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“Tema do Enem, a democratização do acesso ao cinema é desvalorizada pelo próprio governo”

Colunista comenta sobre tema abordado na prova nacional em país com pouco incentivo às produções audiovisuais

Democratização do acesso ao cinema no Brasil

É interessante o tema da redação do Enem 2019 ser sobre a “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”, algo que foi muito discutido na minha última coluna sobre o filme Bacurau, um importante produto cultural nacional ao qual deveríamos ter direito de acesso.

Ironicamente, o tema do primeiro Enem da era Bolsonaro é tudo que seu governo desvaloriza, pois prefere, ao contrário, censurar filmes nacionais e perseguir e paralisar verbas do principal órgão responsável pelos filmes e séries no Brasil, a Agência Nacional do Cinema (Ancine).

Inep/Divulgação

Também não nos esqueçamos de quem extinguiu o Ministério da Cultura (MinC). A União Nacional dos Estudantes (UNE), comentando sobre a redação do Enem, foi mais incisiva: “Certamente Bolsonaro zeraria”.

No primeiro semestre deste ano, o ministro Osmar Terra assinou um documento que prevê a “Cota de Tela” para 2019, um projeto que garante espaço nas salas de cinema para filmes brasileiros, mas que não foi regulamentado pelo presidente.

O suposto incentivo ao cinema nacional, contudo, tem suas limitações, uma vez que essa pseudo-liberdade significaria, na prática, maior espaço apenas para filmes que passassem pelo “filtro” do governo, expressão mais conhecida como censura.

Redes Sociai/Especial

Um exemplo de filme nacional incentivado seria o longa sobre Edir Macedo, um recorde de bilheteria, porém, com salas de cinema vazias, resultado da distribuição de ingressos de graça nas igrejas, mas sem muita adesão dos próprios fiéis.

Falar sobre democratização do acesso ao cinema implica em lembrar de um governo do desmonte do audiovisual, que não abre espaço pra diversidade na tela e aniquila o fomento aos seus próprios produtos culturais.

É lembrar ainda que o acesso aos filmes é para toda população e não parte dela, principalmente para quem não pode pagar pelo ingresso e para quem a acessibilidade é primordial. É fugir da lógica do neoliberalismo, que defende a bandeira da exclusão.

Sendo o acesso à cultura um direito constitucionalmente previsto, como explicar que apenas 10% das cidades brasileiras têm cinema, e que uma em cada três dessas salas está localizada em São Paulo? É extremamente necessário discutir sobre o assunto, porque são milhares e milhares de municípios sem acesso.

Muitas vezes, é por meio de poucos cineclubes, exibições em bibliotecas e projetos itinerantes, que pessoas têm sua primeira experiência cinematográfica. Em Blumenau, por exemplo, para além das salas comerciais, temos exibições de filmes no Cine Teatro Edith Gaertner, da Secretaria Municipal de Cultura, e no Cine Sesc, da Universidade de Blumenau (FURB).

A discussão, por fim, está em saber que nem todos têm direito à exibição e à produção. A democratização é seletiva e parece não ser uma prioridade para os próximos anos, ou, pelo menos, enquanto não tivermos uma proposta contínua para o audiovisual, como um projeto de nação amplo, democrático e inclusivo, não ficando à mercê de decisões voláteis e esporádicas, que mudam a cada quatro anos.