Quebrando barreiras: conheça a trajetória e os percalços de mulheres que alcançaram a liderança em Blumenau
Moradoras da cidade compartilham da perseverança em suas histórias
Em celebração ao Dia da Mulher, neste 8 de março, quatro moradoras da cidade compartilharam com O Município Blumenau um pouco da sua história. Todas ocupam atualmente cargos de liderança onde poucas mulheres chegaram. Entretanto, relatam um sentimento em comum: perseverança.
“Quando eu ia para as feiras nos anos 80 virava atração, já que as únicas mulheres eram as recepcionistas. Com isso, eles paravam para me ouvir e eu conseguia fazer as vendas. Além disso, ajudei a desenvolver o primeiro grande produto da WK, que virou manchete nacional. Mas por uma questão de marketing meu nome não foi divulgado, para focar no Werner”, revela Ignêz.
Primogênita dos nove filhos de uma família agricultora, a ituporanguense foi desencorajada a estudar. Os pais e avós viam como prioridade focar nos negócios da família, onde passou a colaborar a partir dos 8 anos.
“Comecei entregando cestinhas de verdura no bairro, depois carrinho de mão, carroça e no fim tínhamos uma verdureira que virou um secos e molhados. Meu pai falava ‘pra que estudar? Eu nunca estudei’. Mas sempre fui curiosa e aplicada. Enfrentei as adversidades e no dia da minha formatura em Economia eles choraram emocionados”, relembra. No curso, havia apenas cinco mulheres.
“Mesmo lutando, apenas 40% das colaboradoras são mulheres. Na liderança estamos mais próximos dos 50%. De início éramos quatro sócios e só eu mulher, então eu sempre ficava em segundo plano porque não tinha como enfrentar eles. Não me importava de não ser a estrela, mas não é fácil não ser reconhecida”, relata.
Ignêz também foi pioneira em associações que até então só tinham homens na diretoria, como a Associação Empresarial de Blumenau, a Acib. Após receber o convite, ela convenceu os colegas a colocar mais três mulheres na associação e criou o Núcleo da Mulher Empreendedora.
“Sempre incentivei muito as mulheres a serem resilientes e persistentes. Mesmo com as dificuldades, quando queremos algo, conseguimos. De início os homens nem sabiam se portar na nossa frente na diretoria, mas esse ano devemos ter a primeira mulher presidente em 26 anos”, celebra.
“A WK foi pioneira em políticas como liberar os colaboradores a trazerem filhos, familiares e pets. Auxílio educação desde a década de 1990. Formar mão de obra com estágio. Muitos dos quase 200 funcionários estão aqui há mais de 30 anos. Temos filhos de funcionárias que vieram trabalhar conosco. Meu foco sempre foi gerar empregos e dar condições para as pessoas se capacitarem”, ressalta.
Após quase 40 anos de empresa, mais do que anos de vida antes da existência da WK, a pandemia obrigou Ignêz e Werner a se afastarem da diretoria e passar os cargos para os filhos, Wanessa e Wilson. Porém, seguem no conselho e “sempre de olho”, como aponta ela. “Tento não aparecer tanto aqui para permitir que a nova diretoria siga com os próprios pés”.
“Nunca deixei de estudar. Comecei uma pós-graduação grávida e saía da aula para amamentar. Foi difícil reduzir as atividades. Hoje meu foco é a longevidade da empresa, porque temos um ecossistema no qual muitas pessoas dependem da gente direta e indiretamente. É muita responsabilidade”, reflete.
Após mais de uma década trabalhando com eventos, a paixão pela saúde a levou para a graduação em Fisioterapia. Desde o início, ela se envolveu profundamente com movimentos estudantis e foi presidente do centro acadêmico.
“Participei de todos os ‘Furb Visita a sua Rua’ que pude, usando as técnicas que aprendia na faculdade para atender a população. Esse contato direto com as pessoas foi muito importante. Além do jogo de cintura que aprendi a ter por ser uma mulher que trabalhava em eventos”, relembra.
Logo após a graduação ela realizou um sonho: representar Blumenau no Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Crefito). Até hoje, Cristiane segue atuando na mesma clínica que começou logo após se formar – mesmo só conseguindo atender duas noites por semana por conta agenda como vereadora.
Por conta do engajamento com políticas de saúde, foi convidada a integrar a Associação de Empresas de Fisioterapia do Estado de SC (Assefisio). Durante as duas gestões como presidente, passou de 40 empresas associadas para mais de 200.
Dentre os 35 municípios que ela visitou para negociar com planos de saúde e secretários municipais para melhorar os valores que os profissionais recebiam, ela conseguir expandir o número de atendimentos fisioterápicos que Blumenau oferecia pelo SUS e garantir um tratamento completo.
“Essa foi a virada de chave. Me encorajou a assumir as coisas, porque já tinha enfrentado meu maior desafio: lutar contra a morte. Senti que mesmo já fazendo muito pelas pessoas ao meu redor, podia ir além”, relata.
Após celebrar a experiência e os 934 votos, Cristiane voltou para a clínica de fisioterapia. Dois meses depois, chegou o convite que mudou tudo: assumir a Pró-Família. “O carinho que passei a ter com os idosos por cuidar dos meus avós foi o que me levou a querer o cargo. Mas estando lá dentro percebi a necessidade de divulgar esse trabalho”, conta.
O objetivo de Cristiane passou a ser reforçar a marca da Pró-Família, firmar parcerias e valorizar os profissionais que integravam a equipe. “A universidade realizou pesquisas que mostravam como crianças e idosos que poderiam estar nas drogas ou medicamentos, estavam melhores graças à Pró-Família”, lembra.
Com o desenvolvimento dos projetos a fundação foi promovida a secretária. A participação nos eventos levou Cristiane a conhecer de perto os bairros e as necessidades dos moradores da cidade. Foi esse contato que a incentivou a seguir o objetivo de ser vereadora.
“Em um torneio de futebol uma criança comeu 14 massinhas. Descobrimos que ela não comia há dois dias e recentemente o pai tinha sido preso por abusar da irmã menor. Não tem como fechar os olhos para esse tipo de coisa”, exemplifica.
“Eu sempre me dediquei ao máximo em tudo. Levamos o exemplo de Blumenau para Brasília, fomos premiados pela gestão e vimos nosso trabalho ser conhecido em todo o Brasil”, celebra.
Com o programa, um diagnóstico da população idosa blumenauense será realizado pelo Conselho Municipal do Idoso. O resultado será o norteador dos projetos de leis da atual vereadora. Mas o grande sonho já existe: um condomínio habitacional para pessoas idosas.
“Já fui atrás de parceiros e em junho irei para Paraíba conhecer a Cidade Madura. Toda a acessibilidade é pensada para a população. Os serviços necessários como mercado, farmácia e horta comunitária estão dentro do espaço. O objetivo é ser um espaço com convivência, mas que garanta a autonomia deles de forma segura”, explica.
O resultado surpreendeu. Cristiane foi a terceira candidata mais votada, atrás apenas de dois vereadores reeleitos. “Muitos nem ficaram sabendo que eu era candidata, mas chorei muito com as fotos que recebi das pessoas dizendo que tinham ido votar”, relembra emocionada.
Ao lado de Silmara Miguel, ela fundou a Procuradoria da Mulher na Câmara. Durante o mandato, ela atendeu muitas vítimas de violência doméstica. Acompanhando os casos e ajudando as mulheres a buscarem ajuda.”Meu papel como vereadora é fazer a ponte para que a pessoa alcance o direito dela”, ressalta.
Sempre cercada de animais de estimação e participativa das ações da Associação de Proteção Animal de Blumenau (Aprablu), a virada de chave foi se tornar fisioterapeuta de Barbara Lebrecht, responsável pela ONG.
“Em 2010 ela foi agredida durante um protesto em Pomerode contra a puxada de cavalo. Ela fraturou o quadril e teve que colocar uma prótese no fêmur. Ali eu mergulhei de cabeça”, conta a vereadora, que atualmente contribui com a campanha de arrecadação das ONGs da cidade.
“Toda minha trajetória foi muito natural. Sei que meu destino será traçado pelos meus propósitos. Se mais adiante eu tiver outro caminho político, como ser deputada ou prefeita, tem que ser algo que me identifico. Já teve idosos fazendo montagem comigo presidente do Brasil”, conta aos risos.
“Eu nasci no Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. Vi todo preconceito que ele sofreu e eu sofria por estar sempre protegendo ele. Mas aos 19 mudei para Florianópolis para ser técnica de tênis de mesa e tive meu primeiro paratleta. Foi rodando o Brasil que percebi como as pessoas com deficiência não tinham os direitos garantidos”, conta.
A experiência trouxe uma revelação para Giselle: ela tornou sua missão de vida criar a maior política pública de paradesporto escolar do Brasil. Durante três anos ela tentou implantar o projeto na capital. Porém, sem sucesso, voltou pra Blumenau decidida a aplicar o que construiu.
“Cruzei a ponte com o coração na mão. Metade de mim sentia que tinha falhado, mas a outra sentia que realizaria meu sonho. Já era muito ambiciosa. Apresentei minha metodologia na Secretaria de Educação e ouvi que, como isso ainda não existia, a cidade não poderia ser cobaia. Saí chorando, mas comecei a trabalhar voluntariamente até conseguir colocar o projeto em prática”, comenta.
Batendo de porta em porta, ela conseguiu três cheques de R$ 2 mil cada com empresas parceiras. Também garantiu uma piscina para que as crianças usassem toda sexta-feira à tarde. No início, o projeto tinha cinco professores voluntários e 17 alunos. Um ano depois, em 2012, nasceu a Associação de Paradesporto de Blumenau, Apesblu. O ano foi encerrado com 27 alunos.
“Minha concepção sempre foi ter o poder público como coluna vertebral, mas responsabilizando também a iniciativa privada e o terceiro setor. Por isso a importância de construir uma associação. Fazíamos feijoada e pastelada para pagar os professores. Nem sempre era possível, mas eu sempre repetia: ‘um dia vocês vão ter carteira assinada'”, lembra emocionada.
A confiança de Giselle convencia os voluntários, que lutavam junto. Com a mudança de governo, ela procurou o então prefeito Napoleão Bernardes que acreditou na ideia e inseriu o programa na Secretaria de Educação. “Essa foi nossa virada de chave, porque já sabia que chegaríamos onde estamos hoje”, ressalta.
A ambição se tornou realidade: Blumenau lançou a maior política pública de paradesporto escolar do Brasil. Atualmente são quase 800 famílias e 14 modalidades. A proporção do projeto levou Giselle aos holofotes. Consequentemente, a vida política se tornou um caminho do qual ela não conseguiu mais escapar.
“Nunca tinha me engajado com política. Em 2020 Ricardo Alba e o partido Novo me chamaram para ser candidata à vice-prefeita, mas eu achava loucura. O prefeito Mário precisou me chamar quatro vezes até eu topar ser candidata à vereadora. Aceitei apenas após ele se comprometer com a criação da secretaria”, diz.
De início, ela ficou inquieta com a decisão. Acreditava que as famílias iam julgá-la por se distanciar do paradesporto e entrar na política. “Eles são tudo na minha vida. Penso neles da hora que acordo até enquanto durmo. Mas queria avançar e precisava de força política. E o resultado foi o contrário:as famílias vinham até mim dizer que agora tinham motivo para votar”, afirma.
Eleita primeira suplente do partido, Giselle chegou a atuar como vereadora em Blumenau. Porém, a política a levou mais longe: o Secretário Nacional do Paradesporto José Agtônio Guedes a convenceu a assumir diretoria. “Ele repetiu várias vezes até eu entender e não aceitou ‘não’ com resposta”, revela.
A experiência de construir uma nova secretaria nacional permitiu que a blumenauense se sentisse mais confiante para aplicar os conhecimentos na pasta municipal. Após lançar as três primeiras políticas públicas do paradesporto nacional, ela retornou para Blumenau para continuar a construção.
“Cumpri minha missão. Voltei com emenda parlamentar e canais abertos. O que construímos em 2023 só foi possível porque tivemos um governo municipal e 150 empresas que acreditaram. Além de uma comunidade que abraçou a causa”, ressalta.
Com a nova secretaria focada em trazer inovação para vida da pessoa com deficiência e ajudar as demais pastas a entender as demandas, Giselle pretende fomentar a inclusão na cidade. Tanto no poder público quanto em ambientes como restaurantes e comércios.
“Nosso turismo também precisa ser acessível. Isso apenas traz mais movimento para as empresas. Existe uma ideia errada de que pessoas com deficiência não têm dinheiro. Planejamos também levar aulas de empreendedorismo para eles e para as famílias, que também merecem muita atenção”, exemplifica.
Cerca de sete municípios catarinenses já implantaram programas de paradesporto inspirados em Blumenau. Porém, o objetivo de Giselle é que a política pública se torne estadual. Com isso, não apenas mulheres poderão ocupar espaços de direito, mas também pessoas com deficiência.
“Tudo mais diverso é mais completo. A cidade só tem a ganhar com isso. Mulheres, pessoas com deficiência e pessoas LGBT precisam estar em todos os lugares para que as coisas andem mais rápido e as políticas públicas sejam mais assertivas”, ressalta.
Maria Regina Soar foi a primeira vice-prefeita e, consequentemente, prefeita interina de Blumenau em diversas ocasiões. Quando assumiu a gerência de saúde regional em 2003, não se considerava engajada politicamente. Entre 2009 e 2012 foi Secretária de Saúde de Pomerode e, no ano seguinte, assumiu a de Blumenau, onde ficou até 2018.
Ainda assim, desde o primeiro cargo público, ela já era filiada ao PSDB. Com isso, veio o convite para ser candidata a vice-prefeita. “Quando aceitei, a condição foi que não ocuparia o cargo por ocupar. Seria atuante e participativa. É desta forma que o Prefeito Mário e eu estamos conduzindo o governo”, ressalta.
Para ela, ser mulher nunca foi um problema nos cargos que ocupou. Ainda assim, fica feliz em ser uma representante para as mulheres blumenauenses. Apesar de o colegiado municipal ser composto majoritariamente por homens, ela afirma ser fortemente respeitada como vice-prefeita e como mulher.
“Sempre agi com ética, respeito e comprometimento em todos os aspectos da minha vida e, na área profissional, não seria diferente. Sempre fui atuante e participativa em todos os cargos que ocupei, acredito que um bom gestor precisa entender os processos e se inteirar de todos os assuntos envolvidos e relevantes, não apenas da sua área mas em todo o entorno”, explica.
Maria Regina ressalta a ascensão feminina registrada em Blumenau nos últimos anos. Como exemplos, ela cita Juliana Tridapalli na Delegacia Regional, Marcia Sardá Espindola na reitoria da Furb e ressalta o fato de que a próxima presidente da Acib deve ser uma mulher.
“Além disso, durante boa parte do ano passado até agora, temos três mulheres ocupando cadeiras na Câmara de Vereadores. Tenho recebido muito apoio das mulheres da cidade por onde passo. São mulheres que se sentem representadas por mim e por tantas outras”, celebra.
“Quando falamos de saúde, falamos de pessoas, e muitas vezes estamos falando do sofrimento de uma família inteira, e esse tipo de coisa é urgente, não pode esperar. Talvez este seja um pensamento mais feminino e materno, mas que no final, gera ações mais humanizadas e empáticas”, opina.
“Saber que o nosso trabalho resultou para sermos a cidade que mais salvou vidas durante a pandemia foi uma das coisas mais gratificantes que já fiz na vida. Enquanto várias cidades propagaram uma estrutura de guerra para atender os pacientes, aqui em Blumenau planejamos e optamos por atender a demanda, que era imediata, mas também por deixar um legado para a cidade”, afirma.
“Essa, inclusive, é uma das conquistas que mais me orgulham na gestão. Porque transformar a vida das pessoas, garantindo atendimento médico, vaga em creche, saneamento e infraestrutura é o que me move todos os dias, é o que me faz querer deixar a minha família e trabalhar por Blumenau”, confessa.
O objetivo da vice-prefeita é encerrar o governo nos próximos dois anos com a sensação de dever cumprido. “Seguirei da mesma forma em que cheguei até aqui: com discernimento, responsabilidade e empatia. Firmei o compromisso de governar uma cidade e esta é a missão a qual me dedico todos os dias”, conclui.
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