Projeto Bugio, de Indaial, integra estudo inédito no mundo para salvar macacos sob enorme risco de extinção
Eles receberão vacina contra a febre amarela, doença que vem devastando primatas em todo o estado
Nativo da Mata Atlântica e antes facilmente encontrado nas áreas verdes de Blumenau e região, o Bugio-ruivo (Alouatta guariba) já é considerado um animal em risco de extinção em Santa Catarina. Aliás, a espécie está listada entre os 25 primatas mais ameaçados do mundo, segundo estudos da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
De acordo com informações do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), no estado, a espécie está enfrentando um risco de extinção na natureza elevado e está categorizado como vulnerável. Na Ilha de Santa Catarina, em Florianópolis, eles já são considerados extintos há 150 anos devido o avanço da urbanização e destruição ambiental, além de incêndios e caças.
Porém, atualmente, o maior risco para a espécie é a febre amarela. Nos últimos cinco anos a doença dizimou macacos pelo país inteiro e foi a grande responsável pela grave diminuição no número de bugios-ruivos nas matas de Santa Catarina, Minas Gerais, Rio de Janeiro entre outros estados.
Em Indaial, por exemplo – onde o Projeto Bugio realiza pesquisas na natureza e faz acompanhamento da espécie na mata – em 2019 se registravam cerca de 60 animais. Hoje se encontram no máximo seis.
“O bugio estava numa categoria de risco, passou para uma pior e hoje se encontra entre os mais ameaçados do mundo, justamente por essa grande perda a nível Brasil, muito preocupante para espécie”, lamentou a doutora Zelinda Maria Braga Hirano, fundadora e pesquisadora do Projeto Bugio.
Diante desta situação, em 2017 os pesquisadores da Sociedade Brasileira de Primatologia começaram a discutir e estudar a possibilidade de vacinação dos animais para a febre amarela. Liderados pelo doutor Alcides Pissinatti, que é chefe do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (CPRJ), junto ao virologista Marcos da Silva Freire, especialista na doença e que atuou no desenvolvimento e produção da vacina para humanos, iniciaram em 2018 as pesquisas na Fiocruz e CPRJ.
O foco principal naquele momento era o mico-leão-dourado, espécie que na época já era ameaçada de extinção, algo que o Bugio veio a ser alguns anos depois, devido as mortes pela doença.
Com acompanhamento do Ministério da Saúde e do Centro de Pesquisas e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB/ICMBio), eles fizeram testes e tiveram resultado positivo na utilização da vacina para humanos, usando o vírus atenuado – que é quando o vírus é enfraquecido aos poucos e não é mais capaz de causar doença. Entretanto, ele continua sendo reconhecido pelo sistema imunológico.
Na pesquisa, as doses aplicadas nos animais foram uma diluição da vacina utilizada para humanos e testou além dos micos-leões-dourados, os bugios-ruivos, que também tiveram resultados positivos. Um artigo sobre o tema foi publicado em 2020, mostrando o feito inédito no mundo.
Vacinação em Indaial
Devido aos grandes resultados obtidos até então na pesquisa, doutora Zelinda, que também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia (SBPr), correu atrás para conseguir doses para os animais mantidos no Projeto Bugio.
Junto ao grupo liderado pelo doutor Alcides Pissinatti, ela conseguiu incluir na pesquisa os 48 bugios existentes no projeto – 47 bugios-ruivos e um bugio-preto. Por conta disso, eles vão receber as doses necessárias para aplicar em todas as espécimes que estão no local.
“Conversamos com o Ministério da Saúde e Ministério do Meio Ambiente e estamos aguardando também o comitê de ética da Universidade [a Furb]”, explicou dra. Zelinda.
Como ainda são necessários os trâmites legais, não há uma data específica para que a vacina seja aplicada nas espécies mantidas no Projeto Bugio, em Indaial. Porém, com a garantia, Zelinda comemora a oportunidade de conseguir imunizar os animais que hoje precisam ficar protegidos por telas para evitar a possibilidade da entrada dos mosquitos transmissores doença.
“Nosso plantel entrará como ampliação do número dos macacos pesquisados. Mas, já sabemos que a vacina funciona, então só vai aumentar o número experimental deles e nossos animais serão imunizados. Tão logo a gente poderá tirar as telas e eles terão uma vida melhor”, comemora.
Projeto Bugio
O Projeto Bugio foi criado em 1991 pela professora doutor. Zelinda, e desde 1992 é mantido por uma parceria entre Prefeitura de Indaial e Universidade Regional de Blumenau (Furb). O local serve como espaço para tratamento, conservação e cuidado de espécimes que foram resgatadas após algum tipo de acidente ou doença.
Dra. Zelinda, que é biomédica, conta que tudo começou quando ouvia diariamente o som dos bugios-ruivos na mata, quando atravessava a rua Rio de Janeiro, no bairro do Sol, em Indaial – local onde foi instalada a sede do projeto.
Nesse momento ela começou a se interessar pela espécie e foi conhecê-la. Foi quando se apaixonou, mudou de área, começou a realizar pesquisas sobre a espécie e criou o que chama de “projeto de sua vida”.
“Isso aqui é a minha vida. Me aposentei como professora, conquistei muito, mas nada me tira daqui, é amor”, conta ela.
O projeto recebe bugios através de ocorrências atendidas pela Polícia Militar Ambiental, como atropelamentos, choques elétricos, ataques de outros animais ou doenças. Os macacos só ficam no espaço de cativeiro caso não tenham condições de serem devolvidos ao seu habitat natural.
Atualmente, são 48 animais existentes no local, sendo 47 ruivos e um preto, que veio do Oeste do Estado – são mais comuns naquela região e Rio Grande do Sul. Dos ruivos, há uma boa parte de filhotes que foram resgatados após os pais morrerem devido a febre amarela nos últimos meses.
“A gente trouxe pra cá para alimentá-los. Eles são tratados em mamadeira e recebem todo atendimento necessário. Mas como estão sendo criados em cativeiro, único lugar onde sobreviveriam, deverão ficar por aqui, pois não teriam capacidade de voltar para a mata”, explica a biomédica Sheila Francisco, que é coordenadora do Projeto Bugio.
A estrutura do projeto possui 27 espaços, compostos por área fechada e aberta, contendo troncos e mangueiras de bombeiro, onde os bugios se penduram. Além disso, também existe um ambulatório para atendimentos emergenciais com aparelho de anestesia, cozinha para armazenamento e preparo dos animais.
“Na mata eles se alimentam quase sempre de folhas e as vezes frutas. Aqui, como não temos tantas folhas assim, a gente divide, metade frutas e metade folhas. As frutas são doadas por um supermercado e são sempre limpas com todo cuidado, para evitar qualquer tipo de contaminação”, explica Sheila.
Além do tratamento e conservação dos bugios, o projeto também é responsável pela realização de pesquisas, estudos e capacitação de estudantes, servindo também como forma de conscientização nas escolas da região.
O projeto não atua como forma de reprodução da espécie e dificilmente recoloca os animais resgatados na natureza. Isso devido a dificuldade que teriam para sobreviver, após terem passado tanto tempo em cativeiro.
Entretanto, em caso de possível extinção da espécie em determinada região de mata, o processo de repovoamento pode ser feito com os animais em cativeiro, considerando toda uma série de critérios estabelecidos.
“Detectou-se a necessidade, aí faz um estudo de todos, vê se tem viabilidade genética, se é compatível com a região a genética deles, enfim, uma série de coisas que precisam ser estudadas e avaliadas”.
Bugio-ruivo
De nome científico Alouatta guariba, o bugio-ruivo, ou bugio-marrom, é nativo da Mata Atlântica e encontrado em vários estados do Brasil, principalmente no sul e sudeste. Devido a urbanização, queimadas e febre amarela, estão em risco de extinção.
Porém, é importante destacar que os bugios não transmitem a febre amarela. Inclusive, uma das diversas importâncias da espécie para o Meio Ambiente é de serem o sinal de alerta para a presença da febre amarela e do mosquito aedes egipty em determinadas regiões.
Quando filhotes são pretos, porém, os machos ficam com tons mais alaranjados ou avermelhados quando crescidos, devido a secreção que soltam do corpo, tingindo os pelos. Até por conta disso, forma batizados de bugios-ruivos. Já as fêmeas possuem uma cor mais castanha escura.
Cabe salientar que a descoberta do porquê da cor dos animais surgiu através de um estudo realizado pela fundadora do Projeto Bugio, Dra. Zelinda, em sua tese de doutorado, em 2004, na Universidade de São Paulo (USP).
Uma das características mais interessantes da espécie é a vocalização que eles emitem, que podem alcançar longas distâncias. Além disso, utilizam a cauda como locomoção nas árvores e raramente são vistos em solo.
Apesar de serem nativos em Santa Catarina, o Instituto do Meio Ambiente (IMA) não possui registro do número de bugios existentes no estado.
Espécie pode ser repovoada em Florianópolis
Como informado acima na reportagem, o bugio-ruivo está extinto da Ilha de Santa Catarina há 150 anos. Entretanto, em março e abril de 2020 dois filhotes da espécie nasceram no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) e podem servir como forma de repovoação da capital.
De acordo com o IMA, o CETAS não tem por finalidade a reprodução dos animais, porém, pode acontecer, como foi neste caso. O objetivo é deixar que os filhotes sejam cuidados por uma família que existe no local e avaliar o comportamento natural dos animais, o que será importante caso o grupo seja solto na natureza.
“Um projeto de reintrodução pode ter como metodologia a realização de solturas de animais na natureza com a expectativa que eles reproduzam até que sejam observados mais nascimentos do que mortes. Não sendo necessário, portanto, fazer novas solturas para a população se estabelecer”, explicou a Coordenadora do Cetas, pelo Instituto Espaço Silvestre, Vanessa Kanaan.
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