“O povo está profundamente ofendido”; indígenas se manifestam contra mudar nome da região para Vale Europeu
Indígenas relatam estar revoltados e se sentindo desrespeitados pela possível mudança
Um projeto que propõe a alteração do nome da região do Vale do Itajaí para “Vale Europeu”, tem causado revolta entre alguns grupos. Entre eles, o povo indígena Laklãnõ Xokleng é o que têm buscado chamar atenção sobre a pauta e se mostrado contrario a sanção de renomeação, chegando a publicar um manifesto apontando o porquê de não apoiar a decisão.
A revolta iniciou após os deputados aprovaram o projeto de lei que altera a denominação da região, durante uma sessão ordinária da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc), realizada em Blumenau, a através do projeto Alesc Itinerante. A proposta é de autoria do deputado de Blumenau, Delegado Egídio Ferrari (PL), e a sessão aconteceu no inicio de maio.
O projeto de lei complementar 39/2023, altera a lei complementar 495, de 26 de janeiro de 2010 que “institui as Regiões Metropolitanas de Florianópolis, do Vale do Itajaí, do Alto Vale do Itajaí, do Norte/Nordeste Catarinense, de Lages, da Foz do Rio Itajaí, Carbonífera, de Tubarão, de Chapecó, do Extremo Oeste e do Contestado”.
Vale Europeu: o que diz o povo indígena Laklãnõ Xokleng
O manifesto, que leva o nome de “Não há Vale Europeu em Terra Indígena”, foi assinado por lideranças Laklãnõ Xokleng Samuel Priprá, Dili Gakran,Neli Indilli, Marlene Patte, Setembrino kamlem, Nandja Priprá, Nandja Patté, Luis Nambla Priprá e Djeison Nhepan Gakran.
No texto, os indignas questionam porque não foram consultados sobre a mudança do nome, sendo que são o povo originário das terras da região e há leis que asseguram o direito de participação nesse tipo de decisão.
Ainda conforme o manifesto, eles afirmam que “estão profundamente ofendidos” que a região onde muitos indígenas foram mortos e enterrados devido à colonização europeia, possa receber nome em uma homenagem desrespeitosa com os Laklãnõ Xokleng.
Além disso, no texto, os indígenas também comentam sobre como foram tratados durante a pandemia da Covid-19, durante as questões da Barragem Norte, em José Boiteux durante 2023, e o assassinato de um líder indígena da região. Confira o texto completo:
“Manifesto Laklãnõ Xokleng Contra a Lei Complementar n.495
A Assembleia Legislativa de Santa Catarina – ALESC realizou uma “Sessão itinerante” na cidade de Blumenau no dia 07 de maio de 2024, onde aprovou um Projeto de Lei para alterar a Lei Complementar n.495, de 26 de janeiro de 2010, e denominar a Região Metropolitana do Vale do Itajaí como Região Metropolitana do Vale Europeu, essa lei foi feita sem que nenhum povo originário tenha sido consultado sendo que um número incalculável de nossos ancestrais foram assassinados justamente nesta região e expulsos e perseguidos até a morte, justamente pelos invasores europeus que lhes usurparam as terras, as florestas, as águas e inclusive nossas próprias vidas.
O povo Laklãnõ está profundamente ofendido com a possibilidade de o local onde estão depositados os restos mortais dos nossos ancestrais receba um nome que homenageia e enaltece os genocidas que aqui ceifaram milhares de vidas indígenas.
Independente das alegadas heranças “europeias”, “alemãs” ou “italianas” dos atuais residentes desta região, é fundamental que uma eventual mudança do nome da região seja realizada com consulta aos povos originários e que o novo nome, seja respeitoso para os milhares de indígenas que foram mortos, as mulheres que foram repetidamente violentadas e as crianças que foram sequestradas. A história deste massacre é bastante documentada, e já não estamos mais no século XIX quando os jornais e os políticos locais enalteciam os genocidas como heróis da colônia que foram contratados para serviços mercenários. A situação só começou a mudar mesmo no início do século XX após a criação do SPI (que atualmente é a FUNAI), um órgão que foi criado JUSTAMENTE para tentar interromper o genocídio que era provocado ESPECIFICAMENTE contra os ancestrais do povo Laklãnõ / Xokleng.
Caso a Funai desconheça a história deste massacre ela pode ser encontrada facilmente em alguns materiais, sendo o mais introdutório e direto o livro derivado da tese de doutoramento do professor Silvio Coelho dos Santos (“Índios e brancos no sul do Brasil”, publicado pela primeira vez em 1973) e fartamente disponível em qualquer biblioteca pública de nosso estado. Após a publicação do livro de Silvio Coelho dos Santos algumas situações se agravaram nos ataques contra o povo Laklãnõ / Xokleng, com destaque para os episódios envolvendo a Barragem Norte, e mais recentemente todo o descaso envolvendo a pandemia de Covid-19. Além disso, antigas situações foram descritas no relatório Figueiredo, que até então eram desconhecidos do grande público.
Mais recentemente tivemos, e ainda temos, toda a situação envolvendo o Marco Temporal, que vale lembrar, surge e ocorre na T. I. Laklãnõ e que há menos de 30 dias teve uma de suas lideranças locais assassinada no exato ponto do conflito que gerou toda a discussão sobre o Marco Temporal.
Sobre a Barragem Norte, é necessário lembrar o que o mesmo governador defensor do Marco Temporal, fez para garantir a execução da última Oktoberfest, invadindo o Território Laklãnõ Xokleng com a Polícia Militar, descumprindo acordos e violando nossos direitos. Além de ameaçar nossas vidas, o fechamento da barragem causa o risco de um possível rompimento de uma barragem que é vinte vezes maior que Mariana e setenta vezes maior que Brumadinho. Vale lembrar que são cinco décadas de descaso e falta de manutenção na estrutura da Barragem Norte.
Para além das questões envolvendo os contextos históricos e antropológicos que atingem os Laklãnõ desde o século XVIII, há questões jurídicas bastante básicas que estão sendo ignoradas e é onde entendo que surge o papel da Funai como interventor, seja com uma recomendação direta à ALESC e/ou ao governo do estado, seja com uma ação junto à DPU.
A primeira questão é que os indígenas não foram consultados, em quatro das cidades que fazem parte da dita região que passará a se chamar “Vale Europeu” temos aldeias indígenas maioritariamente ocupadas pelo povo Laklãnõ, algumas delas com mais de cem anos de ocupação contínua APÓS o confinamento forçado que ocorreu em 1914 com a criação do SPI.
A consulta aos indígenas é obrigatória, ela nem mesmo foi considerada em qualquer momento da discussão da dita lei. A lei em questão, seus trâmites, suas votações e encaminhamentos para governador em tempo recorde, durante a dita “ALESC itinerante”, deixam explícitos quais são os interessados na questão. O turismo que se embriaga em uma suposta identidade europeia e que para manter gente bêbada por altas horas da madrugada não vê problema em colocar centenas de indígenas debaixo d´água, fazendo inclusive uso de aparato policial de choque de uma força estadual que nem mesmo possui competência para atuar naqueles moldes dentro de Terras da União.
A nossa constituição também tem alguns artigos, dentre eles vale citar o 5º, o 231 e o 232 e a OIT 169, que garantem alguns direitos aos indígenas e que colidem frontalmente com um dispositivo estadual que valoriza genocidas como engenheiros de uma nova sociedade e identidade local. Enquanto o legislativo nacional discute o impedimento de homenagens a racistas e escravocratas, o legislativo de Santa Catarina dá três passos em marcha ré para não apenas os homenagear, como o faz no território que deve ser entendido como o maior cemitério de indígenas que temos na região sul.
Vale ressaltar que se pesquisarem nas aldeias Laklãnõ Xokleng e perguntar para qualquer indígena o que eles acham da mudança de nome de Vale do Itajai para “Vale Europeu” não fará sentido na visão do povo. Não faz muito tempo que este mesmo vale, antes de ser chamado de “do Itajaí” era chamado de “Vale dos Bugres”. Parece que estamos voltando no tempo. E legitimando novas – que são antigas – violências contra os originários destas terras. finalizando pedimos que a Funai nos fortaleça neste movimento de luta contra os usurpadores das vidas Laklãnõ Xokleng.”
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