Em 2015, quando passávamos a pé por uma das ruas centrais de Blumenau – Rua Nereu Ramos, Roberto Wittmann chamou nossa atenção para um local em obras, afirmando ser este, no passado, o local do Mercado Público Municipal de Blumenau, onde se comercializavam alimentos, guloseimas e carnes.
Para este local, no início da década de 1960, sua Oma Anna Frieda Goll (1896 – 1988) se dirigia e o levava junto e, entre uma compra e outra, também lhe pagava um refrigerante chamado Crush. Quem lembra desse sabor? Local que marcou a infância de Roberto, através do burburinho, aroma, sonoridade e sabores. Disse-nos que era um mercado público, fato que desconhecíamos. Fomos pesquisar.
Curiosamente fomos estudar a possibilidade de Blumenau ter tido um Mercado Público, como ocorre em cidades fundadas por imigrantes e descendentes de imigrantes portugueses, pois não tínhamos ouvido falar de mercado público na cidade, ou em cidades fundadas por imigrantes e descendentes de imigrantes alemães.
Encontramos um artigo, mencionando o “Centro de Abastecimento Municipal”, também chamado de Mercado de Blumenau, localizado em outro local – que não era o da Rua Nereu Ramos. E só. Observando a única imagem daquele localizado na Rua Sete de Setembro, que está na capa deste artigo, é um espaço que apresenta uma arquitetura muito diferente da arquitetura de um mercado de origem cultural portuguesa.
O local onde a Oma Anna Frieda levava Roberto Wittmann, o da Rua Nereu Ramos, tinha mais semelhança com o conceito e partido de mercado, do que o, então, “Centro de Abastecimento de Blumenau”. Os dois lugares, que estavam localizados dentro de uma mesma região e bem próximos, tinham aspectos de comércio de alimentos fixos e permanentes. O primeiro, o da Rua Nereu Ramos, munido de boxes de diferentes produtos, voltados para uma área externa, apresentava mais características de um mercado público de fato, semelhante àquele construído dentro de um recorte de tempo histórico nas regiões do Brasil de cultura lusa. Lembramos que Blumenau – enquanto municipalidade – tinha contato com cidades de cultura portuguesa, como Itajaí e Florianópolis, que naturalmente e culturalmente possuíam Mercado Público.
Historicamente, o edifício que apresentava o letreiro de “Centro de Abastecimento de Blumenau”, da Rua Sete de Setembro, teve outros usos antes de ser adequado ao comércio de alimentos. Como apresenta o mapa anterior, estava localizado na frente do antigo Hotel Rex, no espaço entre a Rua Floriano Peixoto e Rua Ângelo Dias – voltado para a Rua Sete de Setembro.
Antes de ser usado como “mercado”, em 1946 era usado pela firma Auto Viação Catarinense. Em 1965, o local foi ocupado pela firma Blusa Comércio de Exportação e Importação SA, concessionária Volkswagen.
A concessionária Blusa se mudou para a Rua Itajaí, em agosto de 1967. O local foi modificado e adequado, recebendo boxes para comércio e transformando no “Centro de Abastecimento Municipal”, durante a administração do ex-prefeito Carlos Curt Zadrozny.
Nesta intervenção de adequação para mercado, o edifício recebeu uma grande parede, criando um pátio interno – utilizando a planta em forma de “C”, de uso anterior utilizado pela Blusa.
Muitos, movidos pelo desconhecimento e até mesmo, existindo um projeto, apontam a “necessidade” de a cidade possuir um mercado público.
O mercado, como espaço, é uma herança da ágora grega, adotado pelos romanos (pasmem – de onde surgiu a basílica – templo católico romano) e da cultura latina. Os romanos tornaram a ágora grega em espaço com o mesmo uso, porém coberto e com o perfil multiuso.
Quem trouxe o espaço do mercado público para o Brasil foi o imigrante português e espanhol e nunca um imigrante alemão, nos espaços das cidades fundadas por estes.
Com isto, afirmamos que não, necessariamente, a cidade de Blumenau ou qualquer cidade fundada por imigrantes alemães e seus descendentes “tenham que ter” um mercado público, onde nas proximidades os “aposentados” irão jogar damas, cartas e xadrez. Não faz parte do seu perfil cultural e histórico. Espaços públicos, praças e feiras, sim.
Percebemos que muitos, justamente porque são alheios ao perfil cultural destas cidades, confundam mercado público com feira.
O conceito de feira é diferente e tem relação cultural com as cidades fundadas por alemães e também, é muito comum nas cidades medievais, com predominância, surgidas no período considerado como o período do estilo nacional alemão, cujo cenário é dominante nos contos infantis dos Irmãos Grimm.
A palavra feira teve origem na palavra latim feria, que significa “dia santo ou feriado” e a palavra freguês, usada para tratamento dos consumidores de feira livre, também tem origem na palavra latim filiu ecclesiae que significa “filhos da igreja”. Elementos importantes nas cidades medievais, cuja sociedade se movimentou em torno das atividades relacionadas à “catedral”.
Podemos afirmar que os fiéis, os consumidores, após eventos religiosos – interagiam em torno das feiras, apresentações artísticas, manifestações políticas, entre outras, na praça da igreja, parente da ágora grega e com quase a mesma função social. Estes locais eram repletos de feiras onde comercializavam os diversos produtos.
A feira tem seu espaço delimitado a céu aberto. O mercado público tem uma estrutura sólida e fixa permanente, uma edificação com características arquitetônicas e culturais locais.
Seria ótimo seguir o exemplo da intervenção que resultou no Beco Becker, junto à Rua XV de Novembro, onde o local fosse resgatado como “Mercado Municipal de Blumenau”.
Local do Centro de Abastecimento Municipal
O edifício do antigo “Centro de Abastecimento Municipal”, foi avariado pela grande enchente de 1983 e temos o registro feito pelo professor e arquiteto Vilmar Vidor, que o fez para a história. Herdamos seus negativos, após sua partida em 2015 e “revelamos” as imagens a partir dos negativos.
Não se sabe, se Blumenau teve, de fato, um “Mercado Público Municipal”. Mas podemos afirmar que teve um espaço exclusivo para comercialização de alimentos localizado na área central, na Rua Nereu Ramos, para onde as pessoas se deslocavam e marcou a memória de infância de um garoto, que neste local, além das compras, sua Oma lhe ofertava festivamente uma Crusch de laranja, a qual era saboreada lentamente para que este recorte de tempo durasse mais.
Contribuição do Jornalista Carlos Braga Müller – via e mail
8 de abril de 2022
Muito bom o assunto “Mercado Público”.
Como contribuição:
Na revista “Blumenau em Cadernos” Tomo 4, nº 5, está publicada a biografia de José Ferreira da Silva como ex-prefeito de Blumenau (seguramente foi ele mesmo que escreveu o texto, porque era o dono da revista).
Entre suas realizações como prefeito consta o “Mercado”.
Quando eu era criança, anos 40, lembro que minhas tias compravam nesse mercado peixes (bagres do Rio Itajaí-Açú).
Em matéria do blog do Adalberto Day sobre este assunto, Werner Henrique Tönjes (fomos colegas de aula) cita que o mercado ficava na Rua 7 de Setembro, ainda sem calçamento, e seria nas imediações do atual Shopping Neumarkt.
Minha memória revela que era um pouco mais acima, onde hoje existe o Himmelblau Hotel.
Não sei porque, talvez porque ir até a Rua 7 era difícil na época, o mercado não durou muito. Foi substituído pelas feiras-livres. A feira-livre de que me recordo, ficava na Rua Nereu Ramos, anos 50, no terreno onde a empresa Germano Stein S.A. construiu um prédio para sua loja, local que hoje é ocupado pela Loja Pittol. Com essa ocupação a feira foi para o terreno da Blusa, em frente ao Hotel Rex. Voltou para a Rua Nereu Ramos onde ficou conhecida durante anos como Galeria Hoffmann. E depois seguiu para onde está até hoje.
Se não me falha a memória, esta é a história, que você conta muito bem.
Mas esse início é muito desconhecido, e responde a tua pergunta: “Blumenau já teve um mercado público? Há 80 anos atrás.
Abraços,
Braga Mueller
Comentário: Gratidão pela contribuição. Fez-nos compreender melhor algumas questões. José Ferreira da Silva tinha sua origem cultural no litoral, onde predominava a cultura lusa, portanto faz todo o sentido querer construir um mercado público na cidade de Blumenau, embora não refletisse que na cidade, a cultura predominante fosse outra.
Um Registro para a História.
Referências
- DAY, Adalberto. O Antigo Mercado Público de Blumenau. Disponível em: http://adalbertoday.blogspot.com/2011/08/o-antigo-mercado-publico-de-blumenau.html Acesso em: 03 de abril de 2022 – 22:30h.
- WITTMANN, Angelina. A Cidade – Organismo vivo no dia do Meio Ambiente. 4 de junho de 2016. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2016/06/a-cidade-oganismo-vivo-no-dia-do-meio.html
- WITTMANN, Angelina. Arquiteto Vilmar Vidor – Sua trajetória – Idealizador do Curso de Arquitetura e Urbanismo – FURB e do IPPUB. 25 de novembro de 2016. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2016/11/arquiteto-vilmar-vidor-sua-trajetoria.html
- WITTMANN, Angelina. Beco Becker – Blumenau. 22 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2022/02/beco-becker-projeto-de-intervencao.html
- WITTMANN, Angelina. Cidade – Edifícios novos no centro de Blumenau – Verticalização. 6 de janeiro de 2016. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2016/01/cidade-edificios-novos-no-centro-de.html
- WITTMANN, Angelina. Irmãos Grimm. 20 de outubro de 2013. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2013/10/quinta-feira-16-de-fevereiro-de-2012.html
- WITTMANN, Angelina. Grande Enchente de Blumenau de 1983 – Imagens Inéditas. 8 de junho de 2018. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2018/06/35-anos-grande-enchente-de-blumenau-ano.html
- WITTMANN, Angelina.Urbanismo. 24 de março de 2014. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2014/09/mansarddach-um-tipologia-de-telhado.html
Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
@angewittmann (Instagram)
@AngelWittmann (Twiter)