de cheias, Taió e Rio do Sul tiveram algumas das maiores enchentes de sua história e isso dá o que pensar. Foto Lauro E. Bacca, antes da conclusão da barragem Sul, em 31/12/1974.


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