OPINIÃO: “ou teremos políticas públicas para as mulheres, ou teremos mais Biancas”
Advogada especialista em empoderamento feminino problematiza o alto número de feminicídios no Vale do Itajaí
Vale da Morte?
Fabiana Linhares, advogada palestrante sobre o empoderamento feminino, Mestre em Políticas Públicas, membro da Comissão Estadual de Direitos Humanos da OAB-SC e Presidente do CMDM de Rio do Sul.
Gostaríamos todos de responder não para esta pergunta. Morte assusta, choca e destrói para sempre sonhos e vida nos seus sentidos mais plurais porque não se perde apenas a vida das vítimas, mas também a de suas famílias e amigos.
No entanto, é assim, infelizmente, que na condição de atuação profissional vejo e peço licença para a reflexão quando nos chega o dado do Fórum de Segurança Pública Nacional de que em Santa Catarina, o Vale do Itajaí é local de maior ocorrência de feminicídios por regiões.
Sim, aqui onde eu e você leitora moramos, onde eu e você leitor moramos. Hoje em dia temos um arcabouço legal considerado avançado não somente com a Lei Maria da Penha mas com a alteração da própria lei penal e a correta figura do crime onde a vítima é abatida pela sua condição de mulher.
No entanto, então, em que pecamos? O que acontece para que tenhamos este triste dado nas mãos e a tarefa de juntos lutarmos por saídas? Penso que a tarefa está em nível de premência e urgência para toda a sociedade.
Falando de sociedade, vemos várias campanhas, temos o dia da mulher, temos semanas de combate à violência contra a mulher, temos os Dias Laranja, temos os Conselhos Municipais de Direitos da Mulher. Quero chamar atenção para a questão dos Conselhos pois não há mais motivos para que nenhum município, por menor que seja, e muito menos para uma Blumenau, não ter um Conselho ativo e vivo nestas questões. Esta vocação é natural da cidade e todos cremos neste ativismo: a voz das mulheres por elas mesmas.
Chegando no breaking point, se temos leis, se temos meios de manifestação da sociedade e temos aparato policial especializado, o que nos falta para evitar que uma prodigiosa Bianca Wacholz morra porque seu algoz possa ter decretado que lhe ceifaria a vida? O que precisamos para que alguém como a pequena Ana Beatriz, de Rio do Sul, tivesse ido à escola e não sido morta no caminho em um delito até agora não esclarecido?
Bem, o áudio liberado no caso de Bianca indica que nossas ações preventivas, nosso conjunto de leis e os esforços das autoridades policiais e judiciárias, assim como a sociedade, ainda têm um imenso desafio: a desconstrução da ideia de que a mulher, sozinha, em um relacionamento onde existem ameaças de morte, vai pedir socorro e contar com a proteção integral para livrar-se do pior.
Aqui acho que é hora de assumirmos o protagonismo além do movimento das sufragistas que lutaram pelo voto, dos sutiãs queimados, da mulher que pede medida protetiva, e enfrentarmos que elas precisam ter como buscar ajuda em sentido amplo, não bastando apenas ir à polícia, mas sim que elas possam tratar o que lhes prende. Que possam ter apoio psicológico e material para deixar o ciclo da violência para trás.
Este é um esforço que cai na realidade: ou teremos políticas públicas para as mulheres, ou teremos mais Biancas.
Mulheres, o muro de silêncio acabou, o Vale é nosso, é vida em paz e não pode ser diferente.