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“O que tem na cabeça de um caçador ilegal?”

Como tem acontecido em todos os biomas brasileiros, na Mata Atlântica em especial, as populações de praticamente todas as espécies da fauna silvestre despencaram de forma assustadora, desde que por aqui aportaram os colonizadores europeus.

Quando das primeiras décadas da colonização da região dos Vales, o que abrange Blumenau, Brusque, Jaraguá do Sul e Joinville, dentre tantos outros municípios, bastava o cidadão dar uma rápida volta com uma espingarda e estava garantido o almoço, a janta e, talvez, outras refeições. Se o bicho caçado fosse uma anta, a carne farta saciaria as necessidades de dezenas de pessoas.

Tomando a anta como exemplo, ela é o maior mamífero terrestre que vive nas Américas, podendo pesar entre 150 e 300 quilos. De essencial fornecimento de proteína aos primeiros colonizadores, assim como praticamente todas as demais espécies, depois que a caça deixou de ser necessidade, rapidamente virou vítima de caça “desportiva” e criminosa perpetrada por pessoas que têm tudo, menos necessidade de matar bicho silvestre para sobreviver.

Como todas as espécies nativas, as antas também sofreram violenta destruição de seus hábitats naturais. Passaram a enfrentar novas doenças que antes não as atingiam, transmitidas pelo gado, cachorros e outros animais domésticos. De ampla área de dispersão, foram se refugiando em áreas de florestas cada vez menores e mais isoladas.

Quando resolviam migrar de um fragmento florestal para outro, acabavam com enorme chance de serem atropeladas nas rodovias de terra e nos asfaltamentos que rapidamente avançavam pelas outrora suas paisagens, às vezes em migração forçada para fugir de incêndio, cães que as perseguiam e poluição, tudo isso sempre provocado por nós, Homo pseudosapiens.

Com um instinto de fuga de predadores desenvolvido ao longo de milhões de anos, ao contrário de outros mamíferos gigantes levados à extinção pelos ancestrais dos atuais povos indígenas (sim, os povos originários pioneiros também causaram violenta extinção de fauna!), as antas conseguiram resistir às caçadas à base de arco e flecha, mas, não tinham como resistir à terrível parceria formada por colonizadores europeus e duas novidades que aqui não havia: cães treinados exclusivamente para farejá-las, localizá-las, persegui-las e entregá-las de mão beijada ao caçador e à mortífera bala cuspida a fogo do cano de sua espingarda.

No caso de Santa Catarina, atualmente, é muito provável que dê para se contar nos dedos das mãos as raríssimas antas que ainda sobrevivem, nas florestas da região Nordeste de nosso estado, vizinhança com a Serra do Mar do Paraná, na “Grande Joinville” e, talvez, ainda mais raras ainda, sobreviventes na região do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, na Grande Florianópolis.

Pois bem, diante dessa trágica situação envolvendo a ameaça de fim de uma espécie em nosso Estado, então, o que é que pode passar pela cabeça de um sujeito como o que, há poucos meses, matou a tiros uma anta no Nordeste de Santa Catarina? O que é que pode passar pela cabeça de cidadãos e grupos criminosos como os que foram recentemente autuados pelo Ministério Público e Polícia Ambiental por abate e, pior ainda, comercialização de espécies da fauna silvestre como tem sido recentemente divulgado, coisa que ainda acontece por aqui e por todo o país?

Talvez seria mais fácil responder não o que se passa na cabeça, mas o que TÊM na cabeça desses criminosos e é isso mesmo que você, leitor, está imaginando. Não passam de tarados pervertidos, que se comprazem com a matança ilegal do pouco que resta de fauna sobrevivente no pouco que resta de florestas nativas.

Esses sujeitos também são um dos principais responsáveis pela síndrome de florestas vazias, quase sem fauna, dos biomas extra-Amazônia e extra-Pantanal. (Mesmo assim, essa síndrome começa a ser também perceptível em vastas extensões destes últimos biomas).

Tudo isso num país que noticia assuntos relativos aos CACs – Colecionadores, Atiradores e CAÇADORES (grifo nosso), como se fosse a coisa mais normal do mundo, como se ainda vivêssemos em situação de intocabilidade dos ecossistemas e na abundância da fauna original, antes da chegada dos Europeus nesse país, os portugueses no Leste setentrional há 500 anos e demais europeus no Leste meridional há 170 anos.

Esse estado de coisas tem que mudar. É possível mudar e o cidadão de bem pode colaborar. Que todos os que prejudicam nossa fauna sejam denunciados para que o Ministério Público e nossa Polícia Ambiental, esta, mesmo tão depauperada em efetivo, possa continuar e melhorar seu importante e vital trabalho de banir essas práticas desses maus elementos, em nosso meio.

Brincadeira de desprezo e mau gosto encontrada por excursionistas da Acaprena nas distantes matas das cabeceiras do rio Garcia em Blumenau, acessíveis unicamente a pé por picadas na floresta nativa. Fixados numa galhada fincada às margens do rio, restos de corpos de dois quatis e os cartuchos das balas dos caçadores criminosos que os mataram, estavam ali expostos. Fotos Lauro Eduardo Bacca, em 04/09/1981.


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