Proprietários de terras no Parque da Serra do Itajaí aguardam indenização há quase duas décadas

Eles questionam validade legal do Parque e buscam por conciliação para resolver a questão

Conflitos, pressões e espera definem os últimos 18 anos de diversos proprietários de terras do Parque Nacional da Serra do Itajaí. Segundo um grupo de donos de imóveis, a situação desagradável é vivida desde a criação da unidade de conservação e de proteção integral de área contínua de Mata Atlântica, em 2004.

No aguardo pelas indenizações, Leandro Moresco, Clóvis Bette, Fabio Rezini, Pedro Joaquim Moretto e José Victor Iten apontam que a recente proposta de transformar o Parque em Floresta Nacional (Flona) não resolverá a situação.

Para eles, a única mudança de categoria benéfica aos proprietários é de Parque Nacional para Área de Preservação Ambiental (APA). Ou seja, para uma unidade de uso sustentável. “Com isso, nós proprietários poderíamos permanecer lá, restabelecer a atividade que tínhamos anteriormente e, obviamente, respeitando o código florestal”, justifica José.

O Parque conta com um território de 57 mil hectares distribuído por nove municípios da região do Vale Europeu: Blumenau, Ascurra, Apiúna, Botuverá, Gaspar, Guabiruba, Indaial, Presidente Nereu e Vidal Ramos. A unidade federal está sob gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Em junho, uma audiência pública realizada em Blumenau discutiu a mudança de categoria. No evento, autoridades apoiaram o Projeto de Lei 1797/22, de autoria do deputado federal Darci de Matos (PSD). O texto propõe a mudança de categoria para Flona e que tramita na Câmara dos Deputados.

Contudo, caso o projeto de lei seja aprovado, a área continuará sendo de posse e domínio públicos. Assim, as propriedades ainda deverão ser desapropriadas e o governo deverá pagar as indenizações.

“Foi um erro de digitação, se foi proposital, não sabemos, mas houve um equívoco. Existem Flonas no Brasil que funcionam. O governo faz o leilão da área para ela ser explorada por durante 50 anos, por exemplo. Uma ideia é o autor da proposta retirá-la e colocar o projeto em consenso [das APAs]. Outra possibilidade é, quando chegar na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania], ter que fazer um substitutivo lá”, comenta José.

Leandro salienta que, ao transformar o Parque em uma APA, cada proprietário poderá explorar a área. “Não podemos de forma alguma desmatar, mas podemos ficar lá. Hoje, eu não posso vender o terreno ou fazer nada com ele, pois a área não é minha, é do governo, que simplesmente não paga e não explica. Estamos há 18 anos esperando uma explicação”, completa.

Relação conflituosa

Os proprietários relatam que a relação com o ICMBio é conflituosa, com constantes pressões e aplicação de multas nas propriedades. “Se nós, que moramos dentro do parque, fizemos um galinheiro, estaremos sendo multados. Se cair um rancho, não pode reconstruir, é multa. É um ataque constante”, exemplifica Clóvis.

“Todas vez que eles entram lá, nos engessam, através de embargos de propriedades ou nos autuam, com multas de até de R$ 350 mil, o que inviabiliza os pagamentos. E você fica com o terreno cada vez mais restrito. Ou seja, eles expropriam o que é nosso de uma forma sutil. Aos poucos, ficamos cada vez mais limitados, até que saímos de lá”, continua José.

Pedro aponta que um morador foi multado em R$ 100 mil pela construção de uma cancha de bocha. “Tem muita gente em maus lençóis com multas que não podem pagar. Tem um que precisou desmanchar uma casa. Se tivesse sido indenizado, tudo bem, mas não foi”, expõe.

Abandono

Leandro explica que os proprietários são fiscalizados de acordo com as regras do parque. Neste sentido, são encontrados muitos entraves ao tentarem manter as propriedades, que vão sendo abandonadas aos poucos. Por exemplo, a impossibilidade de fazer a manutenção de uma estrada até o terreno.

“Os fiscais do ICMBio chegam dentro das nossas áreas dando com os dois pés, ameaçando, falando que nós não podemos construir. Ou seja, nós nunca recebemos por essa área, mas somos sujeitos diariamente a lei de parque”, diz.

Ele afirma que muitas áreas foram degradadas por conta do abandono. Na avaliação dos proprietários, a situação fez aumentar a atividade da caça e a extração ilegal de palmito. Conforme eles, a quantidade de proprietários que cuidavam dos terrenos era maior do que o número de agentes fiscalizadores.

Parque caducado

Outra questão levantada pelos proprietários é a possibilidade do Parque Nacional ter caducado. Segundo José, para formalizar uma unidade de conservação integral, é seguido uma lei de 1941, que aponta a necessidade de desapropriar o espaço a ser de utilidade pública em até cinco anos.

“Se nesse tempo não se efetivar, aquele decreto não tem mais efeito. O parque só se concretiza, se formaliza ou cria corpo, quando todos forem indenizados. Até então não”, explica.

Portanto, José aponta que, caso o Parque caduque, todas as ações do ICMBio seriam de vício de origem.

“Temos essa demanda, que já está no Supremo Tribunal Federal. Existe uma provocação de um monte de entidades nacionais, onde nós também defendemos que a pretensão da União perdeu o efeito em 2009, porque não foi implantada. Existe uma outra corrente que diz que não, mas temos essa leitura também”, aponta.

Busca pela conciliação

O grupo de proprietários destacam que a maior vontade é ter uma conciliação. “Há um ataque contra nós, moradores. Para um leigo, nós somos contra o parque, mas não é isso, falamos de uma unidade de proteção integral”, defende José.

“Nosso propósito é forçar uma resolução. Como está há 18 anos, está cada vez pior. Estamos cada vez mais expropriados, limitados e engessados. Não temos perspectivas de sermos indenizados, porque não tem esse recurso, se nem para a BR-470 há”, desabafa.

Enquanto isso, Fabio afirma que as áreas estão sendo desvalorizadas. “Mesmo se eu quisesse, pois não é a intenção, não conseguiria vender. Ninguém quer comprar uma área dentro de uma unidade de conservação. Não pode fazer nenhum tipo de investimento na propriedade, somos três irmãos, se eu quisesse fazer uma casa ou ampliar a residência, não posso. É muito difícil, tu és dono, mas não é”, finaliza.

Floresta Nacional, APA e solução pela indenização

Ciro Groh/Arquivo O Município

Para o presidente da Associação Catarinense de Preservação da Natureza (Acaprena), Lauro Eduardo Bacca, transformar o Parque Nacional da Serra do Itajaí em Floresta Nacional também não solucionará a situação.

De acordo com o ambientalista, a tentativa de transformar a área em APA também é inaceitável para o local. “É uma proposta descabida”, pontua.

Ele explica que a implantação desta categoria é ideal para mitigar impactos ambientais em áreas com um certo grau de população. O que, segundo ele, não é o caso da região, pois são poucos que moram dentro do perímetro do parque.

Lauro aponta que, de acordo com o Plano de Manejo da Área, foram identificadas 334 propriedades no local. No entanto, apenas 69 estariam totalmente dentro da unidade e, destas, apenas três seriam de residentes que dependem da área que ainda aguardam pela indenização.

Segundo o ambientalista, as outras terras particulares restantes estão parcialmente localizadas dentro do perímetro do parque. “Os já indenizados, como é que ficam? Vão devolver o dinheiro para eles? As casas deles não existem mais, como é que fica essa história? Ou seja, o fato de várias propriedades terem sido indenizadas significa que o Parque Nacional tem iniciado a sua implantação”, afirma.

Para Lauro Bacca, a melhor forma de lidar com a situação é pressionar o governo para que as indenizações faltantes sejam pagas. “Nós ambientalistas, não todos, estamos juntos com os proprietários, estamos de mãos dadas com eles. Nós concordamos que deve haver uma priorização para a indenização das propriedades”, completa.

Necessidade de diálogo

Sobre os possíveis ataques do ICMBio, Lauro avalia que os casos devem ser observados de forma cautelosa. “Ninguém gosta de ser multado e embargado. Agora, não há um caso sequer em que alguém foi impedido de acessar a sua propriedade por ser Parque Nacional”, afirma.

Contudo, o ambientalista admite que houve um aparente abuso do ICMBio. Como o caso de um pesque-pague embargado, no qual o proprietário foi autuado com uma multa elevada.

“Na realidade, a ação do ICMBio foi correta, por ter seguido a lei. A revolta do proprietário é: por que eu e não os outros? A 50 metros do pesque-pague, que já existia muito antes da criação do Parque Nacional, tinha uma casa igualmente dentro da APP [Área de Preservação Permanente] e nada aconteceu. Então, dá uma sensação de perseguição”, detalha.

Também, ele afirma que, enquanto os proprietários não são indenizados, eles podem continuar exercendo atividades legais dentro da área. “Não há cerceamento de atividades, desde que previstas na lei. Por exemplo, se um cidadão plantou árvores exóticas em cima de uma APP, ele foi autuado não por ser parque, mas porque não pode, ponto final”, continua.

Lauro pondera que se a entidade pública receber uma denúncia e não agir de acordo com a lei, ela responderá pela omissão no cumprimento do dever.

“Agora, por outro lado, como cidadão comum, eu não consigo entender o porquê uma pessoa não possa construir uma ponte de acesso à propriedade, que fica no outro lado do rio. Aí eu concordo com os proprietários, é um aparente exagero do ICMBio. Se a lei diz que não pode ou se essa ponte não poderá entrar depois na planilha de indenização, faça-se um acordo e assina-se, se for o caso”, avalia.

Discordância

Sobre a preservação ter diminuído após a instalação do Parque Nacional, Lauro discorda dos proprietários e afirma que muitos exploravam a área de forma predatória.

Segundo ele, a Serra do Itajaí só foi preservada por conta da topografia, o que torna o acesso ao local dificultoso. “Foi o último lugar do Vale do Itajaí a ser acessado para exploração de madeireiras. Mas se de fato os proprietários sabem preservar melhor do que o governo, onde é que estão as antas que havia centenas, quase milhares, na região do Parque Nacional da Serra do Itajaí? Elas não evaporaram, foram todas mortas por caçadas”, aponta.

O ambientalista cita outras espécies, que também foram diminuindo ou até já não são mais encontradas na região. São o porco do mato queixada, a onça pintada, o puma e a jacutinga. “Temos relatos do nosso grande cientista Fritz Müller, que escreveu a Charles Darwin que só no ano de 1866 foram mortas 50 mil jacutingas naquele inverno. Não tem mais essa espécie no Vale do Itajaí”, salienta.

“São exemplos de como a fauna desapareceu violentamente devido à caça predatória. Posso afirmar, muitos dos proprietários atuais caçaram até bem recentemente e até depois do parque existir. Alguns ainda continuam caçando”, afirma.

“Evidentemente, isso não justifica o que está acontecendo agora. O governo Federal tem que parar de desmontar o ICMBio, o Ibama e o próprio Ministério do Meio Ambiente. E a nossa luta será, de mãos dadas entre os ambientalistas e proprietários, pela efetiva indenização das propriedades, pelo valor justo de mercado. Nós respeitamos os proprietários, mas precisamos resolver esse problema do Parque sem acabar com ele”, completa.

Impactos econômicos do Parque Nacional

Lauro Bacca defende a manutenção do Parque Nacional como uma forma ideal de preservar a área e também proporcionar a visitação de turistas. Ou seja, se tornar grande uma fonte de atrativos que movimenta o turismo e a economia da região.

“O governo pode não cuidar bem, mas é a única forma de garantir uma área preservada em perpetuidade. Ou seja, intergeracionalmente, passando por gerações, para todo o sempre. Não adianta cuidar bem agora, e abandonar lá na frente depois”, pondera.

De acordo com ele, um estudo do ICMBio realizado em 2017 aponta que, naquele ano, foi registrada a visitação de 10,8 milhões de pessoas nos parques nacionais. Elas geraram R$ 2,4 bilhões aos municípios de acesso e no entorno. Além de 90 mil empregos diretos, R$ 2,7 bilhões de renda, R$ 3,8 bilhões em valor agregado ao PIB e R$ 1,4 bilhões em vendas.

Lauro destaca os efeitos econômicos nos municípios, levando em conta toda a movimentação dos turistas.

“A médio prazo, os nossos parques tem potencial de 56 milhões de visitantes, falando apenas dos 20 principais dos 74 que o Brasil possui. São [previstos] 970 mil postos de trabalho, e R$ 44 bilhões agregados ao PIB. Esses dados não existiam quando foi criado o Parque Nacional da Serra do Itajaí e naquela época ninguém tinha esse argumento”, defende.

Ele ressalta que os parques nacionais atraem visitantes internacionais, que buscam um ecossistema inteiro preservado, além de uma bela paisagem. “Nesses casos, os parques auxiliam ao mover a roda da economia. Se esse parque deixar de existir, vamos deixar de ganhar isso e quem ganha são entre 100 e 200 proprietários, que vão poder continuar visitando suas propriedades, usufruindo, fazer as entradas, causando erosões, e a sociedade toda vai perder”, finaliza.

A reportagem tentou contato com o ICMBio para posicionamento em relação aos pontos levantados pelos proprietários. Contudo, não recebeu resposta até a publicação.

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