Capa: Ovo de madeira que pertenceu a Hanna Frieda Goll (solteira Lorenz), nascida em Dresden, em 18 de março de 1896. A Páscoa foi uma tradição em sua residência, que estava localizada no bairro Vila Nova, Blumenau SC.
Estamos a menos de duas semanas das comemorações do Domingo de Páscoa, que neste ano acontecerá no dia 9 de abril. Mas estamos vendo os “produtos “ da Páscoa há algum tempo nas prateleiras, para serem comercializados na cidade. Mal passaram as festas de fim de ano, e já começaram a ser expostos, sem muita fundamentação e entendimento sobre o significado dessa tradição.
Por que comemoramos a Páscoa e qual sua origem?
Qual a origem e o significado dos coelhos e dos ovos de Páscoa? A Páscoa ocidental tem sua origem na cultura das pessoas que fundaram as cidades do Vale do Itajaí, inspiradas nas práticas religiosas antigas, anteriores ao cristianismo e denominadas pelos cristãos, simplesmente, de religião pagã.
Na Europa, grande parte dessas práticas foi adotada pelo cristianismo ocidental, por sua força e significado entre as pessoas convertidas, que continuaram a fazer uso da tradição dentro da outra religião. Também foi amplamente adotada pelo comércio universal, ante um processo contínuo dentro dos muitos períodos históricos da Humanidade.
O significado da Páscoa
Ostern, em alemão – As comemorações alusivas a esta data, dentro da cultura dos antepassados que fundaram a Colônia Blumenau – abrangendo mais ou menos o mesmo território do Vale do Itajaí – estendem-se também a outras regiões do Brasil e do mundo. Muitos dos descendentes dos pioneiros comemoram e repetem a tradição da Páscoa dentro de sua família (sem o caráter e aspecto de consumo), como já era praticada nas casas dos Opas e das Omas, porém, sem o conhecimento de sua origem e do seu significado. A origem da Páscoa é desconhecida, mas a tradição continua e está viva, repassada de uma geração a outra.
Um pouco de História – Ostern
Por volta de 1800 a.C., existia um povo formado por várias tribos nômades, que viviam próximo ao Mar Báltico, e imigraram para outras partes da Europa, nas regiões do Reno, do Danúbio e do Vístola, local em que se localizam os atuais territórios da Alemanha e da Polônia e partes do território de países atualmente vizinhos. Lembramos que as tribos que formavam os germânicos, não possuíam identidade comum e lutavam entre si.
Em períodos históricos posteriores, seus descendentes migraram para outros continentes do planeta e também para Santa Catarina, Vale do Itajaí.
Eram os germanos/celtas, denominados de bárbaros, pelos romanos bárbaros, por não participarem de seu império e possuírem práticas sociais totalmente diferentes. Seus descendentes cultuavam a natureza e tinham uma mitologia e religião próprias (mitologia germânica/céltica), antes da chegada do cristianismo à região pelas mãos, exatamente, dos romanos. Suas festividades, neste período do ano, eram dedicadas à Deusa da Primavera – Ostara, que redundou em Ostern no idioma alemão. Esta questão foi amplamente estudada, sob o aspecto antropológico desses povos, por Jacob Grimm, um dos Irmãos Grimm. Disse ele que o termo “Páscoa” – Ostern é uma derivação de Ostara – Deusa Germânica da Primavera.
Os Irmãos Grimm foram grandes estudiosos da mitologia, crenças e tradições dos povos que ocupam os territórios nos quais, atualmente, se fala o idioma alemão, principalmente na própria Alemanha, antes da chegada dos cristãos. Estes oprimiram muitos por estas práticas, ou mesmo as adotaram, adequando-as aos seus rituais e festividades, como, por exemplo, a própria Páscoa. Lembram-se das bruxas e as fogueiras?
A religião e a vida dessa sociedade primitiva giravam em torno das estações do ano e ciclos naturais. As festividades antigas, geralmente aconteciam durante o equinócio da primavera – no hemisfério norte. As festividades à Deusa Ostara, aconteciam no primeiro dia da primavera. Para essas pessoas, este evento tinha muita importância, porque é o marco do retorno do Sol – energia máxima de vida e com relação direta à manutenção da vida, através da colheita do alimento. Até os dias atuais, as pessoas que residem nessa região apreciam e orientam suas atividades de lazer observando essa época do ano. Acreditavam ser o período do despertar da Terra, com sentimentos de equilíbrio e renovação. Ainda existem pessoas que seguem este sentimento.
O Coelho
Na mitologia grega, o coelho representa a fertilidade.
Ficou conhecido como Coelho da Páscoa (Osterhase) no Norte da Alemanha, somente há cerca de cem anos. Mitologicamente, o coelho é o animal sagrado atribuído tanto a Afrodite, a Deusa do Amor – na mitologia romana, como também, à Deusa Ostara – na mitologia germânica.
A região em que há mais tempo existe a prática da tradição da lenda dos ovos trazidos pelo coelho de Páscoa é a que abrange, atualmente, o Sul da Alemanha.
Segundo pesquisadores, os registros mais antigos sobre o fato são do ano 1678. O pesquisador Heidelberg G. F. Von Franckenau, afirma que a ideia do coelho que traz ovos de Páscoa tenha surgido há mais de 300 anos, na Alsácia (França), no Palatinado e no Alto Reno (Alemanha).
Na região, naturalmente, coelhos e lebres se multiplicavam na primavera – início da estação, na qual surgiram as festividades da Páscoa ou à Deusa Ostara, no Hemisfério Norte. Consta, em relatos, que os padrinhos das crianças teriam inventado uma caçada ao coelho, na qual as crianças saíam à procura de ovos coloridos escondidos nos parques e jardins.
O pesquisador e escritor de Bonn – Alois Döring diz que um dos símbolos mais conhecidos desta época do ano – o coelho dos ovos – foi uma invenção protestante. De acordo com o pesquisador, tem a ver com as diferenças entre católicos e protestantes, no período.
“Crianças católicas sabiam que na Páscoa poderiam voltar a comer ovos, que durante a Quaresma eram proibidos. Mas como explicar às crianças protestantes (luteranos) por que, de repente, havia tantos ovos na Páscoa?”, explica Döring. Ele diz ainda, que foi por isso que os protestantes criaram as histórias do coelho que distribuía, de casa em casa, os ovos acumulados durante o período.
“… o coelho era um símbolo da fertilidade – o que, aliás, não explicava como o animal, na condição de mamífero, tinha tantos ovos.” Döring
O pesquisador prossegue, dizendo que contra os ovos em si, os protestantes não tinham nada. Para todos, os ovos sempre foram tidos como símbolo de vida nova e, assim sendo, da ressurreição de Jesus Cristo. Ele afirma que a tradição de pintar, decorar e presentear os ovos já existia há muito tempo, como constatamos anteriormente.
Antes mesmo de existirem os ovos de chocolate enrolados em papel colorido, havia a tradição de colorir ovos de galinha cozidos, hábito que ainda existe atualmente na Alemanha, o que também não é coisa do passado e dos antepassados, como muitos “vendem” no Brasil. Em muitas regiões da Alemanha não podem faltar ovos coloridos no café da manhã no sábado ou no domingo de Páscoa, a uma mesa muito bem decorada, e degustado de modo formal, com a presença de toda a família – o Ostern Frühstückstisch.
Ostern Frühstückstisch
Com o surgimento dos Ovos de Páscoa de chocolate e papel colorido e outros doces e quitutes na mesa do café da manhã de páscoa, surgiram estórias que destoavam da verdade, as dos ovos cozidos coloridos que existem até os dias atuais na mesa do café da manhã, na Alemanha. Em Blumenau e em toda a região abrangida pela antiga Colônia Blumenau, fundada e destino de muitos imigrantes do território que hoje é a Alemanha, que aqui chegaram em um tempo histórico, quando sequer existia aquele país, já existia a tradição trazida com os pioneiros, embora nem sempre compreendido o porquê de sua existência.
Informalmente, perguntamos aos mais antigos sobre ovos de Páscoa de cozidos e coloridos, e confirmaram a sua presença em suas páscoas de infância. Presenteavam-se entre si com esses ovos (de galinha) cozidos e decorados. Entre os perguntados, alguns somente se lembram, mas não conhecem a origem da tradição e, erroneamente, contam que sua família era “pobre” e não tinham dinheiro para comprar ovos de chocolate. Errado! Na Alemanha atual, há indústrias para vender ovos cozidos coloridos para o café da manhã de Páscoa, das famílias.
O pesquisador Alois Döring ainda conta sobre os ovos coloridos, que:
“Antigamente, era comum pintar os ovos apenas de vermelho, para simbolizar tanto a cor do sangue de Cristo quanto a do amor que ele nutria pela humanidade. Isso ainda é assim na Igreja Ortodoxa. A decoração servia para distinguir os ovos bentos dos não bentos durante a Páscoa.” Döring
Também as figuras de pintinhos fazem parte dos rituais da páscoa atual, bem como da decoração, talvez como parte do processo do ovo, na sequência imediata.
Tradicionais Pratos de Páscoa
Osterzopf
Rosca decorativa, na qual, depois de assada, podem ser colocados os ovos cozidos coloridos.
Osterlamm
Cordeiro de páscoa. Não é um cordeiro assado – tradição judaica. É um tipo de pão-doce na forma de um cordeiro.
Möhrencremesuppe
Sopa com o legume preferido do coelhinho, a cenoura.
Osterbraten
Assado de Páscoa, servido no domingo, que pode ser de qualquer tipo de carne, não necessariamente de cordeiro.
Osterfeuer
Fogueira de Páscoa – costume cultivado em algumas partes do país, como faziam os povos antigos. Para a cultura e mitologia germânica, o fogo é o símbolo do sol – calor, alimento, proteção e vida. No cristianismo, a fogueira foi adotada oportunamente como a “Chama da fé”, tendo em comum, a ideia da purificação.
Na Idade Média, a “limpeza de Páscoa” na Alemanha começava no pátio da igreja, onde os fiéis juntavam restos de madeira, galhos e as ramagens secas que sobravam do Domingo de Ramos e queimavam tudo em uma grande fogueira na noite de sábado para domingo. O Osterfeuer é uma prática muito comum na Alemanha.
Lembramos, que tem a mesma origem, a “Fogueira” de São João, trazida pelos imigrantes portugueses para o Brasil. A origem é a mesma, no berço dos povos antigos.
Uma Boa Páscoa a todas as famílias.
Um registro para a história.
Referências
- HERNÁNDEZ, Isabel. Contos de fadas dos irmãos Grimm nunca foram feitos para crianças. National Geographic. Publicado em 3 de outubro de 2019 – 07h15. Disponível em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/cultura/2019/10/contos-de-fadas-irmaos-grimm-criancas-cinderela-branca-de-neve-folclore-alemanha . Acesso em 27 de março de 2023 – 23h31.
- Planet Wissen. Völker Germanen. Disponível em: https://www.planet-wissen.de/kultur/voelker/germanen/index.html . Acesso em: 27 de março de 2023 – 18h20.
- Site Prefeitura Municipal de Pomerode. Casquinhas de ovos pintadas por alunos são avaliadas por comissão julgadora. Assessoria de comunicação – Data: 30/03/2021. Acessível em: https://www.pomerode.sc.gov.br/noticia/13022/www.turismovolkmann.com.br/www.dmsystem.com.br . Acesso em: 1° de abril de 2021 – 11:13h.
- T.ONLINE. Eier färben: Einfache Technik mit natürlichen Farben. Disponível em: https://www.t-online.de/leben/familie/id_77341430/ostereier-natuerlich-faerben-so-geht-s-anleitung-tipps.html. Acesso em: 1° de abril de 2021 – 12:09h.
- Webroch.de. Leckere Rezepte & kreative. Ostern Frühstückstisch – Idee. Disponível em: https://www.webkoch.de/ratgeber/1754/osterfruehstueck-rezept-ideen-fuer-das-familien-fest . Acesso em 28 de março de 2023 – 00h35.
- Wissenskarten – Germanische Stämme – Übersicht. . Disponível em: http://www.medienwerkstatt-online.de/lws_wissen/vorlagen/showcard.lws_gs.php?id=19284&edit=0
- Пасхальный заяц. Пасхальные яйца. Пасхальные открытки. Немецкие традиции. XIX век. – Coelhinho da Páscoa. Ovos de Páscoa. Cartões de Páscoa. Tradições alemãs. Século XIX. Disponível em: https://n-dank.livejournal.com/62589.html . Acesso em 1 de abril de 2021 – 15:39h.
Leituras Complementares
História… Primeiros Imperadores Germânicos
História…Parte I – Dos Germanos ao surgimento: “Deutschland”
Germanos e sua Mitologia – Crenças e Panteon – Parte I
Germanos e sua Mitologia – Crenças e Panteon – Parte II
O Culto da Colheita – Mitologia Germânica
Páscoa – Tradição da cultura germânica
Oarscheim – Brincadeiras de páscoa no Sul da Alemanha
Ostern in Pomerode – Páscoa em Pomerode – Parte 1
Ostern in Blumenau – Páscoa em Blumenau – Parte 2
Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
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- Dia 14 de abril, palestra sobre enxaimel – Rio do Sul SC
- Dia 10 de maio estaremos lançando o Livro “Fragmentos Históricos Colônia Blumenau – Arquitetura * Cidade * Sociedade * Cultura Volume 1″ no espaço Cultural da Assembleia Legislativa de Santa Catarina – ALESC, Florianópolis.