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Opinião: “A morte de Douglas não merece ser sucedida pela sinfonia dos insensatos”

Jornalista Fabrício Cardoso analisa repercussões do assassinato de engenheiro dentro do próprio apartamento, em Curitiba

Fabrício Cardoso
Jornalista

A sinfonia dos insensatos

Trabalho há quase três décadas e só fui demitido uma vez: quando disse enxergar um quê de psicopatia no fetiche por armas de fogo. Talvez tenha de fato sido desaforado demais ao dizer isso em Blumenau, onde o tiro é um esporte popular e de iniciação precoce.

Mas não quero ficar questionando costumes da cidade que, generosamente, me acolheu em um a cada quatro dias em que respiro sobre a face da Terra. Só considero impossível silenciar diante do caso do Douglas Junkes, blumenauense morto aos 36 anos por um vizinho incomodado com o som do contrabaixo dedilhado por ele. Curitiba está pródiga no desfile de nossas loucuras.

Os tiros contra Douglas assumem um caráter ainda mais surreal porque houve quem, no afã de defender o direito ao porte de armas, o que é legítimo, apressou-se em culpar a vítima, o que é infame.

A vida em condomínio é um microcosmo da vida nas cidades. Aceitamos as imperfeições dos outros em troca da enormidade de benefícios trazidos desde que a humanidade decidiu empilhar-se, metafórica e literalmente falando. Tentar corrigi-las à bala seria uma volta à atmosfera selvagem do tempo em que vivíamos em tribos nômades. Não falta, porém, gente insensata o suficiente para flertar com este argumento travestido de pensador iluminado.

Desgraçadamente já sei onde o papo deles vai desaguar: é o homem, e não o objeto, quem mata. “Proibam-se os carros, que matam milhares”, dizem, tamborilando os teclados com a convicção dos que se sentem donos de brilhantes raciocínios. Ora, amigos, carro, faca, caneta, tudo pode matar a partir do mau uso humano. Mas todos têm função adicional, servem a outro propósito, via de regra tornam a vida melhor. A que serve a arma, além do abreviamento de nossas existências?

Enquanto dermos tratamento de fé ao tema do armamento da população civil, contra o qual não há razão capaz de desfazer crenças, seguiremos velando pessoas. E produzindo mortos-vivos como este desequilibrado de Curitiba, que, num domingo de fúria, acabou com uma vida e mergulhou a própria numa treva eterna.

Douglas ensaiava para tocar na Europa. Independentemente do volume em que tocava, não merece que sua morte brutal seja sucedida pela sinfonia, macabramente afinada, dos insensatos.