“As pessoas das comunidades pedem ajuda”, diz delegado que investiga o tráfico
O responsável pelas investigações também falou sobre a relação entre o tráfico e as facções criminosas na cidade
A comunidade do morro Dona Edit viveu, pelo menos até abril de 2017, sob o comando de um grupo de traficantes que organizava o crime na região da Velha Central. O bando tinha, inclusive, funções bem definidas. O chefe pensava nas estratégias junto com seus chamados “gerentes”. Estes, por sua vez, designavam ordens aos traficantes, que distribuíam as drogas.
O morro era guardado por crianças, os chamados “radinhos”, que avisavam assim que percebiam uma aproximação diferente. O envolvimento com o tráfico, mesmo que como simples olheiros, os ensinava a ver a rotina do crime como exemplo.
Na semana passada foram sentenciadas as penas de 6 dos principais membros da organização do tráfico no Dona Edith. Eles receberam penas de 19 a 34 anos. Algo, segundo o delegado responsável pela investigação, Egídio Ferrari, nunca visto na Comarca de Blumenau.
Ferrari diz que os moradores de locais onde acontecem crimes como o tráfico de drogas costumam fazer contato, de forma anônima, para pedir ajuda. Afirma que a Polícia Civil está fazendo investigações em outros morros de Blumenau, mas não entra em detalhes para que os inquéritos sejam preservados. Além disso, o responsável pelas investigações fala sobre a relação entre o tráfico e as facções criminosas. Leia a entrevista.
O Município Blumenau – Blumenau tem núcleos de tráfico tão organizados quanto os de favelas de grandes cidades brasileiras?
Egídio Ferrari – Aqui em Blumenau a gente viu que, poxa, ali tem quem manda. Essa foi a diferença. Essa ação concentrou em cima dos principais. Não adiantava a gente mais uma vez subir o morro como a PM faz todo dia, faz prisões, pega adolescente, pega cara com, às vezes, quantidade considerável de droga, mas não pega os principais.
Então hoje os principais estão condenados. Dois deles, que estão foragidos, vivem na sombra, se escondendo o tempo todo porque se pararem em uma blitz serão presos.
Então não há nada parecido em nenhum outro morro?
Outros lugares são investigados também, mas maiores detalhes eu prefiro não relatar justamente porque existem investigações em andamento, para não prejudicar.
Num geral, então, esses grupos costumam colocar medo nas comunidades?
Eu não dou muita ênfase porque eles acabam sabendo. Se eu falar “olha, algumas pessoas procuraram a polícia”, eles saberão quem são porque podem saber. Para ter uma ideia hoje ainda (25) eu recebi uma mensagem no celular de alguém pedindo “pelo amor de Deus, tem que vir aqui no nosso condomínio”. As pessoas realmente pedem ajuda. Às vezes até ficam desesperadas porque a última medida que podem ter é a ação da polícia prender, acabar com aquilo porque eles não aguentam mais.
Neste caso, aparentemente o grupo do Dona Edith não possuía ligação com facção criminosa…
Praticamente todos os locais de vendas de drogas são, não digo controlados, mas pelo menos conhecidos dessas organizações. As pessoas e os traficantes acabam sendo forçados a fazer parte disso.
Daqui a pouco o cara começa a vender droga sozinho, ele não tem força. Aí chegam lá três, quatro caras e dizem “esse lugar aqui é bom, e a organização quer pegar”. Se ele ir contra será morto, e aí eles simplesmente dizem “ó, não tem problema nenhum você vender se não quiser fazer parte, mas vai ter que pagar”. No caso do Dona Edith eles meio que se respeitavam.
De acordo com a investigação, a droga vinha do Paraguai. A polícia já sabia de algo sobre essa ligação direta entre Paraguai e Blumenau?
A gente diz que provavelmente vem de lá porque há mais informações não oficiais, digamos assim. Conversamos com presos, testemunhas que falavam isso. A gente não levou por esse lado porque sabemos que pelo menos 90% da droga no Brasil deve vir do Paraguai.
Eu já conversei com traficantes e eles abrem o jogo numa boa, dizem que é muito mais barato, que lá tem na quantidade que você quiser. Só que se a gente levasse para esse lado da transnacionalidade do tráfico teríamos que remeter o processo para a Polícia Federal.
E o risco de exposição do policial durante o envolvimento com a investigação?
Infelizmente acontece, é inerente à profissão numa cidade como Blumenau. Talvez num centro maior a gente conseguisse não ter esse contato. Eu sou natural daqui, minha família é daqui. Com as redes sociais a gente tenta se preservar. Tenho uma página no Instagram mas não tenho nada da minha família. Mas é inerente, não tem o que fazer. Sou muito sincero e firme em dizer que se partirem para esse lado também terão que perder.
Quais são os principais obstáculos para executar uma investigação desse tipo?
Sempre é a falta de recursos. Essas (grupo do morro Dona Edith) foram as maiores sentenças de tráfico na região justamente porque nós conseguimos com o mínimo de recursos. Remontamos a DIC Blumenau em dezembro de 2016, com a minha vinda e de mais alguns policiais.
Teve um novo concurso, chamamos policiais novos e colocamos essa sobra na investigação. Por isso consegui montar uma equipe de investigação. Em dezembro de 2016 eu vim, em janeiro de 2017 a gente começou a investigação, em abril esse pessoal estava preso. Nós começamos já investigando eles.
Hoje temos 18 policiais. Podíamos fazer mais, trabalhar mais fora. Mas ainda estamos numa condição boa se comparado com poucos anos atrás.
E em relação aos homicídios que aconteceram provavelmente a mando dessa organização?
Relatei um inquérito de homicídio no mês passado que aconteceu no morro Dona Edith. Estavam em dois usuários de drogas, eles ficavam embaixo do morro. Subia gente para comprar droga e eles ficavam molestando as pessoas. Queriam dinheiro para comprar droga.
Os traficantes desceram e falaram duas vezes “ou vocês saem daqui, ou vão morrer”. Isso palavras do cara que sobreviveu. Na terceira vez desceram em três, sacaram uma pistola 9mm, e deram três, quatro tiros em um, e o outro saiu correndo. É aquele exemplo típico do tráfico de drogas: estava atrapalhando os negócios. Um deles foi morto por causa disso. Temos diversos exemplos que ocorreram.
Só que nesse caso um deles sobreviveu para dar depoimento e não adianta, não importa o que falássemos, ele dizia que não tinha condições de reconhecer quem era por fotografia, nem nada disso. Ou seja, ele acabou de ver o amigo ser morto, se ele falar o próximo pode ser ele.