Do setor de expedição ao recorde mundial: a trajetória de Walter Orthmann em 100 anos de vida
Brusquense que completa um século de vida nesta terça-feira já dedicou 84 anos para o trabalho em uma mesma empresa
Um século de vida. Chegar a esta marca é para poucos. Imagine, então, chegar aos 100 anos trabalhando, dirigindo seu próprio carro, com uma memória e uma disposição de dar inveja em qualquer jovem. O brusquense Walter Orthmann está aí para provar que é possível.
Nascido em 19 de abril de 1922, seu Walter trilhou um caminho único e, por onde passa, é admirado. Desde 2018, está no Guinness Book, o livro dos recordes, como o homem com o maior tempo de trabalho em uma mesma empresa no mundo: a RenauxView. Até o momento, são 84 anos, três meses e dois dias de trabalho ininterrupto na indústria têxtil brusquense.
Ao completar 100 anos de vida, seu Walter nem pensa em parar. De acordo com ele, o trabalho é um dos grandes segredos de sua longevidade. “Se eu tivesse parado de trabalhar, não estava mais aqui”, afirma.
O início de uma longa história
Mais velho de cinco irmãos, seu Walter estudou apenas até a sétima série. Porém, se não fosse o professor Gebhard Hargut, teria deixado a escola antes. “Eu estudava na Deutscher Evangelische Schule [atual Colégio Cônsul Carlos Renaux], mas quando fiz 12 anos, era para eu ter começado a trabalhar na Fábrica Renaux, pois meu pai ganhava pouco e precisava sustentar cinco filhos, mas o professor foi lá em casa pedir para eu não parar”, lembra.
A mãe de seu Valter, entretanto, demonstrou preocupação, pois a família não tinha como continuar pagando a escola. O professor, então, trouxe a solução. “Ele disse para eu cuidar do jardim dele. Ele daria 15 mil réis e eu poderia pagar a escola e ajudar em casa. Então de manhã eu ia para a escola e à tarde trabalhava na casa do professor para pagar”.
Se eu tivesse parado de trabalhar, não estava mais aqui
Assim, seu Walter conseguiu estudar por mais um ano.
Depois disso, trabalhou como jardineiro por um período na casa do farmacêutico Fernando Boettger e também passou a ajudar o pai que era ecônomo da Sociedade Beneficente de Brusque, com a venda de bebidas durante os jogos de boliche.
Em janeiro de 1938, quando tinha 15 anos, a mãe foi em busca de um emprego para o filho na Indústrias Têxteis Renaux (Iresa), atual RenauxView. “Era uma sexta-feira quando ela veio pedir emprego pra mim e na segunda-feira eu já comecei. Tinha 15 anos e até hoje estou aqui”.
A carteira de trabalho de seu Walter foi assinada em 17 de janeiro de 1938. Essa é a data oficial do início da história dele na empresa.
O caminho até a área comercial
Sua primeira função na indústria têxtil foi no setor de expedição. Mas seu Walter queria mais e, por isso, durante a noite, fazia um curso de datilografia, já almejando um futuro melhor dentro da empresa.
Após um ano, foi chamado para fazer parte do escritório. “Fui para office boy, buscava correio, pagamentos. Fiquei mais meio ano nesta função, e aí fui para o faturamento. Fazia o faturamento da empresa toda”.
Seu Walter começou a conhecer melhor os clientes e a direção da empresa viu potencial no jovem. Ele foi mandado para São Paulo para conhecer pessoalmente alguns clientes. Foi assim que iniciou sua trajetória na área comercial da empresa.
“Fomos de carro até São Paulo e naquela semana vendemos para três meses de trabalho. Dali não parei mais. De 1955 a 2015, foram 60 anos viajando”.
Fomos de carro até São Paulo e naquela semana vendemos para três meses de trabalho. Dali não parei mais. De 1955 a 2015, foram 60 anos viajando
Seu Walter viajou o país inteiro. Inicialmente, de ônibus. Ia frequentemente para São Paulo e Rio de Janeiro.
Na década de 1970, quando o aeroporto de Navegantes foi inaugurado, seu Walter começou a viajar para outras regiões do país. “Comecei a ir para o Norte e o Nordeste. Conheci o Brasil todo. Ficava três semanas fora, fazia a venda, voltava, passava o que tinha que fabricar e já voltava para a estrada de novo”.
Seu Walter viajou a trabalho até os 93 anos. “A diretoria achou que era hora de eu parar, então comecei a ensinar os gestores. Agora, cada um cuida de uma região. No primeiro dia, fui junto com todos para apresentar aos clientes”.
Certificado do Guinness Book está na parede da sala de seu Walter | Foto: Bárbara Sales/O Município
Com um século de vida, seu Walter é o gerente de vendas da RenauxView. “Hoje eu ajudo o pessoal, ainda falo com os clientes antigos, tiro dúvidas. Tenho tudo anotado, clientes, telefones, com quem se deve falar. Conheço cada cliente pessoalmente”.
Ao longo de 84 anos de trabalho, seu Walter ficou muito conhecido em todo o país. Fez muitas amizades e estabeleceu uma relação de muita confiança com os clientes. “Tinha muitos clientes que nem olhavam as amostras, já pediam 60 mil metros de tecido, de tanta confiança que tinham em mim. Não faziam questão de escolher”.
A rotina
Ele é aposentado desde 1978, quando completou 40 anos de trabalho. Ele lembra que, na época, o diretor da empresa fez questão que continuasse trabalhando.
“Naquela época, todo mundo que se aposentava tinha que sair, mas eles não quiseram que eu saísse, e era isso que eu queria mesmo. Eu queria continuar trabalhando, e estou aqui até hoje”.
O recordista mundial vai para o trabalho todos os dias, de segunda a sexta-feira. Seu horário é das 8h às 11h30 e das 13h às 17h. Porém, seu Walter fez algumas adaptações no expediente devido ao trânsito de Brusque nos horários de pico.
Para não bater, porque a culpa é sempre do velho, eu mudei um pouco meu horário. Tem que cuidar muito no trânsito, porque para as pessoas, sempre são os velhos que batem
“Eu chego umas 8h20, 8h30 porque antes tem muito movimento e é impossível vir do Jardim Maluche pra cá. Venho um pouco mais tarde e saio um pouco mais cedo, antes de começar o movimento e ficarem todos loucos. O pessoal não quer saber, eles querem passar e pronto”, diz.
Ele vai para o trabalho dirigindo. Sempre com muito cuidado para evitar transtornos. “Para não bater, porque a culpa é sempre do velho, eu mudei um pouco meu horário. Tem que cuidar muito no trânsito porque, para as pessoas, sempre são os velhos que batem”, observa.
Seu Walter e a tecnologia
Seu Walter é uma testemunha de todas as mudanças do mundo nos últimos 100 anos. A evolução rápida e constante da tecnologia é uma das mais importantes para ele.
“Isso é o principal. Quando eu comecei, não tinha telefone na empresa, não tinha máquina de calcular. Fazia os cálculos tudo à mão. A primeira máquina de calcular, o diretor da empresa foi comprar na Alemanha, mas eu não confiava nela. Fazia primeiro à mão e depois confirmava”, conta.
Apesar de considerar os avanços da tecnologia fundamentais, seu Walter também percebe que as facilidades deixaram as pessoas acomodadas. “Sempre fui bom de cálculo, então ainda hoje faço tudo na mão. A tecnologia fez muita gente não fazer mais nada. Você vai no mercado comprar pão, custa R$ 5, aí você dá R$ 10, a pessoa vai lá e faz a conta: 10 menos cinco é igual a cinco. Eu fico doente com isso”, diz.
Hoje, um dos instrumentos de trabalho de seu Walter é um tablet. Ele aprendeu a usar o equipamento direitinho e até gosta. “Aprendi a usar, gostei e uso, toda a empresa está dentro do tablet”.
Além da tecnologia, seu Walter também viu a evolução das moedas no Brasil. Em 84 anos de trabalho, já recebeu seu salário em nove moedas diferentes. De mil réis até o real. “Já cortaram 18 zeros do meu salário”, brinca.
O ilustre brusquense se orgulha muito de tudo que viveu até aqui e deixa o recado: “Quando a gente faz o que gosta, não sente o tempo passar”.
Comemoração
Para comemorar os 100 anos de vida de seu Walter, a RenauxView realiza neste dia 19 de abril, uma grande festa em homenagem ao ilustre funcionário. A festa será completa, com direito a bolo, food trucks, chope, balões, música e a presença de cerca de 700 pessoas, muitos, inclusive, clientes de longa data de seu Walter, que fazem questão de celebrar a vida do recordista mundial.