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Para salvar a filha do câncer, família brusquense se muda para a Espanha em busca de tratamento

Aos 4 anos de idade, Helena foi diagnosticada com câncer em estágio grave

A brusquense Helena Bottós Lema tinha apenas 3 anos quando começou a sentir uma dor no quadril, em junho de 2019. Os pais Juliana Bottós, e Antonio Carlos Moreira Lema levantaram na madrugada, quando a menina reclamou de dor no “bumbum’, que seria na articulação do fêmur. No dia seguinte, ela começou a mancar.

Juliana, que é oftalmologista, conta que Helena estava feliz e aguardava a festa de aniversário, comemorado no dia 15 de junho. Porém, os planos mudaram.

“A princípio ela foi diagnosticada com uma doença chamada ​Sinovite Transitória do Quadril, que é relativamente comum na criança. Naquele momento tinha tudo para ser esse diagnóstico e ela melhorou”, diz.

Juliana, Helena e Antonio moravam no bairro São Luiz antes de se mudarem / Foto: Arquivo pessoal

A menina, que sempre foi muito saudável, voltou a piorar depois de duas semanas. “E isso foi muito estranho, pois essa doença não volta. Foi quando fizemos avaliações mais específicas”, continua.

Helena sempre foi muito saudável e nunca ficava doente / Foto: Arquivo pessoal

Então, em 12 de julho, foi diagnosticada com neuroblastoma grau 4. É a fase mais grave do câncer e ela já estava com metástases pelo corpo inteiro. “Um câncer muito agressivo, maligno, ela tinha um tumor no tamanho de uma bola de tênis em uma glândula na parte de cima do rim direito. A dor que ela sentia infelizmente era uma metástase”, explica.

Naquele momento, Helena já estava com metástases na medula óssea, ossos dos joelhos, fêmur, quadril, costelas, vértebras, esterno, ombro esquerdo e calota craniana.

“Nisso, o mundo desaba. Era a nossa única filha, em uma situação extremamente grave. Infelizmente nessa fase, é muito difícil para nós, pois a gente sabe a gravidade do que estamos lidando e todo o sofrimento do tratamento”, relata.

Helena no dia em que foi diagnosticada com o neuroblastoma / Foto: Arquivo pessoal

Para salvar Helena, a família mudou-se para a Espanha para tentar um tratamento de referência. Neste junho de 2021, ela completou 6 anos e sua história já conta com uma forte batalha contra o câncer.

Cirurgia e início do tratamento

Após o diagnóstico, Helena foi imediatamente levada para a cirurgia, realizada no Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba. Foi uma cirurgia complicada, pois o tumor estava grudado na artéria aorta e veia cava, que são vasos importantes do corpo humano.

Caso o tumor principal não fosse removido por completo, as chances de sobrevivência seriam mínimas. “Foi um momento muito difícil, mas foi possível, graças a Deus. O médico  nos falou que foi a cirurgia mais difícil que ele fez na vida dele”, conta Juliana.

Entretanto, a médica explica que, apesar do tumor ter sido removido, Helena teria que lutar contra todas as metástases.

“Os médicos acreditam que desde o início do surgimento do tumor até o diagnóstico foi em torno de um mês e meio. Ou seja, assim que o tumor começa a crescer ele já dá metástase no corpo todo”, continua.

Helena tinha completado 4 anos de idade quando foi diagnosticada com neuroblastoma / Foto: Arquivo pessoal

Logo após a cirurgia, Helena começou a fazer quimioterapia. Em torno de uma semana, ela se recuperou da cirurgia.

Um novo caminho

A família começou a estudar incessantemente sobre o neuroblastoma e descobriu um medicamento para imunoterapia específico para esse tipo de câncer.

O tratamento, segundo Juliana, dava uma chance de sobrevivência muito maior para as crianças. O medicamento já era aprovado nos Estados Unidos e na Europa, mas não no Brasil.

Arquivo pessoal

Em uma das conversas com os médicos, chegou-se à possibilidade de Helena fazer o tratamento na Espanha. A família considera uma sorte enorme, pois eles já contavam com a dupla nacionalidade. “Por coincidência do destino e um ato de Deus, o país é muito desenvolvido para o tratamento deste câncer, que é raro. É um centro de tratamento referência”, aponta.

Em poucos dias após as quimioterapias iniciais, Helena entrou no avião para Madri com a imunidade melhor. “Nós largamos tudo, meu trabalho, casa, carro, amigos e família. Nos apegamos ao mais importante da nossa vida, a Helena”, diz.

Arquivo pessoal

Tratamento na Espanha

Juliana explica que a imunoterapia na Espanha é feita em uma fase final de tratamento, depois de mais ou menos dois anos. Então, Helena continuou com a quimioterapia.

No fim de novembro de 2019, em uma reavaliação, foi visto que ela não respondia às quimioterapias. “Estava repleta de metástases, muito debilitada, pele e osso. Ela estava muito fraquinha, magrinha, com a imunidade zerada”, relata.

Na tentativa de salvá-la, os médicos e os pais decidiram antecipar o tratamento de imunoterapia. Em três meses, no final de janeiro de 2020, eles reavaliaram Helena e viram que todas as metástases do corpo dela tinham sumido.

“Completamente limpa do câncer. Isso surpreendeu muito a equipe médica e a gente começou a respirar. Isso nos deu forças e ar para continuar lutando”, conta Juliana, com entusiasmo.

Arquivo pessoal

Desafios na pandemia da Covid-19

Pela gravidade do câncer, o tratamento continuou e Helena passou por um transplante de células tronco em abril de 2020. O processo cirúrgico foi realizado com as células do cordão umbilical da criança, que estavam congeladas. “Outra coincidência enorme do destino”, diz a mãe.

Juliana aponta que o momento foi angustiante pela cirurgia ter sido feita no início da pandemia da Covid-19. Porém, mesmo com os medos, ela ressalta que o tratamento não poderia ter sido adiado pela gravidade do neuroblastoma, que poderia voltar.

Arquivo pessoal

“Nós nos internamos em completo isolamento, com o medo terrível, em Madri, que foi um dos epicentros do coronavírus no mundo. Nós internamos a nossa menininha, com a imunidade zerada, para fazer o transplante. Hoje vemos que a decisão de manter o tratamento, mesmo em uma pandemia histórica, foi correta”, avalia.

Juliana reflete que, desde o diagnóstico, a família já vivia uma rotina de confinamento. Ou seja, já eram realizados os cuidados com higiene, o uso de máscaras e o isolamento social. “A diferença é que antes só éramos nós, depois o mundo inteiro”, explica.

Então, após o transplante de medula óssea, foram feitas 12 sessões de radioterapia e mais seis meses de imunoterapia. “Foi um processo longo de tratamento, com efeitos colaterais. Mas nós não perdemos a fé de que ela iria se salvar”, completa.

Hoje com 6 anos de idade, Helena terminou a fase principal do tratamento contra o neuroblastoma, feito entre julho de 2019 e fevereiro deste ano.

Para tornar o mundo de Helena mais leve, a família usou da imaginação e transformou os dias da menina / Foto: Arquivo pessoal

O mundo mágico de Helena

Para Juliana, a luta de Helena contra o câncer foi diferente por ter acontecido durante a infância. De acordo com a mãe, mesmo que Helena soubesse o que acontecia de fato, a menina estava em uma fase muito lúdica aos 4 anos de idade. Nisso, Juliana recorda ter visto a oportunidade de transformar o momento, a fim de deixá-lo menos traumático.

Arquivo pessoal

Nesse processo, um mundo mágico foi criado. Juliana transformou a doença e as dores em vilões. Os remédios se tornaram heróis. Ela explica que cada um tinha uma ação: um era o bombeiro, outro era policial, outro era piloto de avião.

Os remédios tinham nomes. Um era o Batman, outro era o Super-Homem, também tinha a Mulher-Maravilha e o Robin. Essa forma de ver a situação transformou os dias de Helena e da família.

Arquivo pessoal

Um exemplo dado pela mãe era a necessidade da menina ir ao Centro Cirúrgico e ser anestesiada. Helena adora a história de Peter Pan e a da fada Sininho. Sabendo disso, ela contava para a filha que o anestésico era como se fosse o pozinho da Sininho e que faria Helena voar. Ou seja, que ela não iria sentir dor e que podia ficar tranquila, mas que tinha que pensar em uma coisa muito boa.

“Isso fazia com que ela, desde o dia anterior, que sabia que ia para a cirurgia, pensasse em alguma coisa muito boa. Ela adorava ser anestesiada, e realmente tem a sensação de adormecimento e amolecimento do corpo. Para ela, iria voar. Então, Helena adorava e os médicos falavam que ela era a criança mais feliz em ir ao Centro Cirúrgico”, continua.

Helena passou a usar várias perucas divertidas / Foto: Arquivo pessoal

Câncer em segundo plano

O quarto da Helena no local foi transformado em um mundo mágico. Em um dia a cama era um barco no meio do oceano, em outro era um vulcão, e ela não podia descer da estrutura.

Entre risadas, brincadeiras, como andar junto da equipe de medicamentos pelos corredores do hospital, e tentativas de trazer leveza ao mundo de Helena, a família inteira sentiu os efeitos. O câncer não era o protagonista.

“Perdi as contas de quantas vezes eu dormia ajoelhada pedindo para que ela acordasse. Na tentativa de criar momentos felizes para ela, a gente acaba gravando momentos felizes também. Isso tornou leve pra nós. Ela sempre estava sorrindo”, completa.

Arquivo pessoal

Continuidade do tratamento

Em março deste ano, Helena começou um estudo clínico dos Estados Unidos, em conjunto com médicos na Espanha. Juliana explica que este ensaio é feito durante dois anos com objetivo de impedir o retorno do câncer.

A médica detalha que esse tratamento é aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), agência que regula fármacos e alimentos nos Estados Unidos, e está em fases finais de pesquisas. Dentre as 600 crianças que fazem parte do estudo, a Helena é a primeira brasileira.

Ela explica que nos Estados Unidos e nos países da Europa, a imunoterapia que a Helena fez é o tratamento padrão. Portanto, todas as crianças com neuroblastomas grau 4 podem fazer o uso do medicamento nesses países.

Já no Brasil, não tem essa imunoterapia específica. Com isso, o estudo feito agora com a menina não aceita pacientes brasileiras. “Ou seja, é considerado que crianças brasileiras não fazem o tratamento completo e literalmente têm mais chances de morrer”, conta.

O tratamento de imunoterapia é feito nos Estados Unidos desde 2015 e na Europa desde 2017. Ele foi aprovado em tempo recorde pelo FDA e pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA), pela eficácia do medicamento.

“Isso é triste, porque o fato do Brasil atrasar tanto as aprovações de medicações já comprovadas fora do país, pode repercutir até para mais tarde, de uma forma muito mais longa. Inclusive, impedindo as chances de cura para essas crianças muito além, como impedi-las de participar de pesquisas científicas com ótimos resultados”, avalia.

De acordo com ela, as chances do neuroblastoma voltar é de 40% a 60%. Já esse estudo científico reduz essa chance para 15%. “É uma redução muito significativa e as crianças brasileiras simplesmente  não têm oportunidade de participar, pois para elas é impedido de fazer o tratamento completo, junto com a imunoterapia”, continua.

Arquivo pessoal

“Esse atraso causa morte de crianças, o câncer não espera. Além de toda a angústia e sofrimento que as famílias passam, as que chegam ter conhecimento desse tratamento têm que entrar judicialmente, o que leva meses para conseguir”, ressalta.

Ela ainda explica que na Espanha a saúde é pública, com princípios parecidos com os do Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, ela conta que o país também tem carga tributária parecida com a do Brasil.

Arquivo pessoal

Aprovação de medicamentos

No Brasil, Juliana explica que os tratamentos contra o câncer precisam de aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para ela, o problema não está relacionado à comprovação da eficácia do medicamento.

Segundo a médica, alguns desses tratamentos contra o câncer têm atraso de 15 anos para aprovação pela Anvisa. Ela aponta que o problema é que são tratamentos de alto custo.

“Caso a Anvisa aprove, existe um gasto para arcar com esse tratamento. É dispendioso, muitas vezes eles não querem aprovar, não por acharem que não é eficaz, eles sabem que é eficaz, mas isso acarreta custos”, explica. “Os planos de saúde também não têm interesse que algumas medicações sejam aprovadas, porque senão eles terão que arcar com esses custos”, diz.

Ela explica, ainda, que se médico souber que existe um medicamento que possa salvar a vida do paciente, ele nem sempre pode prescrever. Os riscos são dele ter que arcar com os custos do próprio bolso e ser processado pelo plano de saúde. “São muitos interesses financeiros que infelizmente fazem com que a aprovação da medicação não seja aprovada”, explica.

Arquivo pessoal

Retorno ao Brasil

A previsão da família voltar a morar no Brasil é para meados de julho. Isso significa o retorno dos pais ao trabalho e também de Helena na escola, o Colégio Cônsul Carlos Renaux.

Durante os dois anos de tratamento, as aulas de Helena foram dentro do hospital. A menina relata ter saudade da escola e a família conta sobre o carinho enorme que tem pelo colégio. Foram mensagens, recadinhos e cartinhas dos amiguinhos.

Arquivo pessoal

“A gente teve dificuldades e dores imensas, mas encontramos muito amor”, completa Juliana.

Arquivo pessoal

Por fim, Juliana informa que uma editora publicará um livro de conto infantil baseado na história de Helena. Ele foi escrito pela Izabel Krieger Moritz, professora do Colégio Cônsul, uma das professoras da menina.


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