Carnaval europeu – Século XIX – período no qual houve a migração para o Vale do Itajaí.

Quando chega esta época do ano, período do Carnaval e durante suas festividades sempre surge a pergunta: Existe Carnaval em Blumenau? Muitos acham que o Carnaval seja uma festa popular brasileira e como a cidade de Blumenau não fosse parte do território brasileiro. O que seria uma festa popular brasileira?

Muitas vezes, uma pessoa meio desinformada pode imaginar que seja uma festividade tipicamente brasileira com cara de “samba” e a presença das “mulatas” com samba no pé – produto “vendido” para o resto do mundo.

Dentro do próprio Brasil, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, há vários tipos de Carnaval. Esse, do Brasil, “vendido” há décadas para o resto do mundo como parte da cultura popular do País, excluindo tudo o mais, é somente uma fração da cultura praticada no continental território.

O Carnaval do “samba” é o resultado do contato da cultura de dois povos com grande contribuição na miscigenada cultura brasileira, em suas duas primeiras capitais – Rio de Janeiro e Salvador. São eles: os portugueses, que trouxeram a prática do carnaval europeu, e os africanos, que trouxeram suas práticas festivas, coloridas e folclóricas da África. A partir do contato destas duas culturas, surgiu a cultura do carnaval praticado em Salvador e no Rio de Janeiro, e que não são iguais nas demais regiões do país.

Baile de máscaras no Teatro Lírico do Rio de janeiro, em desenho de Guerave (1883). A prática iniciada pela cantora italiana Delmastro.

No Vale do Itajaí, antiga Colônia Blumenau, o Carnaval chegou com os imigrantes alemães e italianos, logo nas primeiras décadas de fundação. Surpreso?

Em cada região brasileira na qual os imigrantes se fixaram, o Carnaval ficou com características locais, explicadas e justificadas pela interferência cultural local preexistente, ou derivadas da miscigenação cultural étnica ocorrida no local.

Carnaval de Rua de Blumenau com automóveis enfeitados. Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.
Blocos de carnaval de rua de Blumenau.
Baile de Carnaval – Blumenau.
Carnaval de Blumenau – década de 1930 – Fantasias inspiradas naquelas que os imigrantes alemães usavam na Alemanha e o fazem até os dias atuais.
Carnaval de Rua do Rio de Janeiro – Início do século XX – aos moldes do carnaval Europeu.
Embrião – após contato das etnias – do atual Carnaval do Rio de Janeiro e de Salvador – Desfiles.

E no resto do mundo? Para muitas pessoas, o Carnaval só existe no Brasil, seguindo os moldes do “carnaval” que é “vendido” pela mídia, com desfiles, samba enredo e mulheres e homens mais à vontade.
Esquecem-se do “Carnaval de Rua”, do “Bloco dos Sujos”, do “Carnaval de Salão”. Qual a origem destes carnavais?

Existe Carnaval nos países de origem dos imigrantes que fundaram as muitas cidades do Vale do Itajaí e de outras tantas, no Sul do Brasil?

Existe Carnaval na Alemanha? Existe Carnaval na Itália, em Veneza? Qual seria a ligação deste e o “Carnaval de Rua” do Brasil? Entre o “Bloco de Sujos”? Ou “de Salão”?

Carnaval na cidade de Olinda – Brasil.
Carnaval na Alemanha.
Ostara – Deusa da Fertilidade. Páscoa em alemão é  Ostern.

Há Carnaval na Alemanha e na Itália, há Carnaval nas regiões de onde vieram as famílias pioneiras que fundaram inúmeras cidades no Vale do Itajaí – antiga Colônia Blumenau. Suas origens são muito mais antigas que o carnaval brasileiro, dos diferentes “carnavais brasileiros”.

Na Alemanha, o carnaval têm diferentes características ao longo de seus períodos históricos e diferenças em cada região do país. Por exemplo:
Há o conhecido Weiberfastnacht – Quinta feira das mulheres – também denominado “quinta estação do ano”.

Existe unanimidade entre todos os carnavais alemães em suas respectivas regiões. Todos eram e são festejados, até os dias atuais, no período que antecede a quaresma – período de jejum. Quase sempre festejado no início da Páscoa, com um banquete.

O termo Carnaval é herança cultural da mitologia dos antigos povos germânicos, e está ligado aos ritos de fertilidade das antigas religiões existentes antes da chegada do cristianismo, e denominadas, pelos cristãos, de pagãs. Também tem relação com os rituais existentes “para espantar os maus espíritos”, e ligação com as festas e rituais romanos, incorporados aos hábitos e costumes da região durante o domínio dos romanos. Após esse período, essas práticas foram adotadas pelas festividades cristãs trazidas e implantadas pelos próprios romanos.

Os primeiros registros do carnaval alemão foram encontrados no século XIII, e mostram festividades com grandes quantidades de carne, queijo, manteiga, banha e, principalmente, ovos. A intenção era consumir todo o alimento armazenado para passar o inverno – período do jejum. Isto explica os atos de organizar procissões e “guerra de ovos”. Além da distribuição de ovos cozidos decorados, depois, durante a Páscoa.

Antes do século XIII, era comum festejar o “Carnaval” no interior das casas. Depois, os festejos ocuparam as ruas e eram acompanhados por muita fartura de alimentos e foliões, com música, dança, apresentações teatrais, torneios e corridas.

Carnaval na Idade Média na Alemanha apresentavam alegorias e elementos considerados das práticas pagãs, não aceitas pela igreja cristã da época.

Entre os séculos XIII e XIV surgiu o combate personificado entre o Carnaval e a Quaresma: animais e alimentos.

O importante era a diversão.
A partir do século XIV, a Igreja de Roma condenou o carnaval na Alemanha, alegando que destoava da doutrina de Santo Agostinho e a festa passou a ser vista como prática pagã, como realmente era.

Não somente como as festividades de Baco, do reino de Nabucodonosor, mas como as festividades ditas “pagãs”, muito anteriores a este período. Os foliões do carnaval da Idade Média, na Alemanha, passaram a ser associados à personificação do mal, de acordo com o cristianismo.

Carnaval da Idade Média, na Europa.

Para explicar, o Carnaval de Rua, existente em algumas cidades mais antigas do Brasil, tem a mesma origem histórica do carnaval alemão trazido para a Colônia Blumenau pelos imigrantes, na metade do século XIX.

Na maioria do território brasileiro, o carnaval foi trazido pelos primeiros imigrantes europeus, conforme lembrado, os portugueses. Estes, na época, também tinham contato com as festividades cristãs da Europa (inexistiam fronteiras para o cristianismo). No Brasil, o contato com as festividades do povo africano fez surgir uma festa com outra identidade, o conhecido Carnaval brasileiro.

A antropologia explica este fenômeno social e cultural. O folião europeu do período entre os séculos XV e XVII, representava a figura carnavalesca central da sátira, e lembrava muito o conhecido Arlequim da Itália. Com a vinda da Reforma Protestante, que também negava práticas do catolicismo de Roma (os mesmos que subjugaram e converteram os antigos prussianos ligados à Ordem Teutônica), houve uma diminuição da prática desse tipo de carnaval baseado na sátira.

Após conhecer a vida dos Irmãos Grimm e de outros eruditos do século XIX, podemos afirmar que, no período do romantismo alemão, houve valorização e interesse pelos costumes dos antepassados – tribos germânicas – e pelas suas inúmeras festividades, até então consideradas pagãs.

Carnaval 2015 – Cidade alemã de Köln.

No Brasil, muitos imaginam que o carnaval é somente aquele que tem forte influência dos povos africanos que foram escravizados no País. Conforme citado, a maior concentração de cultura africana ocorreu, por mais de dois séculos, nas duas primeiras capitais nacionais: Salvador e Rio de Janeiro.

Também em outros locais do País onde havia interesses econômicos da mesma elite brasileira que vivia na capital – e que era altamente extrativista. Isto aconteceu, por exemplo, com a mineração, em Minas Gerais.

Quitandeiras em rua do Rio de Janeiro, 1875 (Marc Ferrez – Acervo Instituto Moreira Salles). Fonte: http://www.historiailustrada.com.br
Lavagem do ouro, Minas Gerais, 1880. (Foto: Marc Ferrez – Acervo Instituto Moreira Salles). Fonte: http://www.historiailustrada.com.br
Escravos africanos na colheita de café, Vale do Paraíba, 1882 (Marc Ferrez – Colección Gilberto Ferrez – Acervo Instituto Moreira Salles). Fonte: http://www.historiailustrada.com.br
Senhora na liteira (uma espécie de “cadeira portátil”) com dois escravos, Bahia, 1860 (Acervo Instituto Moreira Salles). Geralmente, a figura do “porta-bandeira” das Escolas de Samba se reporta a essas senhoras e seu glamour, e aos seus Mestres-Salas – Croqui na sequência. Fonte: http://www.historiailustrada.com.br
Croqui do traje carnavalesco de uma escola de samba reproduzindo o casal da senhora e do pajem – mestre-sala e porta-bandeiras.
Escravos romanos no transporte público.

No Brasil, a população formada por povos africanos quase superou a população branca, europeia, que os escravizava nas suas duas primeiras capitais. Estes imigrantes eram, predominantemente, compostos de povos latinos, que culturalmente interpretavam o trabalho braçal como algo inferior, e não tão nobre quanto o trabalho intelectual, oriundo da herança cultural da Grécia clássica (que contraditoriamente enaltecia a democracia) e do Império Romano.

Escravos gregos e seu senhor.

Historicamente, os romanos dominaram a Grécia e, posteriormente, boa parte da Europa, por séculos. Esta percepção não é vista dessa maneira por todos os povos europeus.

Escravos em Salvador, em uma roda de capoeira e batucada – Bahia – século XIX.

É compreensível que o carnaval, nas cidades em que imperava o poder econômico, social e cultural do Brasil na época, tivesse outras características, devido à influência dos povos oriundos da África, mesmo cativos do resto da sociedade. Isto não significa que o carnaval de outras regiões do Brasil continental tivesse as mesmas características das duas capitais brasileiras. Era quase sempre musicado pelo samba ou, na época, pela batucada (que também não é música brasileira por excelência. Existem lugares no Brasil em que as pessoas não tocam e não apreciam o samba. E há, também, outros gêneros de músicas de carnaval – marchinhas, entre outras, como, por exemplo, no Carnaval de Olinda – Pernambuco (com a presença de instrumentos de sopro). Observar o vídeo.

Em Manaus, Amazonas, existe uma forte influência da cultura indígena no carnaval. No Maranhão, existe a influência holandesa. E há locais, ainda, onde o carnaval ficou com as características originais da Europa.
Por que isso acontece?
Há uma mídia comercial que “vende” um “produto” e único, no qual, muitas vezes, também está a “beleza da mulher brasileira”, que não se dá conta de seu papel no negócio. Lembramos o que tentaram fazer em Blumenau durante o Oktoberfest Blumenau 2015, divulgando a propaganda de uma companhia de cerveja, apresentando a figura da mulher local com foco comercial, tipo produto e isso despertou o descontentamento da sociedade local. Houve reações e o comercial foi tirado do ar em menos de um dia.
As principais e mais tradicionais Escolas de Samba do Rio de Janeiro foram fundadas somente a partir da década de 1950. E antes desta data? Não existia Carnaval no Rio de Janeiro? Não existia Carnaval em Blumenau?

Há registros do Carnaval de Blumenau anteriores a essa data. Também já havia Carnaval no Rio de Janeiro antes de surgirem as Escolas de Samba. Construíram o “produto” para ser comercializado e, atualmente, há quase uma generalização de que assim é identificado o Carnaval brasileiro e de que só existe aqui. Em vários locais do Brasil, a economia local busca “criar” a festa como um “produto”, diminuindo a originalidade do carnaval local.
Tenta-se criar desfiles de Escola de Samba em Blumenau, também, e batucada nos salões.

Desfile de Carnaval em Blumenau apresentando o “mestre-sala” e “porta-bandeira”, reportando à “Sinhá e ao pajem” – sendo que esta realidade não tem relação com o Carnaval e com a história de Blumenau. Foto: Blog do Jaime.

Nossa lembrança é muito forte do Carnaval de Florianópolis, onde passamos parte de nossa infância e nos divertíamos muito, assistindo ao “Bloco de Sujos”, e também frequentando bailes de salão, características do carnaval europeu trazidas pelos imigrantes portugueses.

Carnaval de rua.

Bailes de Carnaval e Blocos de Rua do passado, em Blumenau.

1885 – 1900 – Realidade do verídica do carnaval de Blumenau. Fonte: Jornal de Santa Catarina JSC.

 

Registros das primeiras manifestações carnavalescas na cidade, como o famoso Baile de Máscaras, na Sociedade dos Atiradores. As marchinhas dos grupos da época e os jornais especiais de carnaval faziam críticas políticas e sociais. Jornal de Santa Catarina.

Descrição do Carnaval conhecido até os dias atuais, na Alemanha, começou em Blumenau após a Colônia Blumenau estar mais ou menos organizada. Antes não tinha espaço, tempo e dinheiro.

Baile de Carnaval. Foto – Jornal de Santa Catarina.
Baile de carnaval no salão do teatro Frohsinn – década de 1920.
Carnaval das crianças, em Blumenau – no matinê. Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.

Integração de tipos de Carnaval em Santa Catarina

Fantasia usada no Carnaval de Florianópolis 2011 que homenageou o Oktoberfest Blumenau

Em março de 2011 – a fantasia usada do desfile do Carnaval de 2011 – Ala do Chopp em Metro da Escola de Samba Protegidos da Princesa da capital do Estado de Santa Catarina – Florianópolis, foi doada ao parque Vila Germânica, para fazer parte do acervo do futuro Museu do Oktoberfest Blumenau. A doação aconteceu em 21 de março de 2011.

Carnaval na Alemanha

Amazonas

Ceará

Santa Catarina

Pernambuco

Bahia (na primeira Capital do Brasil)

https://www.youtube.com/watch?v=eQ-NlHUcffY

Rio de Janeiro (na segunda capital do Brasil)

Carnaval de Rua e Baile de Carnaval, 1954

Marchinhas de carnaval nas ruas do Rio de Janeiro, década de 50

Carnaval 2014 – Blocos de Rua do Rio de Janeiro

O que é “vendido” como Carnaval do Brasil no exterior

Coletânea e músicas de Carnaval de Salão

Baile de Carnaval

Piauí

São Paulo

Blumenau

Conhecer as diferentes culturas formadoras do espectro cultural do Brasil é importante, e quase em todas as regiões se brinca o Carnaval, independentemente de sua origem colonizadora e migratória.

O Carnaval não é uma festa genuinamente brasileira.

Registro para a História.

Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
@angewittmann (Instagram)
@AngelWittmann (Twitter)

Chegou o livro “Fragmentos Históricos – Colônia Blumenau” – inspirado nos artigos desta coluna. Primeiro lançamento em Blumenau – dia 9 de março de 2023 – Fundação Cultural de Blumenau/MAB. Você é nosso convidado.

Agradecemos este espeço que nos inspirou a colocar parte deste conteúdo nesta publicação. Colocaremos nas Bibliotecas das Escolas Municipais e nas principais bibliotecas de Blumenau.