Acontece periodicamente, na cidade de Blumenau e nas cidades vizinhas – desde o ano 2000, após o período do nacionalismo – o evento que movimenta muitos grupos de amigos – o Stammtisch. Uma prática social e cultural que tem sua origem na Alemanha, país do fundador Hermann Bruno Otto Blumenau, dos primeiros pioneiros e de muitos imigrantes que chegaram à cidade de Blumenau e região, durante diversos períodos históricos. O evento, que movimenta muitos grupos de amigos, foi trazido para a Colônia Blumenau, cujo território era, mais ou menos, o mesmo território da região do Vale do Itajaí, pelos pioneiros que o praticavam, de maneira natural – em frente às suas casas e locais de trabalho, ainda no século XIX.
Comumente, os primeiros residentes do primeiro núcleo urbano da Colônia Blumenau, reuniam-se no primeiro Clube de Caça e Tiro da colônia – o Schützenverein Blumenau (Atual Tabajara Tênis Clube – que recebeu este nome durante a 2° Grande Guerra – condição para continuar em funcionamento) – Clube, no qual se reuniam os primeiros alemães que se fixaram no Stadtplatz.
Estes trouxeram consigo o hábito de, em alguns dias da semana, se encontrarem no clube, no final do dia de trabalho, beber cerveja e conversar sobre assuntos relacionados à comunidade, negócios e outros. Geralmente, como acontece na Alemanha ainda hoje, a mesa era colocada na rua. Apreciaram e, ainda hoje, apreciam a prática de atividades de lazer ao ar livre e sob o sol.
Quando andamos por lá, nas terras além-mar – terra destes primeiros imigrantes, era comum nos depararmos com uma mesa grande e bancos à beira da estrada, ao longo dos caminhos, ou mesmo à frente de locais públicos para que as pessoas possam, nos momentos livres, conversarem, lancharem, descansarem, passarem momentos de contemplação, ao ar livre. Logo saberemos porquê.
A Origem do Stammtisch
As pessoas que vivem no continente europeu naturalmente valorizam muito as atividades ao ar livre, por alguns fatores culturais, históricos e climáticos. Criam situações e oportunidades para sentir e viver o sol e o ar livre, conversar com amigos, encontrar pessoas, almoçar, lanchar, pedalar, escalar, fazer trilhas. Lotam suas praças e parques, que são muitos e fazem pique niques com a família e ou com amigos.
Na Alemanha, a exemplo de alguns outros países do continente, o inverno é rigoroso e frio. Nos dias atuais, os alemães continuam a cultuar e apreciar a prática de atividades ao ar livre, principalmente nos períodos da primavera e do verão. Em suas práticas, sempre presente os elementos da natureza no espaço aberto. Talvez o façam de maneira inconsciente, desconhecendo os hábitos das tribos dos antigos germanos e de sua religião, denominada, pós cristianismo, de “pagã”.
Muito de seu folclore e festividades religiosas estão presentes nestas atividades, talvez sem o conhecimento de sua origem ou mesmo, entendimento. Fazem-no como herança e aprendizado dos antepassados, repassada de uma geração para outra, por séculos. Sua mitologia/religião anterior à chegado do cristianismo cultuavam elementos da natureza e os períodos das estações do ano, como por exemplo o equinócio da primavera que resultou em festividades praticadas por nós até os dias atuais, como a páscoa, sem no entanto conhecermos sua origem. Para este povo, o equinócio da primavera tinha muita importância e de certa maneira ainda exerce efeito sobre seus descendentes, porque marca o retorno do sol – energia máxima da vida e com ligação direta a manutenção da vida, através da colheita do alimento. Até os dias atuais, as pessoas que residem nesta região apreciam e orientam suas atividades de lazer observando esta época do ano. Acreditavam ser o período do despertar da Terra, com sentimentos de equilíbrio e renovação e valorizam muito suas atividades ao ar livre, as quais são muito diversificadas.
Entre muitos eventos ao ar livre dos alemães atuais, há a Strassenfest – Festivais na rua. Esta, em espacial, foi batizada de Strassenfest Mit Stammtischtreffen. Este hábito foi levado por imigrantes alemães para os 4 cantos do mundo. Assimilados e adequados aos novos locais, a partir do contato com seus hábitos e costumes.
No Strassenfest, existe a oportunidade criada pela comunidade, onde as pessoas, sob o sol e o cenário da rua, interagirem, festivamente, com seus vizinhos, familiares, amigos e visitantes, comendo, bebendo e praticando atividades como: jogos, esportes, música, dança. O foco, como muitos imaginam e confundem, não é somente o de beber. É uma atividade festiva cultural praticada na rua, na companhia de amigos e familiares – sob o Sol Quase sempre os grupos de amigos e familiares são conhecidos entre si, pois residem na mesma rua e praticam atividades centenárias, repassadas de uma geração para outra.
Há o Strassenfest de verão que também são encontros festivos nas ruas de vários bairros de determinadas cidades da Alemanha, durante todo o verão. A rua é fechada para o trânsito, com a permissão de todos os vizinhos. Todos participam e organizam o seu Strassenfest, que quase sempre acontece no dia de sábado. Há a participação direta de bares e restaurantes que montam suas mesas, bancos e barracas de bebidas. Nos maiores festivais de ruas, são contratadas bandas e outras diversões. O período de maior profusão do evento, acontece nos meses de julho e agosto (Alguns também acontecem em junho e setembro) – período de verão na Alemanha.
Outro exemplo atual, citamos a cidade alemã de Backnang, situada no estado de Baden Württemberg – (População entre 35 e 40 mil habitantes). Na cidade acontece o Strassenfest no último final de semana de junho. Os clubes locais esportivos e culturais, oferecem comida e bebida aos visitantes.
A abertura oficial do Strassenfest de Backnang acontece com uma saraivada de tiros de canhão às 6:00h de sexta-feira e termina com a Zapfenstreich na segunda-feira por volta das 11:00h. Atrai em torno de 100 mil visitantes.
Também há a festa de Strassenfest Jasper (Estados Unidos) que lembra a vinda de imigrantes da pequena vila alemã – Pfaffenweiler – 1847. Seus descendentes contam que na época da vinda dos primeiros 100 imigrantes alemães, estes se despediram dos familiares que ficaram na Alemanha, cantando juntos uma canção de despedida, com tristeza.
Atualmente, cantam com muita alegria, a canção no Strassenfest que acontece em toda a praça de Jasper, onde são armadas barracas de comida, com opção de passeios no entorno. Há um Biergarten e também, ambientes para os grupos.
Ocorre a comemoração entre os descendentes dos imigrantes alemães, que residem nos Estados Unidos e dos descendentes daqueles que ficaram na vila de Pfaffenweiler – na Alemanha. Há quem afirme que são consumidos mais de 1.300 kg de salsichas durante os quatro dias de Strassenfest. Também faz parte das festividades: domingo há o desfile e à noite, fogos de artifícios.
Stammtisch em Blumenau
Na Colônia Blumenau do final do Século XIX e início do Século XX, os imigrantes alemães, que produziam sua própria cerveja, promoviam estes encontros nas sextas feiras após o dia de trabalho. Muita coisa mudou durante os períodos das guerras. As práticas culturais/esportivas foram proibidas, bem como falar o idioma, muitas vezes o único conhecido. Também cultuavam atividades ao ar livre, muito comum, por exemplo, nos tradicionais piques-niques, geralmente em ambientes naturais abertos, junto a um ribeirão ou rio. As pessoas em Blumenau e na região, mudaram seu modo de viver, durante e depois das grandes guerras e do Nacionalismo impetrado em todo o Brasil, durante o governo de Getúlio Vargas.
Os jovens sofreram Bullying, ecos do Nacionalismo no Vale do Itajaí, e não se sentiam bem falando o idioma dos jogos, das sociedades, dos grupos musicais, dos grupos teatrais e do Stammtisch. As décadas de 1940, 1950 e de 1960 foram mudas e silenciosas. Na década de 1970 aconteceu um pequeno despertar da cultura amordaçada e em 1980, no palco do Oktoberfest Blumenau, o grande mérito desta festa, foi o despertar de uma cultura e da autoestima de pelo menos duas gerações e com ela – a cultura, o ressurgimento das festividades ao ar livre de outrora, com algumas pequenas modificações. A antropologia explica a resultante cultural a partir do contato de culturas.
Atualmente, com isto, evento deixou de ser conhecido como Strassenfest ou Strassenfest Mit Stammtischtreffen. Do culto à rua, em Blumenau, passou ao culto e a celebração à amizade.
Lembrar as raízes do povo que cultuava a natureza (descritos por Tácito), lembrar o real sentido cultural dos alemães que continuam nos dias atuais praticando suas festas ao ar livre, de maneira consciente ou inconsciente, sem contar somente com o aspecto econômico. Almejar o lazer e o prazer das companhias, ao ar livre sob o Sol (com letra maiúscula mesmo).
O evento de Blumenau – Stammtisch fazia parte do calendário da Santur e da Secretaria de Turismo de Blumenau desde o ano de 2000.
De acordo com seus organizadores, o Stammtisch tem como um dos principais objetivos, aquecer a indústria do turismo a partir da herança cultural dos imigrantes alemães que fixaram residência na região. Seus descendentes oportunizam o espaço criado pela organização e o evento, para realmente praticar suas tradições, que ficaram guardadas por décadas.
Diferentemente, do que acontecia na Alemanha, o Strassenfest de Blumenau – Stammtisch, não está adequado às estações do ano. A prática foi resgatada em moldes atuais, onde muitos grupos de amigos podem participar e acontece há mais de 20 anos, na cidade de Blumenau, duas vezes ao ano, sendo que uma destas duas vezes, geralmente acontece neste mês de abril.
A rua XV de Novembro e ruas adjacentes são tomadas por grupos devidamente inscritos e mapeados. São grupos familiares, de amigos, culturais, esportivos, de Stammtisch de fato. Devidamente instalados, sob um rígido regulamento, cada grupo elabora seu cardápio e atividades desenvolvidas no seu espaço da Rua XV de Novembro, regado a risos, conversas, música, e bebida.
Chegando na Rua XV de Novembro – Stamtisch 2018
Aquela memória de práticas da época dos “Opas” e das “Omas” que traz uma saudade inexplicável e desejo de fazer igual, sem saber bem o porquê, mas é assim mesmo. São práticas milenares, originárias em outro território, outro continente, clima, história, mas que faziam parte das práticas daqueles que construíram estas cidades e de alguma maneira, em alguns momentos, suas práticas nos fazem um pouco mais felizes e conhecer é importante.
Um registro para a História!
Referências
- SCHMIDT-Gerlach, Gilberto. Colônia Blumenau no Sul do Brasil. Gilberto Schmidt-Gerlach, Bruno Kilian Kadletz, Marcondes Marchetti, pesquisa; Gilberto Schmidt-Gerlach, organização; tradução Pedro Jungmann. – São José : Clube de Cinema Nossa Senhora do Desterro, 2019. 2 t. (400 p.) : il., retrs.
- SILVA, José Ferreira da. História de Blumenau. 2.ed. – Blumenau: Fundação “Casa Dr. Blumenau”, 1988. – 299 p.
- WITTMANN, Angelina. Germanos e sua Mitologia – Crenças e Panteon – Parte I. 18 de outubro de 2013. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2013/10/germanos-e-sua-mitologia-crencas-e.html
- WITTMANN, Angelina. Germanos e sua Mitologia – Crenças e Panteon – Parte II. 18 de outubro de 2013. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2013/10/germanos-e-sua-mitologia-crencas-e_18.html
- WITTMANN, Angelina. História… Origem da Expressão: Deutschland e Germania. 18 de outubro de 2013. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2013/10/historia-origem-da-expressao.html
- WITTMANN, Angelina. História – Prússia e Alemanha – Com Ecos no Vale do Itajaí. 18 de outubro de 2013. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2013/10/historia-prussia-e-alemanha.html
- WITTMANN, Angelina. História… Schützenverein. 20 de fevereiro de 2015. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2013/10/historiaschutzenfest.html
- WITTMANN, Angelina. O Culto da Colheita – Mitologia Germânica. 18 de outubro de 2013. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2013/10/o-culto-da-colheita-mitologia-germanica.html
- WITTMANN, Angelina. Primavera entre os antigos povos germânicos – Mitologia. 18 de outubro de 2013. Disponível em: https://angelinawittmann.blogspot.com/2013/10/primavera-entre-os-antigos-povos.html
Eu sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
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