O concreto e a propaganda na paisagem

Certo dia, esposa dirigindo pela BR-101, deu para ficar de olho na paisagem e fazer coisas interessantes como contar 94 edifícios sendo construídos nos poucos quilômetros entre a praia de Perequê, ainda no município de Porto Belo e o Centro de Itapema.

Se por um lado essa pujança impressiona, por outro, dá o que pensar, principalmente, sobre a força e o poder dos negócios imobiliários e a incompetência e/ou incapacidade do poder público em bem gerir a ocupação dos espaços e o resultado é o nosso belo litoral se transformando, rapidamente, numa muralha de edifícios, cada vez mais adensados e mais altos.

Balneário Camboriú já se copacabanizou há algum tempo e agora outras praias se balneariocamboriuízam. A tendência é o modelo ficar igual: praia aqui e paredões de edifícios logo ali.

Por falar em incompetência, sempre é bom voltar ao assunto. Onde está esse mesmo poder público que, alheio aos belíssimos panoramas que se descortinam diante de nossos olhos, permite que a maioria das nossas mais belas paisagens seja tomada de assalto pela proliferação desenfreada de gigantescos painéis de propaganda, que impedem que o turista obtenha uma bela foto, sem que um ou mais desses monstrengos se “metam na frente”, em primeiro plano?

Que poder público é este, seja estadual ou municipal que, ao invés de determinar os locais adequados para implantação desses “outdoors” permite, aparentemente, que as empresas de propaganda o façam? Que inversão de papéis é esta? Cadê os critérios de valorização do extraordinário potencial paisagístico da Santa e Bela Catarina, tão decantada em verso, prosa, folders e vídeos promocionais? Afinal, a paisagem é para ser vista nas imagens promocionais ou apreciada ao vivo e a cores, para deleite dos catarinenses e turistas que percorrem nossos caminhos e estradas?

Somente no (ex-) belo trajeto entre Gaspar e Aeroporto de Navegantes o viajante tem que engolir uma paisagem agredida por uns 200 (duzentos!!!!) “outdoors” de todos os tamanhos que tomaram de assalto a visão deste trajeto. O pior é que esse câncer paisagístico está formando metástases por todas as nossas rodovias e não se observa qualquer medida profilática por parte do poder público para impedir o avanço e promover o recuo dessa doença.

Parece que as autoridades gestoras do uso e ocupação do solo preferem dormir em berço esplêndido, talvez mais preocupadas em cobrar taxas de licenciamento de instalação desses monstrengos devoradores de paisagens do que regular sua nefasta proliferação.

Ironia das ironias, essas mesmas autoridades resolveram batizar a região dos vales de “Vale Europeu”. Que Vale Europeu é esse? Qualquer um que tenha viajado pela Europa sabe que por lá esse tipo de absurdo simplesmente não existe ou é rigorosamente controlado. Uma vergonha, quando recebemos visitantes europeus e temos que explicar a eles que essa bagunça paisagística que ele está vendo é um “vale europeu”.

Muitos brasileiros talvez prefiram dormir ou ficar olhando o celular enquanto viajam. Se todos, ou pelo menos a maioria gostasse de apreciar os panoramas como eu gosto de fazer, talvez os órgãos gestores da paisagem sofressem mais pressão e então eles acordariam para fazer algo.

Gilberto Kassab, quando prefeito de São Paulo, proibiu todas as propagandas em forma de painéis, incluindo anúncios pintados em paredes de edifícios no município e deu certo. São Paulo ficou mais limpa, mais “clean”, mais asseada e, principalmente, mais bela. Dá para identificar onde terminam alguns limites de São Paulo, como, por exemplo, no trajeto em direção ao aeroporto de Guarulhos.

Basta observar a partir de que ponto começam a aparecer os ignominiosos painéis de propaganda. Mesmo assim, não há nesse trajeto as belas paisagens que temos por aqui.
E quanto ao assalto da fúria imobiliária em nosso litoral? Bom, pelo menos em Meia Praia, no município de Itapema, restou o “Parque das Capivaras”, garantindo um importante verde para a cidade.

Verde que perfaz, talvez, meio por cento da conurbação que está tomando conta dos espaços mais próximos à praia entre Perequê e Itapema. Meio por cento para o público (e para as capivaras) e 99,5 % para o concreto, cada vez mais discutivelmente verticalizante.

Dedicado ao meu irmão Antônio Augusto Bacca (07/12/1945 – 22/07/2023).

Numa época em que o desmatamento corria solto no Estado, deparar-se com uma paisagem dessas era motivo de pisar o pé no freio, sair do veículo, apreciar e fotografar a paisagem, com a sensação de que na próxima passagem por ali essa floresta poderia não existir mais. Felizmente ainda existe. Foto que obtive no trajeto entre Major Gercino e Angelina, em 25/12/1974 … sem um “out-door” na cara da paisagem!


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