Capa: São Nicolau e Perchta em clima de Natal.

Perchta, ou Berchta, conhecido como Bertha – nome de mulher muito usado nos países de língua alemã – coincidentemente, nome da esposa de Hermann Blumenau, fundador da cidade de Blumenau/SC. Entre outras variações, fazia parte dos hábitos e da religião antiga, antes da chegada do cristianismo à região de países de língua alemã, que possuíam uma religião pautada nos elementos da natureza. Outro exemplo de prática religiosa antiga “apropriada” pelos cristãos da antiga religião, foi a festa de natal.

Fotografia Cláudia Rosa – Baviera – 2014.
Jacob Grimm.

São práticas que possuem registros datados de 500 anos a.C., descritos por Cesário de Arles. Perchta também foi lembrado durante a prática da Caçada Selvagem na antiguidade, durante a qual pediam proteção e abundância de alimento. A expressão foi mudando durante os períodos históricos no decorrer dos séculos, como também os rituais, a figura e as festividades. Johann Andreas e Jacob Grimm mencionaram, em Giperchtennacht, como uma tradução da palavra grega epifania (Old brilliant – Alto-alemão).
Antes da chegada do cristianismo à região, Perchta era conhecida como uma deusa da mitologia germânica do Sul da atual Alemanha e dos países alpinos. Seu nome significa Old Brilliant. Perchta tem ligação com inúmeras figuras femininas do folclore alemão antigo, como a deusa Holda, Frija.
De acordo com Jacob Grimm, grande pesquisador da mitologia e cultura primitivas dos povos germânicos, ao lado do irmão, Wilhelm Grimm, Perchta tem ligação com a deusa Hulda. Afirma que é sua prima do Sul – ambas compartilham o papel de guardiães das bestas e aparecem 12 dias em torno da data do Natal, para supervisionar.

De acordo com Erika Timm (2003), à medida que o cristianismo substituiu lentamente o paganismo germânico, durante a Baixa Idade Média, muitos dos antigos costumes foram sendo gradualmente perdidos ou assimilados pela tradição cristã. No final da Alta Idade Média, o paganismo germânico foi quase completamente marginalizado e misturado ao folclore rural, no qual a personagem Frau Hulda acabou sobrevivendo.

No folclore germânico pré-cristão, Hulda, Holda, Holle e Holla eram todos nomes para denotar um único ser. Hulda também está relacionada com a figura germânica de Perchta. Ela mora no fundo de um poço, anda de carroça e ensina a arte de fazer linho.

Holle é a deusa das crianças que morreram, e alternativamente, é conhecida como Dunkle Großmutter, Vovó das Sombras e Weisse Frau, Senhora Branca, elementos que também são mais tipicamente associados aos contos de fadas dos Grimms.

O festival da Frau Holle acontece no meio do inverno, na Alemanha, época em que os humanos se retiram do frio para dentro de casa. Pode ser significativo que os doze dias do Natal fossem originalmente os Zwölften, “os doze”, que, conforme o mesmo período do calendário dos anglos saxões, era um momento durante o qual se pensava que os mortos vagassem pelo exterior, o que lembra o Dia de Finados.

Frau Holle – ilustração de Hermann Vogel. Como seria a imagem, a partir da mitologia germânica e no que foi transformada ao longo dos anos pelo cristianismo. Fonte: Wikipedia Commons.

Frau Holle seria uma das descrições de Perchta.
Nesta, Perchta teria duas formas: ela pode aparecer bela e branca como a neve e como Frau Holle, ou como idosos abatidos. Observamos, nos contos dos Irmãos Grimm, foi a maneira que encontraram para valorizar, resgatar e compartilhar parte da mitologia dos povos antigos que habitavam a região sem criar problemas com a nova religião do Sacro Império Romano-Germânico. Coincidência ou não, há uma história em conto de sua autoria que discorre sobre a Branca de Neve a qual encontrou exatos 12 anões, também representações fortes dentro da mitologia e da religião antiga.

Perchta – Mitologia.

Jacob Grimm, em sua pesquisa, afirma que Perchta é conhecida nas regiões em que hoje estão localizadas Suábia, Alsácia, Suíça, Baviera e Áustria, onde não conhecem Holda, mas é similar; portanto, sua prima.
Na Baviera e na Bohemia alemã, Perchta já foi representada, dentro do cristianismo como sendo Santa Lúcia – protetora das crianças – aquelas mesmas que lhe devem prestação de contas durante o Natal. De acordo com o escritor e pesquisador, Perchta teve inúmeros nomes, nos mais variados recortes de tempo e nas diferentes regiões.

Na Suécia, por volta de 13 de dezembro, em quase todas as escolas, aldeias cidades, as pessoas escolhem quem interpretará a Rainha da Luz, Santa Lúcia, que a religião cristã personificou na deusa Perchta. Acontece também em outras regiões da Europa de língua alemã.
Santa Lúcia – Perchta.

O mais comum é Perchta. Existem as denominações Perahta e Berchte, ou como Berchta, Frau Holle e Frau Berchta, em Alto-alemão antigo. Chamam também de Behrta e Frau Perchta.
No Sul da Áustria e entre os eslovenos, a forma masculina de Perchta era conhecida como Quantembermann. Grimm imaginava que a forma masculina deveria ser conhecida como Berchtold. Em seu estudo de 1835, Jacob Grimm afirma que o nome está dentro da língua do alemão antigo, do século X – conhecida como Frau Berchta, que seria um espírito feminino vestido de branco, similar a Frau Holle. Essa versão regional era conhecida como uma deusa da religião antiga que supervisionava a fiação e tecelagem, nas regiões dos povos germânicos. Como já foi dito, era a figura feminina de Berchtold, e muitas vezes era a líder da “caçada selvagem”.

Frau Perchta – totalmente diferente da figura transformada dentro dos anos posteriores A deusa se transformou em uma figura masculina com aparência de dar medo. Figura do demônio. Também observamos em muitas de suas imagens como mulher, que está sempre com cabelos ruivos. Coincidência ou não, as ruivas eram mais perseguidas e acusadas de bruxas pela Inquisição, na Idade Média. Muitas foram queimadas na fogueira.
Idade Média – a caça às bruxas.

Em algumas descrições antigas, Bertha é representada com pé grande, as vezes chamada de pata de ganso ou pé de cisne. Grimm em sua pesquisa supôs que ela poderia ser um ser superior capaz de mudar sua forma para a forma animal.

O pesquisador encontrou a descrição de Bertha com um pé diferente em muitas línguas. Alemão: Berthe mit fuoze dem. Francês: Berthe au grand pied. Latim: Bertha cum magno pede, e concluiu que, aparentemente, possuía um pé de cisne novo, uma evidência do ser superior que era e que convive com a dualidade. Com o lado terreno de mulher com o pé largo e chato que trabalha na fiação com o pedal do tear, e a divindade com o seu lado divino, que se transmuta no animal ou em parte dele.
No folclore da Baviera – Alemanha e da Áustria atuais, Perchta percorre os campos em pleno inverno, para entrar nas casas das pessoas 12 dias entre o Natal e a Epifania – especialmente na Noite de Reis. Diz a lenda que ela sabe se as crianças e jovens da casa e todos os demais se comportaram bem e trabalharam duro durante todo o ano. Se haviam se comportado e estivesse tudo bem, encontrariam uma pequena moeda de prata no dia seguinte, em um sapato ou balde. Caso contrário, Perchta, cortaria suas barrigas, retiraria o estômago e intestinos e os encheria de palha e pedras.

Totalmente diferente da história mitológica germânica. Nesse momento, aterroriza com o intuito de conseguir obediência.

Na mitologia germânica, Perchta foi o primeiro espírito benevolente e era considerada uma divindade intermediária. Ela tinha a figura de uma criatura encantada – espírito ou elf. Grimm conta que, com a chegada do cristianismo e, principalmente, na Idade Média – a caça às bruxas foi considerada como tal, e teve sua imagem relacionada a uma figura do mal. No cristianismo surgiu o São Nicolau que amava e visitava as crianças.

Na sua companhia, durante estas visitas, ia a Perchta (que também, ao longo de suas transformações e adequações, já fora a Santa Lúcia, protetora destas mesmas crianças), para formar o conjunto do bem e do mal – a dualidade. O representante do cristianismo era a figura do bem que premiava o bom comportamento; e a figura mitológica (que fora desfigurada) era a figura do mal, que castigava o mau comportamento das crianças.

Thesaurus pauperum.
Thesaurus pauperum.

Perchta tinha um culto, na Baviera, que foi proibido pela Thesaurus pauperum, em 1468. Proibiu-se que as pessoas deixassem comida e bebida para Frau Perchta, em troca de proteção e abundância (da época das caçadas selvagens – séculos a.C.). A mesma prática foi condenada por Thomas von Ebendorfer Haselbach, em De praecptis decem, em 1439. Mais tarde, documentos canônicos consideraram Perchta, em denominações de outras divindades femininas internacionais, como Holda, Holla, Diana, Herodias, Rochella e Abundia.

Thomas von E. Haselbach.

A palavra Perchten é o plural de Perchta, dada ao conjunto ou comitiva, bem como o nome de máscaras de animais usados em desfiles e festivais nas regiões montanhosas da Áustria e do Sul da Alemanha.
O termo Perchten geralmente incorpora dois grupos: o bom – Schönperchten – e o mau – Schiechperchten. O adorno muito importante do Perchten é o sino que tem como objetivo expulsar o inverno e os maus espíritos. Curioso que o cristianismo, mais tarde, também adotou o sino em seus templos, com o mesmo objetivo.

Schönperchten – Festividades atuais.

Isto aconteceu no século XVI, quando Perchten assumiu duas formas: alguns são bonitos e brilhantes, conhecidos como Krampus, semelhante aquele praticado em Treze Tílias. Estes surgem na noite dos doze festivais para trazer proteção e abundância ao povo. A outra forma é a Schiachperchten, que tem presas e rabos de cavalos que são usados para expulsar demônios e fantasmas. No século XVI, homens se vestiam assim e iam de casa em casa expulsar os maus espíritos – quase como um ritual, muitas vezes ou quase sempre considerado um  ritual pagão.

Site Oficial de Hansi Hinterseer – Astro do Volksmusik, Alemanha e Áustria.
Schiachperchten.

Atualmente, pode ser encontrada esta tradição em muitas localidades do Sul da Alemanha e na Áustria, nas noites de véspera de Natal até a Epifania. O Perchtenlaufen, junto com outros costumes dos Alpes, resultou no Krampus, em Santa Catarina é lembrado e vivido na cidade de Treze Tílias fundada por austríacos, como também, é praticado na cidade de Guabiruba, colonizada por imigrantes alemães oriundos da Schwarzwald – Baden Würtemberg. Também é praticado na cidade de Pomerode (a maior parte dos imigrantes que fundaram a cidade são pomeranos oriundos da região Norte, próximo ao Báltico, sem ligação com a região desta tradição na Alemanha), São Bento do Sul e Ibirama.

Guabiruba-SC.
Sociedade do Pelznickel foi fundada em Guabiruba.
A representação da divindade mitológica vestida de branco, porém com o rosto coberto – Guabiruba.

Pelznickel de Santa Catarina

Em Guabiruba – Estado de Santa Catarina – o Perchten é uma das variações, adaptada ao local do Pelznickel. Dizem que o Pelznickel é uma tradição alemã de Natal que é preservada no município de Guabiruba há mais de 180 anos, e que prega a obediência das crianças aos seus pais. Adaptados, os Pelznickel de Guabiruba e também de outras localidades de Santa Catarina, são verdes, moram no meio do mato, não trazem presentes e tem o objetivo de cobrar o bom comportamento das crianças. Eles podem ter chifres, barbas, e folhas. O Pelznickel aparece somente em dois momentos do ano: no dia de São Nicolau, em 6 de dezembro, e na véspera do Natal, dia 24. No restante do ano, ele mora na floresta. Desde 2005, a tradição é mantida pela Sociedade do Pelznickel – Pomerode News

Santo Nicolau em São Bento do Sul-SC.

É curioso que a forma adotada na cidade de Guabiruba transformou a figura diabólica – mistura do tipo humano com cabra – a qual contém chifres, pés, rabo, etc…, em seres cobertos de barba de bode, tipo de vegetação característica da região e folhas verdes, com chifres; e estes são moradores da floresta, mostrando a adequação da figura mitológica dos germanos à geografia brasileira e, de certa maneira, ao folclore brasileiro.
O Pelznickel existe no folclore da Floresta Negra, Alemanha, local de origem dos pioneiros de Guabiruba. Mas lá, como aqui, igualmente, é uma variante local da deusa Perchta da mitologia germânica que lhe deu origem, como também as demais denominação descritas aqui. Ao longo dos períodos históricos, se masculinizou e deixou de ser bela, como também se tornou parte da dualidade, formando par com São Nicolau, durante a visita às crianças, figurando o lado assustador e malvado aos não comportados.

Grupo de Guabiruba – Pelznickel, interferência na composição – da geografia local.
Ibirama/SC – Pelznickel, interferência na composição – da geografia local.
Treze Tílias, a figura do Santo Nicolaus e o Krampus, outra versão regional do Perchta – com origem na Áustria.
Treze Tílias, a figura do São Nicolau e o Krampus, outra versão regional do Perchta,- com origem na Áustria.
Treze Tílias, a figura do São Nicolau e o Krampus, outra versão regional do Perchta, com origem na Áustria.

Na Europa, também é encontrado em vários desfiles de carnaval e no Dia das Bruxas – de divindade feminina protetora das crianças à imagem medieval de bruxa; muitas vezes, como figura masculina somente. Muitos destes Perchtaufführungen são somente uma tração turística de tradições regionais, comemorados em 5 de dezembro, que não é a data correta para o Perchten, mas somente Krampusse. Há figuras perchtenartige, independentemente dos costumes de São Nicolau. Uma grande confusão a partir da regionalidade, com “acréscimos” até mesmo quando chegaram ao Brasil. Ficaram, realmente, como uma tradição e fomentam o imaginário coletivo.

Atualmente, Sankt Nikolaus é a personificação do bem e Perchta, do mau. Além de trocar seu perfil, características, personalidade, também mudou o nome para uma variante masculina. De Perchta, transformou-se em Pete, que tem a aparência figurada do diabo. De acordo com a análise cristã, os demais figurinos que acompanham o Perchten (ursos, burros, cabras) lembram os vícios humanos; Perchta, nesta descrição, lembra a gula …

A tradição passando pelas gerações por meio de sua história…. Muitas vezes, desconhecendo as sombras de suas “dobraduras”!

Conhecer é preciso.

Um Registro para a História.

Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
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@AngelWittmann (X)

Referência

  • TIMM, Erika. 2003. Frau Holle, Frau Percht, und verwandte Gestalten: 160 Jahre nach. Grimm aus germanistischer Sicht betrachtet.
  • ALEXANDER, Maria. The Witches of Winter. Disponível em: https://reactormag.com/the-witches-of-winter/  . Acesso em 1° de dezembro de 2024 – 22h.
  • Perchta. Wikipedia (em alemão). Disponível em:https://de.wikipedia.org/w/index.php?title=Perchta&oldid=230368969 . consultado em 1° de dezembro de 2024 – 21h34.
  • Perchtl está chegando na véspera da Epifania! In: Weststeirische Rundschau, nº 51/52, ano 2022, 23 de dezembro de 2022, 95º ano, Deutschlandsberg 2022, p. In: Peter Stelzl Lendas da Estíria. Styria-Verlag Viena, Graz, Klagenfurt 2012. ISBN 978-3-7012-0109-9. pp. 98–109.