Carnaval é uma festa brasileira? Entenda como surgiu a festa na Colônia Blumenau
Quando chega esta época do ano, período do Carnaval e durante suas festividades sempre surge a pergunta: Existe Carnaval em Blumenau? Muitos acham que o Carnaval seja uma festa popular brasileira e como a cidade de Blumenau não fosse parte do território brasileiro. O que seria uma festa popular brasileira?
Muitas vezes, uma pessoa meio desinformada pode imaginar que seja uma festividade tipicamente brasileira com cara de “samba” e a presença das “mulatas” com samba no pé – produto “vendido” para o resto do mundo.
Dentro do próprio Brasil, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, há vários tipos de Carnaval. Esse, do Brasil, “vendido” há décadas para o resto do mundo como parte da cultura popular do País, excluindo tudo o mais, é somente uma fração da cultura praticada no continental território.
O Carnaval do “samba” é o resultado do contato da cultura de dois povos com grande contribuição na miscigenada cultura brasileira, em suas duas primeiras capitais – Rio de Janeiro e Salvador. São eles: os portugueses, que trouxeram a prática do carnaval europeu, e os africanos, que trouxeram suas práticas festivas, coloridas e folclóricas da África. A partir do contato destas duas culturas, surgiu a cultura do carnaval praticado em Salvador e no Rio de Janeiro, e que não são iguais nas demais regiões do país.
No Vale do Itajaí, antiga Colônia Blumenau, o Carnaval chegou com os imigrantes alemães e italianos, logo nas primeiras décadas de fundação. Surpreso?
Em cada região brasileira na qual os imigrantes se fixaram, o Carnaval ficou com características locais, explicadas e justificadas pela interferência cultural local preexistente, ou derivadas da miscigenação cultural étnica ocorrida no local.
Esquecem-se do “Carnaval de Rua”, do “Bloco dos Sujos”, do “Carnaval de Salão”. Qual a origem destes carnavais?
Existe Carnaval nos países de origem dos imigrantes que fundaram as muitas cidades do Vale do Itajaí e de outras tantas, no Sul do Brasil?
Existe Carnaval na Alemanha? Existe Carnaval na Itália, em Veneza? Qual seria a ligação deste e o “Carnaval de Rua” do Brasil? Entre o “Bloco de Sujos”? Ou “de Salão”?
Há Carnaval na Alemanha e na Itália, há Carnaval nas regiões de onde vieram as famílias pioneiras que fundaram inúmeras cidades no Vale do Itajaí – antiga Colônia Blumenau. Suas origens são muito mais antigas que o carnaval brasileiro, dos diferentes “carnavais brasileiros”.
Na Alemanha, o carnaval têm diferentes características ao longo de seus períodos históricos e diferenças em cada região do país. Por exemplo:
Há o conhecido Weiberfastnacht – Quinta feira das mulheres – também denominado “quinta estação do ano”.
Existe unanimidade entre todos os carnavais alemães em suas respectivas regiões. Todos eram e são festejados, até os dias atuais, no período que antecede a quaresma – período de jejum. Quase sempre festejado no início da Páscoa, com um banquete.
O termo Carnaval é herança cultural da mitologia dos antigos povos germânicos, e está ligado aos ritos de fertilidade das antigas religiões existentes antes da chegada do cristianismo, e denominadas, pelos cristãos, de pagãs. Também tem relação com os rituais existentes “para espantar os maus espíritos”, e ligação com as festas e rituais romanos, incorporados aos hábitos e costumes da região durante o domínio dos romanos. Após esse período, essas práticas foram adotadas pelas festividades cristãs trazidas e implantadas pelos próprios romanos.
Antes do século XIII, era comum festejar o “Carnaval” no interior das casas. Depois, os festejos ocuparam as ruas e eram acompanhados por muita fartura de alimentos e foliões, com música, dança, apresentações teatrais, torneios e corridas.
Entre os séculos XIII e XIV surgiu o combate personificado entre o Carnaval e a Quaresma: animais e alimentos.
O importante era a diversão.
A partir do século XIV, a Igreja de Roma condenou o carnaval na Alemanha, alegando que destoava da doutrina de Santo Agostinho e a festa passou a ser vista como prática pagã, como realmente era.
Não somente como as festividades de Baco, do reino de Nabucodonosor, mas como as festividades ditas “pagãs”, muito anteriores a este período. Os foliões do carnaval da Idade Média, na Alemanha, passaram a ser associados à personificação do mal, de acordo com o cristianismo.
Na maioria do território brasileiro, o carnaval foi trazido pelos primeiros imigrantes europeus, conforme lembrado, os portugueses. Estes, na época, também tinham contato com as festividades cristãs da Europa (inexistiam fronteiras para o cristianismo). No Brasil, o contato com as festividades do povo africano fez surgir uma festa com outra identidade, o conhecido Carnaval brasileiro.
A antropologia explica este fenômeno social e cultural. O folião europeu do período entre os séculos XV e XVII, representava a figura carnavalesca central da sátira, e lembrava muito o conhecido Arlequim da Itália. Com a vinda da Reforma Protestante, que também negava práticas do catolicismo de Roma (os mesmos que subjugaram e converteram os antigos prussianos ligados à Ordem Teutônica), houve uma diminuição da prática desse tipo de carnaval baseado na sátira.
Após conhecer a vida dos Irmãos Grimm e de outros eruditos do século XIX, podemos afirmar que, no período do romantismo alemão, houve valorização e interesse pelos costumes dos antepassados – tribos germânicas – e pelas suas inúmeras festividades, até então consideradas pagãs.
No Brasil, muitos imaginam que o carnaval é somente aquele que tem forte influência dos povos africanos que foram escravizados no País. Conforme citado, a maior concentração de cultura africana ocorreu, por mais de dois séculos, nas duas primeiras capitais nacionais: Salvador e Rio de Janeiro.
Também em outros locais do País onde havia interesses econômicos da mesma elite brasileira que vivia na capital – e que era altamente extrativista. Isto aconteceu, por exemplo, com a mineração, em Minas Gerais.
No Brasil, a população formada por povos africanos quase superou a população branca, europeia, que os escravizava nas suas duas primeiras capitais. Estes imigrantes eram, predominantemente, compostos de povos latinos, que culturalmente interpretavam o trabalho braçal como algo inferior, e não tão nobre quanto o trabalho intelectual, oriundo da herança cultural da Grécia clássica (que contraditoriamente enaltecia a democracia) e do Império Romano.
Historicamente, os romanos dominaram a Grécia e, posteriormente, boa parte da Europa, por séculos. Esta percepção não é vista dessa maneira por todos os povos europeus.
É compreensível que o carnaval, nas cidades em que imperava o poder econômico, social e cultural do Brasil na época, tivesse outras características, devido à influência dos povos oriundos da África, mesmo cativos do resto da sociedade. Isto não significa que o carnaval de outras regiões do Brasil continental tivesse as mesmas características das duas capitais brasileiras. Era quase sempre musicado pelo samba ou, na época, pela batucada (que também não é música brasileira por excelência. Existem lugares no Brasil em que as pessoas não tocam e não apreciam o samba. E há, também, outros gêneros de músicas de carnaval – marchinhas, entre outras, como, por exemplo, no Carnaval de Olinda – Pernambuco (com a presença de instrumentos de sopro). Observar o vídeo.
Em Manaus, Amazonas, existe uma forte influência da cultura indígena no carnaval. No Maranhão, existe a influência holandesa. E há locais, ainda, onde o carnaval ficou com as características originais da Europa.
Por que isso acontece?
Há uma mídia comercial que “vende” um “produto” e único, no qual, muitas vezes, também está a “beleza da mulher brasileira”, que não se dá conta de seu papel no negócio. Lembramos o que tentaram fazer em Blumenau durante o Oktoberfest Blumenau 2015, divulgando a propaganda de uma companhia de cerveja, apresentando a figura da mulher local com foco comercial, tipo produto e isso despertou o descontentamento da sociedade local. Houve reações e o comercial foi tirado do ar em menos de um dia.
As principais e mais tradicionais Escolas de Samba do Rio de Janeiro foram fundadas somente a partir da década de 1950. E antes desta data? Não existia Carnaval no Rio de Janeiro? Não existia Carnaval em Blumenau?
Há registros do Carnaval de Blumenau anteriores a essa data. Também já havia Carnaval no Rio de Janeiro antes de surgirem as Escolas de Samba. Construíram o “produto” para ser comercializado e, atualmente, há quase uma generalização de que assim é identificado o Carnaval brasileiro e de que só existe aqui. Em vários locais do Brasil, a economia local busca “criar” a festa como um “produto”, diminuindo a originalidade do carnaval local.
Tenta-se criar desfiles de Escola de Samba em Blumenau, também, e batucada nos salões.
Nossa lembrança é muito forte do Carnaval de Florianópolis, onde passamos parte de nossa infância e nos divertíamos muito, assistindo ao “Bloco de Sujos”, e também frequentando bailes de salão, características do carnaval europeu trazidas pelos imigrantes portugueses.
Bailes de Carnaval e Blocos de Rua do passado, em Blumenau.
Registros das primeiras manifestações carnavalescas na cidade, como o famoso Baile de Máscaras, na Sociedade dos Atiradores. As marchinhas dos grupos da época e os jornais especiais de carnaval faziam críticas políticas e sociais. Jornal de Santa Catarina.
Descrição do Carnaval conhecido até os dias atuais, na Alemanha, começou em Blumenau após a Colônia Blumenau estar mais ou menos organizada. Antes não tinha espaço, tempo e dinheiro.
Integração de tipos de Carnaval em Santa Catarina
Fantasia usada no Carnaval de Florianópolis 2011 que homenageou o Oktoberfest Blumenau
Carnaval na Alemanha
Amazonas
Ceará
Santa Catarina
Pernambuco
Bahia (na primeira Capital do Brasil)
Rio de Janeiro (na segunda capital do Brasil)
Carnaval de Rua e Baile de Carnaval, 1954
Marchinhas de carnaval nas ruas do Rio de Janeiro, década de 50
Carnaval 2014 – Blocos de Rua do Rio de Janeiro
O que é “vendido” como Carnaval do Brasil no exterior
Coletânea e músicas de Carnaval de Salão
Baile de Carnaval
Piauí
São Paulo
Blumenau
Conhecer as diferentes culturas formadoras do espectro cultural do Brasil é importante, e quase em todas as regiões se brinca o Carnaval, independentemente de sua origem colonizadora e migratória.
O Carnaval não é uma festa genuinamente brasileira.
Registro para a História.
Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
@angewittmann (Instagram)
@AngelWittmann (Twitter)
Chegou o livro “Fragmentos Históricos – Colônia Blumenau” – inspirado nos artigos desta coluna. Primeiro lançamento em Blumenau – dia 9 de março de 2023 – Fundação Cultural de Blumenau/MAB. Você é nosso convidado.
Agradecemos este espeço que nos inspirou a colocar parte deste conteúdo nesta publicação. Colocaremos nas Bibliotecas das Escolas Municipais e nas principais bibliotecas de Blumenau.