Opinião: “Posse de arma: dois pesos, duas medidas”
Jornalista discute o decreto que flexibiliza a compra de armas a partir da prisão de um homem com um fuzil, em Florianópolis
Posse de arma: dois pesos, duas medidas
Karin Bendheim é jornalista e ex-policial militar
Enquanto a sociedade discute (mesmo que de forma superficial) o decreto sobre a posse de armas assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, vemos uma juíza conceder a liberdade a um homem de 20 anos que havia sido preso com um fuzil AR-15 e munições pela Polícia Militar. A decisão foi anunciada na audiência de custódia, no mesmo dia da prisão (sábado), em Florianópolis.
Se de um lado a discussão pesa em torno dos supostos riscos que a facilidade em se ter uma arma em casa e até mesmo no local de trabalho podem trazer, mesmo com diversos critérios estabelecidos em lei; de outro temos uma profissional que atua na defesa da lei considerando que um cidadão preso com um fuzil e munições de uso restrito das Forças Armadas não oferece risco à sociedade.
Calcada no argumento de que o acusado não tem passagem pela polícia, é réu primário e não demonstra “periculosidade social efetiva e a real possibilidade de que o conduzido, solto, venha a cometer infrações penais”, a juíza concedeu a liberdade ao homem.
O acusado terá apenas de cumprir medidas cautelares, que implicam em informar e manter atualizado o endereço; comparecer mensalmente diante do juiz para informar e justificar atividades; e a proibição de ausentar-se da comarca por mais de 30 dias, sem prévia autorização judicial.
Nesse sentido, a decisão soa como um tapa na cara da sociedade. Se uma pessoa é presa com um fuzil que é de uso restrito e “sofre” apenas as brandas medidas cautelares, por que cidadãos comuns que cumprem as regras estabelecidas no decreto sobre a posse de armas não podem ter a própria arma em casa para se defender? Dois pesos e duas medidas!
Fica o sentimento de que, cada vez mais, a sociedade está refém do entendimento de profissionais com amplo poder sobre os direitos e deveres. A impressão é que as “brechas” da lei são usadas para sustentar uma visão própria. E o interesse coletivo?
Não bastasse a concessão da liberdade ao preso com fuzil e munições, outro fato, pouco explorado, chama a atenção no despacho da juíza. Ela determinou que o Comando Geral da Polícia Militar de Santa Catarina justificasse em 48 horas o motivo pelo qual o homem havia sido conduzido sem camisa.
Inacreditavelmente este fato chamou a atenção da juíza, que considerou importante pedir explicações sobre. Parece que o fuzil teve menos valor.
Chegar a uma prisão como essa certamente não foi sorte dos policiais que estavam de serviço. Os profissionais trabalham muito tempo recebendo informações, averiguando e verificando a melhor forma de atuar, de forma que confrontos sejam evitados e a comunidade esteja mais segura, na medida do possível.
É hora da sociedade deixar de “dar opinião” superficial e avançar para uma discussão profunda sobre leis e ações que impactam no dia a dia e futuro de todos. É preciso estudar e analisar os fatos, obter diversas fontes e pensar no melhor para todos. Críticas vazias, sem argumentos, não contribuem.
O que queremos para nós? Vai além de ter ou não uma arma em casa. Justiça e valores precisam estar em cena.