“Onde estavam as autoridades antes da enchente?”
Onde estavam?
Antes entrar no assunto desta semana, prestamos a mais profunda e merecidíssima homenagem a duas personalidades de Santa Catarina: o grande botânico Dr. Roberto Miguel Klein (1923-1992) e o extraordinário homem público que foi Álvaro Correia, falecido no último dia 12 (vide Baú Ambiental abaixo).
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A empresa têxtil Teka, localizada no bairro Itoupava Norte, em Blumenau, depois de sofrer demais com as enormes enchentes de 1983 e 1984, decidiu construir um dique de isolamento ao redor da grande área do parque fabril. Quando o rio sobe, os acessos à empresa, por onde passam carros e caminhões em tempos normais, são lacrados com pesados tampões.
Na atual enchente, depois de muitos anos sem uso, os tampões, perfeitamente conservados e guardados em local de fácil acesso, foram colocados no local e a empresa deixou de sofrer mais uma enchente. Eficácia típica da iniciativa privada.
Na sede da vigilância epidemiológica de Blumenau, no bairro Itoupava Seca, um grande estoque de vacinas de todos os tipos precisa ser armazenado sob permanente refrigeração. Ocorrendo falta de energia elétrica, um gerador prontamente entra em operação, garantindo a refrigeração e a conservação desses preciosos produtos.
Esse gerador não pode falhar. Todas as semanas ele é testado, acionado e vistoriado quanto às condições mecânicas, de lubrificação e outras. O combustível gasto nesses testes semanais é reposto e renovado.
Na emergência ele está sempre pronto para ser acionado e tudo funciona normalmente, obedecendo um protocolo técnico estabelecido. Não precisa de ordem de prefeito nem de mandatário político nenhum para operar. Prova de que é possível o poder público ser tão eficiente e eficaz quanto a iniciativa privada.
Quanto à gestão de enchentes que causam tantos e vultosos prejuízos e sofrimento, como esta última no Vale do Itajaí, o caso é outro. Em José Boiteux, boa parte das casas das aldeias indígenas sofreram alagamentos, além do isolamento.
Onde estavam as autoridades que permitiram construções abaixo da cota máxima de inundação, cota esta que já era conhecida há bem mais de 10 anos antes da própria “inauguração” da barragem?
Assim como as estradas de contorno foram feitas acima dessa cota, por que essa mesma cota não foi devidamente sinalizada e eventuais ocupações abaixo dela devidamente coibidas? Por que os indígenas “nunca foram devidamente informados” (recente entrevista dada à Deutsche Welle) sobre o alagamento?
Em Blumenau circularam notícias de que o dique do Ribeirão do Tigre, que protegeria boa parte do bairro Vila Nova, estava apresentando alguns problemas de funcionamento na atual enchente. Já os dois motores que acionam as bombas hidráulicas no dique de proteção do bairro Fortaleza, pifaram, um atrás do outro, em plena enchente.
Será que havia um permanente procedimento de manutenção e testes de funcionamento como no caso do gerador da Vigilância Epidemiológica? Se havia, como explicar esses dois motores pifados justo na hora que eles mais deveriam estar funcionando? Onde estavam as autoridades nesses anos todos sem enchentes?
A falta de verbas (mentira: verbas existem, é só questão de prioridades) não justifica o descaso das autoridades para com a permanente proteção do Vale contra as enchentes. Todas as barragens, por exemplo, dispõem de réguas físicas para leitura da altura das águas represadas.
Por que desleixaram de uma coisa tão simples, a periódica renovação da pintura da régua da Barragem Norte, de custo absolutamente irrisório, a ponto de ela estar quase toda ilegível, portanto praticamente inservível, no atual episódio de enchentes?
Por outro lado, por que as autoridades se apegam demais à obras estruturais e esquecem completamente medidas não estruturais, como controle de aterros em baixadas alagáveis, medida tão ou mais importante que aquelas na amenização das cheias?
Como explicar câmaras de vereadores como as de Florianópolis e Rio do Sul, por exemplo que, ao invés de reforçar a legislação que disciplina o uso e ocupação do solo, agem em sentido contrário e flexibilizam essas leis, tendendo a permitir loteamentos nas cotas emergenciais e non aedificandi, como em Rio do Sul, permitindo que mais e mais pessoas se transformem em vítimas, ocupando baixadas alagáveis?
Onde estavam as autoridades como em Itajaí e Ilhota, por exemplo, quando foram aprovados gigantescos loteamentos em áreas sabidamente sujeitas a inundações como se observam nesses dois municípios, como todos podem observar da rodovia Jorge Lacerda?
Onde estava a cabeça dos deputados estaduais quando, na calada da noite do último dia legislativo de 2021 aprovaram a famigerada lei das Áreas de Preservação Permanente Urbanas de Santa Catarina, entre outras perigosíssimas flexibilizações do ordenamento legal ambiental com graves consequências para a segurança e qualidade de vida dos cidadãos catarinenses, no caso de enchentes e enxurradas, inclusive?
Por que há um sistemático descaso para com os estudos realmente técnicos que tratam de soluções para as enchentes e por que esses estudos são pouco ou nada divulgados? Por que o Ceops da Furb de Blumenau, que vinha fazendo um excelente trabalho, ao invés de ser plenamente apoiado por convênios permanentes, foi desativado?
Por que a questão técnica tem tido a tendência de se aproximar ou chegar mais perto, quando, a exemplo do gerador de energia da Vigilância Epidemiológica de Blumenau, deveria ficar longe de quem toma decisões políticas?
Por que, enfim, só no auge das enchentes, as autoridades anunciam obras de dragagem para desassorear os cursos d’água, mas nada falam sobre a necessidade de cortar o mal pela raiz, que é o controle da erosão dos solos urbanos e rurais, além do lixo jogado no meio ambiente, fontes do material que assoreia esses mesmos cursos d’água?
Com as sempre honrosas exceções, para responder essas e muitas outras perguntas, se não se sabe onde estavam muitos políticos e administradores públicos nos muitos anos sem-enchente em que tudo é esquecido e/ou desleixado, na hora que elas ocorrem e só quando todo mundo está desesperado com a água batendo na b…. ou no pescoço, qual emergindo das profundezas das águas, ou surgindo das nuvens em revoadas de helicópteros, aí sim, muitos deles aparecem.
O renomado botânico Roberto Miguel Klein, falecido em 13 de novembro de 1992 aos 69 anos e um mês, estaria completando 100 anos no último dia 13 de outubro. Foi professor de muita sabedoria que sabia estimular os alunos com rara competência.
Junto com o também botânico, Padre Raulino Reitz, foi o responsável por fazer de Santa Catarina o Estado brasileiro que melhor conhece sua flora e sua vegetação. O capítulo de sua tese de doutorado “Preservação do Meio Ambiente e sua importância sobre a minimização das enchentes periódicas”, publicado em 1979, deveria ser leitura obrigatória de todos que assumem cargos públicos no executivo e no legislativo.
Nascido no Limoeiro, onde Itajaí encosta em Brusque, gasparense e blumenauense de coração, Álvaro Correia, foi um político de rara competência, honestidade e combatividade. Como chefe de jornalismo na gloriosa e extinta Rádio Nereu Ramos de Blumenau, foi um dos líderes da campanha pró-construção das Barragens no Vale do Itajaí. Na Assembleia Legislativa atuou fortemente por muitos anos, tentando resolver a questão do conflito dos indígenas atingidos pela Barragem Norte em José Boiteux.
Mesmo com idade avançada mantinha-se informado assinando e lendo os principais jornais do Brasil, que recebia em sua casa. Curiosidade: a cada leitura de jornal fazia caprichosos recortes, separados por assunto. Temas jurídicos, encaminhava a um amigo juiz aposentado; temas religiosos, enviava ao bispo de Blumenau e temas ecológicos e ambientais, separava carinhosamente para mim.
Faleceu no último dia 12, aos 90 anos, 7 meses e 8 dias e vai fazer falta.
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Clube de Caça e Tiro XV de Novembro nasceu das mãos dos moradores da rua Sarmento: