Síndica leva poesia aos elevadores para alegrar condôminos, em Blumenau

Quem passa pelo edifício na rua Victor Konder repara na letra cuidadosa de Márcia

Na correria do dia a dia, deixamos muitos detalhes passarem batidos. O contato com os vizinhos se perde enquanto os olhares se concentram na tela do celular. O quadro de avisos do elevador é um dos últimos lugares nos quais as pessoas presam atenção. Mas em um prédio da rua Victor Konder, os condôminos anseiam por atualizações no espaço.

Tudo mudou porque a síndica do edifício, Márcia Rocha, começou a usar o local para colocar poesias. As mensagens são selecionadas e escritas à mão por ela há pelo menos dois anos, quando assumiu o cargo. Aos 49 anos e moradora do mesmo apartamento desde quando ele foi construído, há duas décadas, ela dedica praticamente todo seu tempo para o prédio.

Márcia aproveita pedaços de papel para escrever as poesias. Foto: Alice Kienen

O hábito de colocar mensagens no elevador surgiu após uma reclamação de um vizinho que havia se mudado recentemente do Rio Grande do Sul. O primeiro bilhete não foi uma poesia, e sim um desabafo.

“Eu e a zeladora ajudamos ele a se instalar. Muitos síndicos não gostam disso, mas se eu tenho disponibilidade eu ajudo. Um dia ele veio até mim e comentou ‘Márcia, as pessoas não cumprimentam aqui, né? Fico com vergonha quando entro no elevador. A pessoa vira pro lado, baixa a cabeça’. Aquilo me inspirou para questionar eles sobre a falta de gentileza”, explica.

Ela viu na atitude uma oportunidade. Segundo ela, alguns síndicos costumavam deixar o mesmo comunicado por meses. Ela queria ir além dos bilhetes com as regras do condomínio, pedindo para cuidar com o barulho ou comunicando falta de água.

“Um dia coloquei uma poesia do Leminski e no dia seguinte precisei colocar um aviso de que haveria manutenção. Na manhã seguinte, alguém colocou o poema por cima. Como era um aviso importante, coloquei ele pra frente mais uma vez. E o morador continuou puxando a poesia pra frente. Foi aí que percebi que eles se importavam”, comenta.

Márcia sempre tenta escolher poesias curtas, mas esta de Paulo Leminski, mesmo sendo longa, fez sucesso. Foto: Alice Kienen

O prédio tem apenas seis andares. Por morar no primeiro andar e saber que o tempo até o térreo é curto, Márcia prefere poemas curtos. Em papéis reaproveitados e mensagens escritas à mão ela expressa um pouco do que sente naquele dia.

“Às vezes até fico sem graça de colocar. Misturo letra cursiva, caixa alta, às vezes sai meio torto… Mas acho bacana colocar alguma coisa. Neste Natal recebi um panetone com um poema junto, já fui correndo colocar no elevador”, diz.

O interesse por poesia surgiu na graduação, por conta de uma professora que sempre começava o dia com uma frase para inspirar os alunos. Os poetas favoritos dela são os catarinenses. Apaixonada por literatura e pela língua portuguesa, Márcia aboliu o termo “elevador”. Ela prefere “elevamor”.

“Aprendi isso com uma amiga que é filha de poeta: trocar a dor pelo amor. Carregador por carregamor, trabalhador por trabalhamor, ventilamor, despertamor… E por aí vai”, justifica.

O principal objetivo de Márcia é inspirar os moradores a gostarem de poesia. Mesmo quem entende pouco do assunto acaba se encantando com as escolhas da síndica. Tatiane Theiss mora no prédio há menos de um ano, mas por ser vizinha de porta de Márcia já nutriu um carinho grande por ela

“Eu sinto que as vezes no dia a dia estamos no automático. E não tem nada mais automático do que entrar e sair do elevador todos os dias. É muito bom às vezes parar e ler uma coisa que inspira. Dá outra visão da vida e te coloca pra pensar”, comenta.

Pequenas transformações

Fora dos “elevamores”, Márcia também busca tornar todo o ambiente do prédio mais convidativo e confortável para os moradores. Uma das áreas favoritas dela é o jardim ao lado do salão de festas, que estava praticamente abandonado. Hoje, ele abriga diversas árvores frutíferas e possui até mesmo uma horta comunitária, que todos os condôminos podem aproveitar.

“Nunca pensei em ser síndica, mas sempre conheci todos os moradores. Minha proposta sempre foi ser participativa, então converso muito com todos. Apesar do trabalho, adoro quando tem festa aqui em baixo. É sempre bom ver gente alegre no prédio”, conta Márcia.

Pé de maracujá tomou conta do jardim e frutos estão quase maduros para os moradores. Foto: Alice Kienen

Alguns dos poemas que Márcia seleciona e reescreve à mão já se espalharam pelas redes sociais. Moradores que são tocados pelas palavras compartilham fotos e divulgam os sentimentos que a síndica coloca no papel. E semana após semana a blumenauense chega um pouco mais perto do que realmente quer: levar poesia a todos.

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