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Saiba o que dizem as mães que tentam retomar a guarda de 15 crianças em Blumenau

Justiça de Blumenau afirmou que em todos os casos foram constatados inaptidação das genitoras

De segunda a sexta-feira, seja no período da manhã ou da tarde, um grupo de mães se reveza em uma vigília na frente do Fórum de Blumenau, na rua Zenaide de Souza, no bairro Velha. Enquanto algumas trabalham, as outras ficam no local. Depois, elas trocam, sempre com o objetivo de marcar presença e chamar a atenção para a luta que estão travando na Justiça.

O grupo é composto ao todo de 11 mães que perderam na Justiça a guarda de 15 filhos e filhas e estão tentando reverter a decisão. Algumas delas levam seus parentes ao protesto que também brigam pela guarda, para que ao menos as crianças possam permanecer no meio familiar.

Alice Kienen/O Município Blumenau

É o caso de Adriele do Nascimento, de 29 anos. Ela tem tem três filhos, mas o mais novo foi retirado de casa há cerca de um ano. Há alguns meses, ele foi encaminhado para uma família substituta, por decisão da Justiça. Apesar de querer retomar a guarda da criança, ela tem ao lado dela a mãe e a irmã que também brigam na Justiça pelo mesmo motivo.

“A gente quer ele fique na família. Eu queria comigo, mas se não der, que pelo menos fique com minha mãe, com minha irmã, com alguém que eu possa saber como ele está. Quero ver ele crescer, que continue na família”, afirma ela.

Adriele conta que tudo iniciou após a denúncia do ex-marido, que não aceitava a separação. Segundo ela, o homem chegou a confessar à ex-sogra que a intenção foi vingança por não estarem mais juntos.

A denúncia foi de abandono da criança, o que segundo Adriele, nunca aconteceu. Ela afirma que as únicas vezes que o filho estava longe dela era quando ela ia trabalhar e ele ficava com uma babá. Além disso, destaca que tem outros dois filhos, que foram bem criados e ainda moram com ela.

“Eu tenho os prints dele confessando pra minha mãe que era vingança, eu mostrei pra Justiça, meu advogado colocou no processo. E tem outras várias mentiras nesse processo, mas ninguém quis me ouvir. Eles não deram bola para minhas provas”, afirma ela.

“Colocam ainda que não existe vínculo de afetividade, sendo que meu filho sempre estava com a tia, com a avó. Não entendo como isso pode ser certo”, conclui Adriele, que tem a situação semelhante a outra mãe, que também está protestando.

Genoar Daniela Machado tem 41 anos, é professora de uma creche pública municipal de Blumenau e tem duas filhas, uma de 16 anos e outra de um ano. Ela também perdeu a guarda da filha mais nova após denúncia de maus-tratos feita pelo ex-marido. Segundo ela, após abertura do processo, a Justiça decretou busca e apreensão da criança.

“Eu coloquei tudo no processo. Laudo psicológico meu, declaração de pediatra, carteirinha de vacinação da minha filha, mostrando que estava tudo correto. Declaração da creche, assinado por professores, diretores, fotos, vídeos, tudo que podia para comprovar que não existem maus-tratos, mas nada adiantou”.

Ela conta ainda que, para não ter a filha levada, a escondeu em um lugar seguro por dois meses, onde a Justiça não a encontrou, até que conseguisse a guarda provisória para a irmã dela, tia da menina.

“No despacho a juíza deixa claro que só deram a guarda para minha irmã pela peculiaridade do caso, mesmo que minha irmã não tivesse vínculo afetivo comprovado, sendo que as provas que eu coloquei comprovam a relação entre elas”, completa.

Apesar de não ter a filha levada ao abrigo ou à outra família, como nos casos das outras mães ao lado dela, Genoar segue buscando na Justiça uma garantia para que isso não ocorra, e está recorrendo ao TJ-SC para reaver a guarda.

Casa Eliza

Outras duas mães que conversaram com o jornal O Município Blumenau também tem – além da perda da guarda – outras particularidades semelhantes. É o caso de Antônia Maria de Souza e Carla Cristina de Melo, que passaram por alguns meses na Casa Eliza, após terem problemas de saúde ou violência doméstica.

Antônia teve duas filhas, uma de nove e uma de um ano, tiradas pela Justiça. Ela conta que não tem família em Blumenau e criava as duas crianças sozinha. Ambas estavam matriculadas em creche e escola e recebiam acompanhamento médico, principalmente porque têm alguns problemas de saúde.

Em 2019, Antônia ficou na Casa Eliza por alguns meses, após passar por problemas de saúde. Naquele período, a filha mais velha tinha seis anos e também ficou no local. Após a recuperação, ambas voltaram para casa.

Entretanto, na segunda gravidez, Antônia novamente ficou doente e precisou ser internada. Ela conta que, como não tinha familiares, as assistentes sociais da Casa Eliza se ofereceram para ficar com a criança mais velha enquanto ela recebia o tratamento e passava pela gestação complicada.

“Aí começou a complicar bastante. Quando eu tive o bebê, fui buscar minha outra filha e não quiseram devolver, só na Justiça. Eu contratei advogado, e consegui reaver e continuei tendo acompanhamento do Cras”, explica.

“Mas agora que eu estava me preparando para ir para o Recife, onde mora minha mãe, a Assistência Social, que sabia desse meu planejamento de vida, veio e buscou minhas duas filhas em abril. Em menos de quatro meses de processo, o caso já foi julgado, sem minhas provas e sem minhas testemunhas serem ouvidas, e eu perdi a guarda delas”, complementa Antônia.

Ela conta que a alegação é que ela não tinha condições de cuidar das crianças. Todos os processos tramitam em segredo de Justiça e o jornal O Município Blumenau não teve acesso a eles.

Ela conta ainda que possui trabalho registrado, possuía acompanhamento da assistência social e em momento algum demonstrou maus-tratos ou qualquer tipo de aversão às crianças, que desde sempre foram criadas por ela sozinha.

Carla também passou pela Casa Eliza, por algumas vezes, após ter sido vítima de violência doméstica do ex-companheiro. Ela conta que a alegação contra ela é de negligência, a colocando como usuária de drogas, desempregada e sem moradia. Assim como apontou na Justiça, Carla mostrou à reportagem comprovantes de que trabalha no comércio e mora de aluguel em uma quitinete no bairro Itoupava Norte, mesmo local onde os filhos foram buscados.

“Tem uma série de mentiras. Tem relatórios falsos da assistência social. Dizem que eu não cuidava deles, sendo que sempre estavam comigo. Eles iam pra creche, escola, quando eu trabalhava eles ficavam com minha ex-sogra ou minha tia, que eles chamam de vó. Aliás, ela também pediu a guarda deles e eles negam, dizendo que não tem vínculo afetivo”, conta Carla.

Mães recorrem e comissão da OAB se envolve

O caso das mães que estão há mais de uma semana protestando em frente ao Fórum de Blumenau será levado à corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Os advogados que acompanham as mulheres marcaram reuniões com o prefeito Mário Hildebrandt, com a Vara da Infância e Juventude e com Secretaria de Assistência Social.

O ponto que unifica os casos é que todas vivem em situação de vulnerabilidade social, algumas sofriam violência doméstica e quase todas trabalham em situação precarizada, sem registro de CTPS e tem dificuldades de obter emprego por não terem onde deixar seus filhos (creches em período integral). Em alguns dos casos a Justiça escolheu os filhos a serem abrigados, pois retiraram as crianças menores enquanto os mais velhos permanecem na companhia materna”, relata a nota repassada pelos advogados.

Elas estão sendo acompanhadas pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-Blumenau, que está investigando a situação juntamente com a Defensoria Pública de Blumenau.

Albert Silva Lima, advogado da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, acredita que há violações de direitos de crianças, especialmente o direito à convivência familiar, à primazia da família natural ou extensa, e à excepcionalidade do acolhimento institucional, destituição do poder familiar, e encaminhamento de crianças para família substituta na modalidade adoção.

Como já publicado por O Município Blumenau, a lei prevê que as crianças passem pela família extensa (avós e tios, por exemplo) antes de serem levadas à adoção. Entretanto, nestes casos as crianças estão indo direto para o sistema.

Outra violação de direitos foi o impedimento das mães de visitar os filhos após eles serem encaminhados para abrigos. Em vídeo, elas relatam a frustração de perderem os direitos sobre os pequenos e a dificuldade em dialogar com a assistência social.

Justiça de Blumenau se pronuncia

Todos os processos das 11 mães e 15 crianças estão em segredo de Justiça. Desta forma, a reportagem não teve acesso aos processos, apenas entrevistas com as mães e advogados.

Entramos em contato com a promotoria que cuida dos casos e com a Vara da Infância e Juventude de Blumenau, que julgou os casos. Apesar de não poderem detalhar sobre cada situação e processo em específico, uma nota do Poder Judiciário local foi encaminhada à reportagem. Confira abaixo na íntegra:

Nota de Esclarecimento

Sobre os processos judiciais referentes aos casos de destituição do poder familiar, em trâmite na comarca de Blumenau, informamos que as destituições ocorreram porque foram identificadas situações negligência, maus-tratos, conflitos familiares, violências física, psicológica e sexual, dependência química, instabilidade de emprego e moradia, ausência de adesão a tratamentos, orientações e encaminhamentos propostos pela rede de proteção, inexistência de rede familiar de apoio e de família extensa aptas e com vínculos de afetividade e afinidade com os infantes para exercerem a guarda. Tais situações, colocavam em grave risco a vida e a saúde física e mental das crianças.

A inaptidão dos genitores para o exercício do poder familiar foi constatada em todos os casos, com emissão de relatório da rede de proteção informando que foram esgotadas todas as possibilidades de intervenção, oportunidade em que sugeriram o acolhimento institucional como a única medida protetiva para a garantia dos direitos e proteção das crianças. Ressalta-se que, a destituição do poder familiar ocorre somente após análise de todos estes fatores, e pedido ajuizado pelo Ministério Público (MP), após ouvidas as equipes técnicas do serviço de acolhimento e forense.

Somente após seguir os trâmites legais, com a citação dos genitores e a oportunização do contraditório e da ampla defesa, a elaboração de plano individual de atendimento, relatórios situacionais e estudo psicossocial forense, além da oitiva dos requeridos e das testemunhas em audiência, as sentenças são prolatatas. Cabe ressaltar que todas as decisões, proferidas, aliás, por mais de uma magistrada, estão amparadas em lei, baseadas em provas e visam, prioritariamente, a garantir a proteção integral das crianças em questão.

No mais, os processos encontram-se em sigilo, razão pela qual os números dos feitos, os nomes dos denunciados, os nomes dos respectivos defensores e mais detalhes não podem ser divulgados.

Vara da Infância e Juventude da comarca de Blumenau